sábado, 26 de março de 2016

PÁSCOA, 27 DE MARÇO DE 2016




(Domingo de Páscoa, 20 de Março de 2016)

“Páscoa do Senhor, nova criação e novo êxodo”

Hoje ressoa na Igreja o anúncio pascal: Cristo ressuscitou; ele vive para além da morte; é o Senhor dos vivos e dos mortos. Na noite mais clara que o dia, a palavra omnipotente de Deus que criou os céus, a terra e formou o homem à sua imagem e semelhança chama a uma vida imortal o homem novo, Jesus de Nazaré, filho de Deus e filho de Maria.

Realiza-se a grande e secreta esperança da humanidade
Nele, a semente da vida divina, depositada inicialmente na criatura, atinge uma maturação pessoal única, porque nele habita a plenitude da divindade, a do Filho Unigénito. A humanidade vê realizada, por dom de Deus, a grande e secreta esperança: uma terra e céus “novos”, um mundo sem luto e sem lágrimas, paz e justiça, alegria e vida sem sombra e sem fim. Tudo isto, porém, não é visível; só aos olhos de quem crê é dado discernir os traços da nova criatura que se está formando na obscuridade e no trabalho da existência terrena. A morte é vencida pela morte livremente aceite por Jesus; mas ela continua a agir até que tudo seja cumprido. O pecado é vencido pelo sacrifício do inocente; mas o “mistério da iniquidade acompanha a existência humana até o último dia. No Senhor ressuscitado, a morte e o pecado encontram um sentido aceitável, inserem-se num desígnio cheio de sabedoria e de amor, não mais causam medo, porque pertencem ao velho mundo de que fomos libertados.”

Um povo de homens livres caminha para a vida
Ao contrário da vida natural, que nos é dada sem o nosso consentimento, na nova existência só se pode entrar com uma adesão consciente e livre à proposta de renascer através da conversão e do baptismo. (Isto é evidente no caso dos adultos; quanto às crianças, baptizadas na fé dos pais e da comunidade, o caso é análogo ao primeiro dom da vida, em que a resposta pessoal amadurece graças à educação). Assim, para cada um dos que crêem, a Páscoa é a passagem de um modo de viver para outro; é saída do Egipto, imersão no mar Vermelho e caminho pelo deserto até à terra da promessa. Numa palavra, é o êxodo “deste mundo ao Pai” (cf Jo 13,1; Lc 9,31), em seguimento do Cristo, cabeça do novo povo, animado pelo sopro vital do seu Espírito. Baptizados na sua morte e ressurreição, devemos começar a “caminhar em novidade de vida” de filhos de Deus. O nosso “êxodo” coincide com a duração da vida, até à maturidade, até à última “passagem” da morte; o nosso crescimento dá-se conforme a correspondência à lei da vida divina em nós, isto é, do amor. Aqui está toda a moral “pascal”; não numa série de preceitos, mas num só mandamento, formulado para cada pessoa e para cada comunidade na variedade das situações de um diálogo incessante entre o Pai e os filhos; encontrando a nossa alegria, como Cristo, na sintonia com os seus planos de salvação; abandonando para trás, como Cristo, as formas caducas da religiosidade natural, para viver na fé, oferecendo toda a nossa pessoa como sacrifício espiritual; como Cristo, fiéis ao Pai e fiéis ao homem.

O homem novo, segundo o plano de Deus
Porque “o homem novo é o homem verdadeiro, assim como Deus o concebeu desde toda a eternidade, é o homem fiel à vocação de homem. O homem novo não é ‘outro’ homem, alienado da condição terrestre para ser posto num paraíso qualquer. A oposição acha-se entre o pecado e a graça; o homem velho vive na ilusão de poder realizar o seu destino incorrendo unicamente aos seus recursos; o homem novo realiza perfeitamente a vontade de Deus, único que pode admiti-lo à condição ‘filial’; sabe que o conteúdo da sua fidelidade à vocação recebida reside na obediência à condição terrena até a morte; sabe que este ‘sim’ de criatura constitui o suporte necessário do ‘sim’ do filho adoptivo de Deus” (J. Frisque). Esta é a “novidade” de que os cristãos são “testemunhas” no mundo.

Mas por que a Páscoa nunca cai no mesmo dia todo ano?
O dia da Páscoa é o primeiro domingo depois da Lua Cheia que ocorre no dia ou depois de 21 Março (a data do equinócio). Entretanto, a data da Lua Cheia não é a real, mas a definida nas Tabelas Eclesiásticas. (A igreja, para obter consistência na data da Páscoa decidiu, no Concílio de Niceia em 325 d. C., definir a Páscoa relacionada a uma Lua imaginária – conhecida como a “lua eclesiástica”).

LEITURA I – Act. 10, 34a, 37-43

Diante de pagãos, em casa do centurião Cornélio, Pedro anuncia o que já lhes havia chegado aos ouvidos: Cristo ressuscitou! E, completando aquela «boa notícia», garantindo, com o seu testemunho pessoal, a verdade dos acontecimentos daqueles dias, o Apóstolo explica-lhes o que eles querem dizer:
– Jesus de Nazaré, homem que viveu como eles e com Quem Pedro convivera, não é um simples homem. Ungido do Espírito de Deus, tem a plenitude de Deus em Si. Ele é o Messias, o Filho de Deus, como o demonstrou pelos milagres por ele mesmo presenciados e, sobretudo pelo milagre definitivo – a Ressurreição.
Pela Ressurreição, de que Pedro é testemunha, Jesus de Nazaré é o Juiz dos vivos e dos mortos, é o Salvador de todos os homens, judeus ou pagãos.

Leitura dos Actos dos Apóstolos
“Naqueles dias, Pedro tomou a palavra e disse: «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do baptismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele. Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n'O, suspendendo-O na cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos. Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d'Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados».”
Palavra do Senhor

LEITURA II – Col. 3, 1-4


Pelo seu Baptismo, o cristão morreu para o pecado e ressuscitou com Cristo para uma vida nova. Desde esse momento, recebeu a missão de, à semelhança de Cristo, conduzir os homens e todas as coisas para o Pai.
Inserido nas realidades divinas, não pode alhear-se do mundo, nem ficar indiferente aos esforços dos homens relativamente à construção dum mundo de felicidade, justiça e paz.
Inserido nas realidades da terra, não pode encerrar-se no mundo, trabalhando só para fins terrenos, esquecido do destino final do homem e do mundo.
Feito nova criatura pela Ressurreição de Cristo, o cristão viverá a vida de cada dia, sem perder de vista o fim superior, para que foi criado.

Leitura da Epístola do apóstolo S. Paulo aos Colossenses
“Irmãos: Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Jo 20, 1-9


Pedro e João, juntamente com Madalena, são as primeiras testemunhas do túmulo vazio, naquela manhã de Páscoa. Não foi, porém, muito facilmente que eles chegaram à conclusão de que Jesus estava vivo. A sua fé será progressiva, caminhará entre incredulidade e dúvidas. Só perante as ligaduras e o lençol, cuidadosamente dobrados, o que excluía a hipótese de roubo, se lhes começam a abrir os olhos para a realidade.
No seu amor intuitivo, João é o primeiro a compreender os sinais da Ressurreição. Mas bem depressa Pedro, que, não por acaso mas intencionalmente, ocupa o primeiro lugar e nos aparece já nesta manhã como Chefe do Colégio Apostólico, descobre a verdade, anunciada tão claramente pela Escritura e pelo mesmo Jesus. Depois, em contacto pessoal com o Ressuscitado, a sua fé tornar-se-á firme como «rocha» inabalável.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
“No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo que Jesus amava e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram». Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro. Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte. Entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e acreditou. Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.”
Palavra da Salvação



sábado, 19 de março de 2016

DOMINGO, 20 DE MARÇO DE 2016




(Domingo de Ramos)

“Entrada triunfal”
A última Páscoa celebrada por Jesus indica o sentido da sua morte: ele entrega-se totalmente (corpo e sangue) em favor dos homens. Trata-se de gesto supremo de amor que liberta os homens de uma vida marcada pelo mal do egoísmo; só assim se constrói a Nova Aliança, que produz a sociedade fundada no dom de si para o bem de todos.

LEITURA I – Is. 50, 4-7

Não desviei o meu rosto dos que Me ultrajavam, mas sei que não ficarei desiludido

Esta leitura é um dos chamados “Cânticos do Servo do Senhor”. Este Servo revela-se plenamente em Jesus, na sua Paixão: Ele escuta a palavra do Pai e responde-lhe cheio de confiança, oferecendo-Se, em obediência total, pela salvação dos homens.

Leitura do Livro de Isaías
“O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos, para eu escutar, como escutam os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio, e, por isso, não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido.”
Palavra do Senhor

LEITURA II – Filip 2, 6-11

Humilhou-Se a Si próprio; por isso Deus O exaltou

Esta leitura é também um cântico, mas agora do Novo Testamento, muito provavelmente em uso nas primitivas comunidades cristãs. Nele é celebrado o Mistério Pascal: Cristo fez-Se um de nós, obedeceu aos desígnios do Pai e humilhou-Se até à morte, e foi, por isso, exaltado até à glória de “Senhor”, que é a própria glória de Deus.

Leitura da Segunda Epístola do apóstolo S. Paulo aos Filipenses
“Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz. Por isso Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Lc 22, 14 – 23, 56

São Lucas é evangelista especialmente culto, pois que, segundo a tradição, era médico, e muito atento a circunstâncias mais significativas da sensibilidade dos participantes da Paixão do Senhor, como na referência às mulheres que desde a Galileia O tinham acompanhado e Lhe saíram ao encontro no caminho do Calvário e O seguiram até à hora da sua morte; é ele o único que refere o suor de sangue na agonia de Jesus, como também a oração do bom ladrão na cruz e o perdão que em resposta o Senhor lhe oferece. Ele é, de facto, o evangelista da misericórdia de Jesus.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Quando chegou a hora, Jesus sentou-Se à mesa com os seus Apóstolos e disse-lhes:
J          «Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de padecer; pois digo-vos que não tornarei a comê-la, até que se realize plenamente no reino de Deus».
N         Então, tomando um cálice, deu graças e disse:
J          «Tomai e reparti entre vós, pois digo-vos que não tornarei a beber do fruto da videira, até que venha o reino de Deus».
N         Depois tomou o pão e, dando graças, partiu-o e deu-lho, dizendo:
J          «Isto é o meu Corpo entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim».
N         No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo:
J          «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue, derramado por vós.
Entretanto, está comigo à mesa a mão daquele que Me vai entregar.
O Filho do homem vai partir, como está determinado. Mas ai daquele por quem Ele vai ser entregue!».
N         Começaram então a perguntar uns aos outros
qual deles iria fazer semelhante coisa. Levantou-se também entre eles uma questão: qual deles se devia considerar o maior?
Disse-lhes Jesus:
J          «Os reis das nações exercem domínio sobre elas e os que têm sobre elas autoridade são chamados benfeitores. Vós não deveis proceder desse modo. O maior entre vós seja como o menor
e aquele que manda seja como quem serve. Pois quem é o maior:
o que está à mesa ou o que serve? Não é o que está à mesa?
Ora, Eu estou no meio de vós como aquele que serve. Vós estivestes sempre comigo nas minhas provações. E Eu preparo para vós um reino, como meu Pai o preparou para Mim: comereis e bebereis à minha mesa, no meu reino, e sentar-vos-eis em tronos, a julgar as doze tribos de Israel. Simão, Simão, Satanás vos reclamou para vos agitar na joeira como trigo. Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos».
N         Pedro respondeu-Lhe:
R         «Senhor, eu estou pronto a ir contigo, até para a prisão e para a morte».
N         Disse-lhe Jesus:
J          «Eu te digo, Pedro: Não cantará hoje o galo, sem que tu, por três vezes, negues conhecer-Me».
N         Depois acrescentou:
J          «Quando vos enviei sem bolsa nem alforge nem sandálias, faltou-vos alguma coisa?».
N         Eles responderam que não lhes faltara nada. Disse-lhes Jesus:
J          «Mas agora, quem tiver uma bolsa pegue nela, bem como no alforge; e quem não tiver espada venda a capa e compre uma. Porque Eu vos digo que se deve cumprir em Mim o que está escrito: ‘Foi contado entre os malfeitores’. Na verdade, o que Me diz respeito está a chegar ao fim».
N         Eles disseram:
R         «Senhor, estão aqui duas espadas».
N         Mas Jesus respondeu:
J          «Basta».
N         Então saiu e foi, como de costume, para o monte das Oliveiras e os discípulos acompanharam-n’O. Quando chegou ao local, disse-lhes:
J          «Orai, para não entrardes em tentação».
N         Depois afastou-Se deles cerca de um tiro de pedra e, pondo-Se de joelhos, começou a orar, dizendo:
J          «Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice. Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua».
N         Então apareceu-Lhe um Anjo, vindo do Céu, para O confortar. Entrando em angústia, orava mais instantemente e o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra.
Depois de ter orado, levantou-Se e foi ter com os discípulos, que encontrou a dormir, por causa da tristeza. Disse-lhes Jesus:
J          «Porque estais a dormir?
Levantai-vos e orai, para não entrardes em tentação».
N         Ainda Ele estava a falar, quando apareceu uma multidão de gente. O chamado Judas, um dos Doze, vinha à sua frente e aproximou-se de Jesus, para O beijar. Disse-lhe Jesus:
J          «Judas, é com um beijo que entregas o Filho do homem?».
N         Ao verem o que ia suceder, os que estavam com Jesus perguntaram-Lhe:
R         «Senhor, vamos feri-los à espada?».
N         E um deles feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. Mas Jesus interveio, dizendo:
J          «Basta! Deixai-os».
N         E, tocando na orelha do homem, curou-o.
Disse então Jesus aos que tinham vindo ao seu encontro, príncipes dos sacerdotes, oficiais do templo e anciãos:
J          «Vós saístes com espadas e varapaus, como se viésseis ao encontro dum salteador. Eu estava todos os dias convosco no templo e não Me deitastes as mãos. Mas esta é a vossa hora e o poder das trevas.
N         Apoderaram-se então de Jesus,
levaram-n’O e introduziram-n’O em casa do sumo sacerdote. Pedro seguia-os de longe. Acenderam uma fogueira no meio do pátio, sentaram-se em volta dela e Pedro foi sentar-se no meio deles. Ao vê-lo sentado ao lume, uma criada, fitando os olhos nele, disse:
R         «Este homem também andava com Jesus».
N         Mas Pedro negou:
R         «Não O conheço, mulher».
N         Pouco depois, disse outro, ao vê-lo:
R         «Tu também és um deles».
N         Mas Pedro disse:
R         «Homem, não sou».
N         Passada mais ou menos uma hora, afirmava outro com insistência:
R         «Esse homem, com certeza, também andava com Jesus,
pois até é galileu».
N         Pedro respondeu:
R         «Homem, não sei o que dizes».
N         Nesse instante – ainda ele falava – um galo cantou. O Senhor voltou-Se e fitou os olhos em Pedro. Então Pedro lembrou-se da palavra do Senhor, quando lhe disse: ‘Antes de o galo cantar, Me negarás três vezes’. E, saindo para fora, chorou amargamente.
Entretanto, os homens que guardavam Jesus troçavam d’Ele e maltratavam-n’O. Cobrindo-Lhe o rosto, perguntavam-Lhe:
R         «Adivinha, profeta: Quem Te bateu?».
N         E dirigiam-Lhe muitos outros insultos.
Ao romper do dia, reuniu-se o conselho dos anciãos do povo, os príncipes dos sacerdotes e os escribas. Levaram-n’O ao seu tribunal e disseram-Lhe:
R         «Diz-nos se Tu és o Messias».
N         Jesus respondeu-lhes:
J          «Se Eu vos disser, não acreditareis e, se fizer alguma pergunta, não respondereis. Mas o Filho do homem sentar-Se-á doravante à direita do poder de Deus».
N         Disseram todos:
R         «Tu és então o Filho de Deus?».
N         Jesus respondeu-lhes:
J          «Vós mesmos dizeis que Eu sou».
N         Então exclamaram:
R         «Que necessidade temos ainda de testemunhas? Nós próprios o ouvimos da sua boca».
N         Levantaram-se todos e levaram Jesus a Pilatos. Começaram a acusá-l’O, dizendo:
R         «Encontrámos este homem a sublevar o nosso povo, a impedir que se pagasse o tributo a César e dizendo ser o Messias-Rei».
N         Pilatos perguntou-Lhe:
R         «Tu és o Rei dos judeus?».
N         Jesus respondeu-lhe:
J          «Tu o dizes».
N         Pilatos disse aos príncipes dos sacerdotes e à multidão:
R         «Não encontro nada de culpável neste homem».
N         Mas eles insistiam:
R         «Amotina o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui».
N         Ao ouvir isto, Pilatos perguntou se o homem era galileu; e, ao saber que era da jurisdição de Herodes, enviou-O a Herodes, que também estava nesses dias em Jerusalém. Ao ver Jesus, Herodes ficou muito satisfeito. Havia bastante tempo que O queria ver, pelo que ouvia dizer d’Ele, e esperava que fizesse algum milagre na sua presença. Fez-Lhe muitas perguntas, mas Ele nada respondeu. Os príncipes dos sacerdotes e os escribas que lá estavam acusavam-n’O com insistência. Herodes, com os seus oficiais, tratou-O com desprezo e, por troça, mandou-O cobrir com um manto magnífico e remeteu-O a Pilatos. Herodes e Pilatos, que eram inimigos, ficaram amigos nesse dia. Pilatos convocou os príncipes dos sacerdotes, os chefes e o povo, e disse-lhes:
R         «Trouxestes este homem à minha presença como agitador do povo. Interroguei-O diante de vós e não encontrei n’Ele nenhum dos crimes de que O acusais. Herodes também não, uma vez que no-l’O mandou de novo. Como vedes, não praticou nada que mereça a morte. Vou, portanto, soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
N         Pilatos tinha obrigação de lhes soltar um preso por ocasião da festa. E todos se puseram a gritar:
R         «Mata Esse e solta-nos Barrabás».
N         Barrabás tinha sido metido na cadeia por causa de uma insurreição desencadeada na cidade e por assassínio. De novo Pilatos lhes dirigiu a palavra, querendo libertar Jesus. Mas eles gritavam:
R         «Crucifica-O! Crucifica-O!».
N         Pilatos falou-lhes pela terceira vez:
R         «Mas que mal fez este homem?
Não encontrei n’Ele nenhum motivo de morte. Por isso vou soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
N         Mas eles continuavam a gritar, pedindo que fosse crucificado, e os seus clamores aumentavam de violência. Então Pilatos decidiu fazer o que eles pediam: soltou aquele que fora metido na cadeia por insurreição e assassínio, como eles reclamavam, e entregou-lhes Jesus para o que eles queriam. Quando O conduziam, lançaram mão de um certo Simão de Cirene, que vinha do campo, e puseram-lhe a cruz às costas, para a levar atrás de Jesus. Seguia-O grande multidão de povo e mulheres que batiam no peito e se lamentavam, chorando por Ele. Mas Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes:
J          «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim; chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos; pois dias virão em que se dirá: ‘Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram’. Começarão a dizer aos montes: ‘Caí sobre nós’;
e às colinas: ‘Cobri-nos’. Porque, se tratam assim a madeira verde,
que acontecerá à seca?».
N         Levavam ainda dois malfeitores para serem executados com Jesus. Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, crucificaram-n’O a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia:
J          «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem».
N         Depois deitaram sortes, para repartirem entre si as vestes de Jesus. O povo permanecia ali a observar. Por sua vez, os chefes zombavam e diziam:
R         «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito».
N         Também os soldados troçavam d’Ele; aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam:
R         «Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo».
N         Por cima d’Ele havia um letreiro: «Este é o Rei dos judeus». Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados insultava-O, dizendo:
R         «Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
N         Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o:
R         «Não temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto a nós, fez-se justiça, pois recebemos o castigo das nossas más acções. Mas Ele nada praticou de condenável».
N         E acrescentou:
R         «Jesus, lembra-Te de mim,
quando vieres com a tua realeza».
N         Jesus respondeu-lhe:
J          «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».
N         Era já quase meio-dia, quando as trevas cobriram toda a terra, até às três horas da tarde, porque o sol se tinha eclipsado. O véu do templo rasgou-se ao meio. E Jesus exclamou com voz forte:
J          «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito».
N         Dito isto, expirou. Vendo o que sucedera, o centurião deu glória a Deus, dizendo:
R         «Realmente este homem era justo».
N         E toda a multidão que tinha assistido àquele espectáculo, ao ver o que se passava, regressava batendo no peito. Todos os conhecidos de Jesus, bem como as mulheres que O acompanhavam desde a Galileia, mantinham-se à distância, observando estas coisas.
Havia um homem chamado José, da cidade de Arimateia, que era pessoa recta e justa e esperava o reino de Deus. Era membro do Sinédrio, mas não tinha concordado com a decisão e o proceder dos outros. Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. E depois de o ter descido da cruz, envolveu-o num lençol e depositou-o num sepulcro escavado na rocha, onde ninguém ainda tinha sido sepultado. Era o dia da Preparação e começavam a aparecer as luzes do sábado. Entretanto, as mulheres que tinham vindo com Jesus da Galileia acompanharam José e observaram o sepulcro e a maneira como fora depositado o corpo de Jesus. No regresso, prepararam aromas e perfumes. E no sábado guardaram o descanso, conforme o preceito. Palavra da salvação.”
Palavra da Salvação



sábado, 12 de março de 2016

DOMINGO, 13 DE MARÇO DE 2016




(V Domingo da Quaresma, 13 de Março de 2016)

“Condenada ao apedrejamento”

“Enviais vosso Espírito e tudo é criado e renovais a face da terra” (Sl 103,30); “Criai em mim, ó Deus, um coração puro, renovai em mim um espírito firme” (Si 50,12); é a oração de todos nós, que desejamos ser diferentes, tornarmo-nos melhores. O desejo de mudar de actividade, de casa, de vestes, oculta a vontade de mudarmos a nós mesmos juntamente com o objecto dos nossos desejos. No entanto, cristãos de nascimento, tão habituados a este nome, custamos a perceber a novidade radical em que nos introduz a fé em Jesus Cristo. A salvação trazida por Cristo apresenta-se com um carácter de “novidade” com a qual jamais nos deveríamos habituar.
A novidade de vida é um dom
Uma afirmação muito repetida, mas que não perde a eficácia: não basta observar a lei para ser justo diante de Deus. O fariseu observante não pode atirar a pedra contra a adúltera, como não pode fazê-lo o cristão praticante. E o quadro termina por inverter-se; onde há miséria, uma pessoa curvada sob o peso de suas culpas, aí é que se faz o dom de uma “vida nova”, de salvação (evangelho). Salvação gratuita para a adúltera e salvação inesperada para um povo humilhado na deportação forçada. “Eis que vou realizar uma coisa nova: já desponta... traçarei no deserto uma estrada, farei nascer rios na terra árida” (1ª leitura). Para o israelita deportado e desanimado era difícil esperar ainda, mas a palavra do profeta estimula a descobrir nos últimos acontecimentos a intervenção de Deus, que está para realizar uma coisa nova; o passado e a própria libertação do Egipto serão superados pela nova realidade. Esta acção criadora de Deus, que reaviva o que é deserto e faz jorrar águas abundantes do solo árido, torna-se realidade no encontro com o Cristo. Jesus é aquele que das trevas faz surgir o universo de luz, de uma pecadora adúltera faz uma mulher que crê, com uma massa de pecadores constrói o seu povo, a Igreja. A frase “não peques mais” (evangelho) é palavra de libertação e de novidade. Lembra a passagem do mundo do mal para um mundo novo pela força de Cristo. Cumulando a nossa esperança para além de toda a expectativa, Jesus formou a família de Deus, em que todos os homens entram como filhos. Ele é o primogénito do Reino, que veio para abrir-nos o caminho, indicar-nos o itinerário de novidade que leva à felicidade.
Vida nova é optar por morrer
Somos o povo que Deus formou para si, porque Deus irrigou com a sua água o deserto da nossa vida (1ª leitura). A adúltera é a Igreja. A água do baptismo é novidade de vida. E Cristo repete-nos: “Vai e de agora em diante não peques mais”; viver o próprio baptismo, pelo qual fomos unidos a Cristo, é, para Paulo, sacrificar tudo para ganhar a Cristo. Participar do seu sofrimento, tornarmo-nos conformes a sua morte, para alcançar a ressurreição dos mortos, experimentando a força da sua ressurreição. A opção pelo caminho do próprio fracasso torna-se opção pela ressurreição.
Lançar a pedra é fácil
O “farisaísmo” é a doença de quem não se olha ao espelho. Todo rosto tem rugas, e por detrás de uma fachada restaurada ocultam-se manchas escuras.
Entretanto, em todos nós existe o sentimento de culpa. Existe um sentimento de culpa exacerbado, resultado de um formalismo legalista, de aspectos inconscientes, de educação ilusória. Mas há também um sentimento de culpa que põe o dedo na chaga. As chagas ardem e causam nojo; também aquelas que comprometem toda a sociedade. A prostituição, a delinquência juvenil, a droga, as mães solteiras. Há as responsabilidades pessoais de quem se deixa explorar e há a responsabilidade de quem explora; é uma sociedade sem valores. Também a nós faltam os valores, mas é mais cómodo libertar-se dessa crise de valores procurando bodes expiatórios. E é fácil encontrá-los. A satisfação de lançar a pedra faz-nos esquecer quem somos, liberta-nos da nossa responsabilidade e do sentimento de culpa. Assim, fazem-se campanhas contra a prostituição, para que as ruas estejam “limpas”; marginalizam-se os drogados, para que não possam censurar a nossa inutilidade. Fazem-se casas de correcção, para dizermos a nós mesmos que fazemos o possível. Escondemos o espelho para não vermos mais o nosso rosto, e assim pensamos estar limpos.
Mas não há apenas esse farisaísmo em grande escala. A satisfação de poder dizer que não somos como a vizinha, ou como o colega de trabalho, é coisa de todos os dias, ou como quando, voltando da missa de Domingo, olhamos com desconfiança para aquele que só tem recebido da vida situações humilhantes ou que continua a pagar na solidão os erros da sua vida. O desprezo que lhes tributamos é, para Cristo, acusação contra nós, e o seu sofrimento torna-se sofrimento de Cristo.


LEITURA I – Is 43, 16-21

Vou realizar uma coisa nova: matarei a sede ao meu povo

A história da salvação acompanha todos os tempos e o que Deus fez, no passado em favor do seu povo, continua a fazê-lo no presente. Nesta leitura, o Profeta, que anuncia o regresso do exílio, onde o povo de Deus esteve em cativeiro, quer fazer sentir que o que vai agora acontecer não é menos admirável do que o que tinha acontecido na Páscoa antiga, quando o povo saiu do Egipto. Quanto mais admirável não é o que Deus faz agora por nós em Jesus Cristo!

Leitura do Livro de Isaías
“O Senhor abriu outrora caminhos através do mar, veredas por entre as torrentes das águas. Pôs em campanha carros e cavalos, um exército de valentes guerreiros; e todos caíram para não mais se levantarem, extinguiram-se como um pavio que se apaga. Eis o que diz o Senhor: «Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados, não presteis atenção às coisas antigas. Olhai: vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer; não a vedes? Vou abrir um caminho no deserto, fazer brotar rios na terra árida. Os animais selvagens – chacais e avestruzes – proclamarão a minha glória, porque farei brotar água no deserto, rios na terra árida, para matar a sede ao meu povo escolhido, o povo que formei para Mim e que proclamará os meus louvores».”
Palavra do Senhor

LEITURA II – Filip 3, 8-14

Por Cristo, considerei todas as coisas como prejuízo, configurando-me à sua morte

Esta leitura liga-se hoje à anterior: é em Cristo que vamos encontrar completamente realizado o momento culminante e a plenitude da história da salvação, é n’Ele que a Lei e os Profetas encontram a realização perfeita, é para Ele que toda a história anterior apontava, e sem Ele nada tem sentido. Quem assim o entender, como S. Paulo o entendeu, há-de considerar a participação no mistério da Páscoa do Senhor como a maior graça de Deus.

Leitura da Segunda Epístola do apóstolo S. Paulo aos Filipenses
“Irmãos: Considero todas as coisas como prejuízo, comparando-as com o bem supremo, que é conhecer Jesus Cristo, meu Senhor. Por Ele renunciei a todas as coisas e considerei tudo como lixo, para ganhar a Cristo e n’Ele me encontrar, não com a minha justiça que vem da Lei, mas com a que se recebe pela fé em Cristo, a justiça que vem de Deus e se funda na fé. Assim poderei conhecer Cristo, o poder da sua ressurreição e a participação nos seus sofrimentos, configurando-me à sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos. Não que eu tenha já chegado à meta, ou já tenha atingido a perfeição. Mas continuo a correr, para ver se a alcanço, uma vez que também fui alcançado por Cristo Jesus. Não penso, irmãos, que já o tenha conseguido. Só penso numa coisa: esquecendo o que fica para trás, lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta, em vista do prémio a que Deus, lá do alto, me chama em Cristo Jesus.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Jo 8, 1-11

Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra

A novidade que Deus oferece ao mundo em Jesus Cristo não aparece à custa da destruição do que anteriormente existiu. A graça não vem à custa da morte do pecador. É a partir da história dos homens pecadores que Deus vai fazer surgir a história da salvação, que os há-de renovar. É na mulher pecadora que Jesus faz brilhar a luz nova da sua graça. Envelhecida pelo pecado, torna-se, pelo poder do Senhor, nova criatura.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
“Naquele tempo, Jesus foi para o monte das Oliveiras. Mas de manhã cedo, apareceu outra vez no templo e todo o povo se aproximou d’Ele. Então sentou-Se e começou a ensinar. Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus uma mulher surpreendida em adultério, colocaram-na no meio dos presentes e disseram a Jesus: «Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres. Tu que dizes?». Falavam assim para Lhe armarem uma cilada e terem pretexto para O acusar. Mas Jesus inclinou-Se e começou a escrever com o dedo no chão. Como persistiam em interrogá-l’O, ergueu-Se e disse-lhes: «Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra». Inclinou-Se novamente e continuou a escrever no chão. Eles, porém, quando ouviram tais palavras, foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio. Jesus ergueu-Se e disse-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?». Ela respondeu: «Ninguém, Senhor». Disse então Jesus: «Nem Eu te condeno. Vai e não tornes a pecar».”
Palavra da Salvação



sábado, 5 de março de 2016

DOMINGO, 6 DE MARÇO DE 2016





(IV Domingo da Quaresma, 6 de Março de 2016)

“Um pai espera a volta do filho”
Não e fácil aceitarmo-nos como pecadores. Em geral tentamos recusá-lo, e alguns acreditam que o conseguem; mas, de repente, sentimos, na nossa vida e na do mundo que nos cerca, uma profunda culpabilidade; guerras e exploração, ódio racial e fome, incapacidade de sermos nós mesmos, de amar o outro desinteressadamente, de perdoar o cônjuge ou o filho. Uma história de fragilidade, de miséria, de pecado. Pecados pessoais e pecados de um povo.
À luz da fé, o pecado do homem surge sobretudo como uma recusa de amor, um afastamento da corrente do amor de que Deus é a fonte. Mas, Deus manifesta-se infinitamente maior do que a recusa que lhe opomos; vai ao encontro do homem mesmo ao seu pecado; perdoando, vence o ódio e dá início à história da misericórdia.
Veio buscar o que estava perdido
Jesus dá início a uma nova e singular história de perdão; Deus, que perdoa o homem com a encarnação do Filho. O Baptista anuncia sua vinda, convidando à conversão em previsão do severo juízo que está para cair sobre toda a humanidade. Mas, quando Jesus vem, declara não ter vindo para condenar o mundo, e sim para salvá-lo" (JO 12,47); declara ter vindo não para os que se crêem justos, mas para os pecadores que se arrependem (2ª leitura).
Procura-os como o pastor vai atrás da ovelha desgarrada, ou a mulher procura a dracma perdida. Os privilegiados da misericórdia, os preferidos de Jesus, são os pobres, as mulheres abandonadas, os estrangeiros, isto é, os marcados por uma interdição e repelidos pela sociedade. Para Jesus, o filho pródigo é sempre esperado. Essa atitude provoca o espanto e a indignação dos fariseus e de certos “justos” incapazes de ultrapassar a justiça, semelhantes ao filho mais velho (evangelho), invejando a bondade do pai para com o irmão mais novo. Toda a vida de Cristo, especialmente a sua morte na cruz, foi expressão de uma misericórdia sem limites. A história do perdão, começada com Jesus, continua na Igreja que é “sacramento de salvação”. O perdão divino continua a exercer-se nela por iniciativa e vontade de Deus e pelo poder que lhe deu Cristo: perdoar é assim ajudar a humanidade a encontrar-se com Deus.
O irmão não queria entrar
Não basta ter permanecido sempre na casa do pai para participar do banquete; é preciso saber perdoar. Não basta nada ter feito de reprovável; é necessário também esperar e desejar a vinda daquele que se afastara de casa. Não basta ter observado as leis da Igreja e do Estado, ter trabalhado sempre por um mundo mais justo; não basta tão-pouco que os países ricos peçam justamente perdão às populações subdesenvolvidas, por terem-nas, talvez inconscientemente, explorado. Devemos ser capazes de perdoar a quem caiu. Nós, ao contrário, expulsamos de casa a filha que se comportou mal, guardamos rancor contra o filho que se casou contra a nossa vontade, alimentamos nossa aversão pelo marido que gasta no bar o que ganha etc. Consideramo-nos justos, queremos sê-lo, mas talvez invejemos os que erram e nos aborreçamos por ficar sempre em casa. E quando percebemos que o Pai está do lado daquele que caiu, que o tem sempre no coração, que o espera e, quando volta, prepara-lhe uma festa, parece-nos que isto é demais; onde está a justiça do Pai? Então ficamos com raiva e não queremos participar do banquete, do qual, aliás, já nos havíamos excluído. A Igreja não é a comunidade dos que não erram, dos que não caem, mas dos pecadores que querem voltar ao Pai, sem pretensões; a comunidade dos que compreendem o outro e, se este cai, o ajudam a retomar o caminho juntos.
Assembleia eucarística, lugar do perdão
Uma concepção demasiadamente parcial do encontro homem-Deus levou-nos a restringir indevidamente o lugar do perdão cristão unicamente ao sacramento da penitência. Entretanto, toda a vez que há uma comunidade reunida e uma troca de perdão entre nós, homens, isto é sacramento do perdão de Deus no confronto de todos nós. De facto, não podemos dirigir-nos ao Pai a fim de que nos perdoe, enquanto mantemos entre nós animosidade, inveja, ódio. A assembleia eucarística, particularmente, é lugar do perdão do Pai. Eucaristia é acção de graças ao Pai na oferta do sacrifício do Filho. Mas essa oferta tornar-se-ia inútil se não fosse, ao mesmo tempo, oferta, em sacrifício, de toda a comunidade inserida no único sacrifício do Cristo. É, porém, exigência fundamental e condição absoluta o perdão mútuo entre os irmãos (cf Mt 5,23-24).
Todo o rancor, o mau humor, a crítica, a fraude devem ser eliminados. Entre marido e mulher, comerciante e freguês, companheiros de trabalho, pároco e coadjutor. Não se pode ir ao encontro do Pai comum se não se está disposto a isto.



LEITURA I – Jos 5, 9a.10-12

Tendo entrado na terra prometida, o povo de Deus celebra a Páscoa

Mais um passo na história da salvação nos é apresentado na primeira leitura deste Quarto Domingo: depois da travessia do deserto, guiado por Moisés (domingo anterior), o povo de Deus entra na Terra Prometida e celebra a Páscoa. É também esta a perspectiva do tempo litúrgico em que nós entrámos: depois dos 40 dias do deserto quaresmal, celebraremos o mistério da Páscoa, na Terra Santa da Igreja de Cristo. O maná, a comida do deserto, cessou de cair, quando o povo de Deus chegou à Terra Prometida, e lá pôde, finalmente, alimentar-se dos frutos daquela nova Terra. Também a Igreja, depois do jejum da Quaresma, comerá da Ceia do Senhor, na Eucaristia da Páscoa. Não se trata apenas de uma comparação, mas de um mistério que todos os anos se renova no meio de nós.

Leitura do Livro de Josué
“Naqueles dias, disse o Senhor a Josué: «Hoje tirei de vós o opróbrio do Egipto». Os filhos de Israel acamparam em Gálgala e celebraram a Páscoa, no dia catorze do mês, à tarde, na planície de Jericó. No dia seguinte à Páscoa, comeram dos frutos da terra: pães ázimos e espigas assadas nesse mesmo dia. Quando começaram a comer dos frutos da terra, no dia seguinte à Páscoa, cessou o maná. Os filhos de Israel não voltaram a ter o maná, mas, naquele ano, já se alimentaram dos frutos da terra de Canaã.”
Palavra do Senhor

LEITURA II – 2 Cor 5, 17-21

Por Cristo, Deus reconciliou-nos consigo

A Páscoa celebra o mistério da aliança que Deus fez com os homens, e, porque o homem é pecador, esse mistério é também de reconciliação. Pelo sacrifício de Jesus Cristo, todos os homens são tornados nova criação, uma vez que são reconciliados com Deus, que é o Criador de todas as coisas. Este mistério de reconciliação, realizado, de uma vez para sempre, por Cristo, é-nos agora acessível através da Igreja. A nós pertence, pois, aceitá-lo e deixar-nos reconciliar, cada um de nós, com Deus, por Cristo, por meio da Igreja. O Sacramento da Penitência é o sinal sagrado desta reconciliação. Por meio dele seremos, na Páscoa, novas criaturas.

Leitura da Segunda Epístola do apóstolo S. Paulo aos Coríntios
“Irmãos: Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. As coisas antigas passaram; tudo foi renovado. Tudo isto vem de Deus, que por Cristo nos reconciliou consigo e nos confiou o ministério da reconciliação. Na verdade, é Deus que em Cristo reconcilia o mundo consigo, não levando em conta as faltas dos homens e confiando-nos a palavra da reconciliação. Nós somos, portanto, embaixadores de Cristo; é Deus quem vos exorta por nosso intermédio. Nós vos pedimos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus. A Cristo, que não conhecera o pecado, Deus identificou-O com o pecado por causa de nós, para que em Cristo nos tornemos justiça de Deus.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Lc 15, 1-3.11-32

Este teu irmão estava morto e voltou à vida

Na parábola do filho pródigo está expresso todo o itinerário do pecador, que, pela penitência, regressa à comunhão com Deus. Da morte à vida; é precisamente este o movimento de todo o Mistério Pascal. A parábola põe em relevo sobretudo o amor, paciente e sempre acolhedor, do Pai, de Deus nosso Pai. Por isso, a esta parábola melhor se poderia chamar a parábola do Pai misericordioso.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Naquele tempo, os publicanos e os pecadores aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem. Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este homem acolhe os pecadores e come com eles». Jesus disse-lhes então a seguinte parábola: «Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me toca’. O pai repartiu os bens pelos filhos. Alguns dias depois, o filho mais novo, juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante e por lá esbanjou quanto possuía, numa vida dissoluta. Tendo gasto tudo, houve uma grande fome naquela região e ele começou a passar privações. Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra, que o mandou para os seus campos guardar porcos. Bem desejava ele matar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. Então, caindo em si, disse: ‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho, mas trata-me como um dos teus trabalhadores’. Pôs-se a caminho e foi ter com o pai. Ainda ele estava longe, quando o pai o viu: encheu-se de compaixão e correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. Disse-lhe o filho: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos, porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’. E começou a festa. Ora o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. O servo respondeu-lhe: ‘O teu irmão voltou e teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque ele chegou são e salvo’. Ele ficou ressentido e não queria entrar. Então o pai veio cá fora instar com ele. Mas ele respondeu ao pai: ‘Há tantos anos que eu te sirvo, sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos. E agora, quando chegou esse teu filho, que consumiu os teus bens com mulheres de má vida, mataste-lhe o vitelo gordo’. Disse-lhe o pai: ‘Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’».”
Palavra da Salvação