sábado, 30 de julho de 2016

A DESORDEM DAS COBIÇAS




O QUE PREPARASTE, PARA QUEM SERÁ?

DOMINGO XVIII DO TEMPO COMUM

[CATECISMO]

A DESORDEM DAS COBIÇAS [2535-2540, 2547, 2728]

2535 O apetite sensível leva-nos a desejar as coisas agradáveis que não possuímos. Exemplo disso é desejar comer quando se tem fome ou aquecer-se quando se tem frio. Estes desejos são bons em si mesmos; muitas vezes, porém, não respeitam os limites da razão e levam a cobiçar injustamente o que não é nosso e que pertence, ou é devido, a outrem.

2536 O décimo mandamento condena a avidez e o desejo duma apropriação desmesurada dos bens terrenos; e proíbe a cupidez desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e do seu poder. Interdita também o desejo de cometer uma injustiça pela qual se prejudicaria o próximo nos seus bens temporais:
«Quando a Lei nos diz: “Não cobiçarás”, diz-nos, por outras palavras, que afastemos os nossos desejos de tudo o que não nos pertence. Porque a sede da cobiça dos bens alheios é imensa, infindável e insaciável, conforme ao que está escrito: “O avarento nunca se fartará de dinheiro” (Sir 5, 9)».

2537 Não é violar este mandamento desejar obter coisas que pertencem ao próximo, desde que seja por meios legítimos. A catequese tradicional menciona, com realismo, «os que têm que lutar mais contra as suas cobiças criminosas» e que, portanto, precisam de ser «exortados com mais insistência a observarem este preceito»:
«São […] os comerciantes que desejam a falta ou carestia das coisas, que vêem com pena não serem eles os únicos a comprar e a vender, o que lhes permitiria vender mais caro e comprar mais barato; os que desejam ver o seu semelhante na miséria, para obterem maiores lucros, quer vendendo quer comprando […]. Os médicos, que desejam que haja doentes; os advogados, que reclamam causas e processos importantes e numerosos...».

2538 O décimo mandamento exige que seja banida a inveja do coração humano. Quando o profeta Natan quis estimular o arrependimento do rei David, contou-lhe a história do pobre que só possuía uma ovelha, tratada como se fosse uma filha, e do rico que, apesar dos seus numerosos rebanhos, tinha inveja dele e acabou por lhe roubar a ovelha. A inveja pode levar aos piores crimes. «Foi pela inveja do demónio que a morte entrou no mundo» (Sb 2, 24).
«Combatemo-nos uns aos outros e é a inveja que nos arma uns contra os outros […]. Se todos se encarniçam assim a abalar o corpo de Cristo, onde chegaremos nós? Estamos a extenuar o corpo de Cristo. […] Declaramo-nos membros dum mesmo organismo e devoramo-nos como feras».

2539 A inveja é um vício capital. Designa a tristeza que se sente perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele, mesmo indevidamente. Se desejar ao próximo um mal grave, é pecado mortal:
Santo Agostinho via na inveja «o pecado diabólico por excelência». «Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pelo mal do próximo e o desgosto causado pela sua prosperidade».

2540 A inveja representa uma das formas da tristeza e, portanto, uma recusa da caridade; o baptizado lutará contra ela, opondo-lhe a benevolência. Muitas vezes, a inveja nasce do orgulho; o baptizado exercitar-se-á a viver na humildade:
«Quereríeis ver Deus glorificado por vós? Pois bem, alegrai-vos com os progressos do vosso irmão e, assim, será por vós que Deus é glorificado. Deus será louvado, dir-se-á, pelo facto de o seu servo ter sabido vencer a inveja, pondo a sua alegria nos méritos dos outros».

2547 O Senhor lamenta-Se dos ricos, porque eles encontram a sua consolação na abundância de bens. «O orgulhoso procura o poder terreno, ao passo que o pobre em espírito procura o Reino dos céus». O abandono à providência do Pai do céu liberta da preocupação pelo amanhã. A confiança em Deus dispõe para a bem-aventurança dos pobres. Eles verão a Deus.

2728 Finalmente, o nosso combate tem de enfrentar aquilo que sentimos como sendo os nossos fracassos na oração: desânimo na aridez, tristeza por não dar tudo ao Senhor, porque temos «muitos bens», decepção por não sermos atendidos segundo a nossa própria vontade, o nosso orgulho ferido que se endurece perante a nossa indignidade de pecadores, alergia à gratuitidade da oração, etc.. A conclusão é sempre a mesma: de que serve orar? Para vencer tais obstáculos, é preciso combater com humildade, confiança e perseverança.

[LITURGIA DA PALAVRA]

LEITURA I – Co (Ecle) 1, 2; 2, 21-23

Que aproveita ao homem todo o seu trabalho?

Um sábio do povo de Deus do Antigo Testamento fez, como toda a gente, a experiência da vida; e tem sobre ela uma reflexão, talvez um pouco parecida com a que Jesus faz no Evangelho. Simplesmente, a reflexão do sábio de Israel não conseguiu chegar a descobrir o verdadeiro sentido da vida humana que Jesus veio enfim revelar. Sem a luz da revelação trazida por Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, os outros homens, por mais homens que sejam, ficam a meio do caminho, com as suas desilusões!

Leitura do Livro de Coelet (Eclesiastes)
“Vaidade das vaidades – diz Coelet – vaidade das vaidades: tudo é vaidade. Quem trabalhou com sabedoria, ciência e êxito, tem de deixar tudo a outro que nada fez. Também isto é vaidade e grande desgraça. Mas então, que aproveita ao homem todo o seu trabalho e a ânsia com que se afadigou debaixo do sol? Na verdade, todos os seus dias são cheios de dores e os seus trabalhos cheios de cuidados e preocupações; e nem de noite o seu coração descansa. Também isto é vaidade.”
Palavra do Senhor

LEITURA II – Col 3, 1-5.9-11

Aspirai às coisas do alto, onde está Cristo

O cristão é o homem pascal, aquele que, pela fé e pelo baptismo, sacramento da fé, passou com Cristo da morte à vida, deste mundo para o Pai. E como tal há-de viver, mesmo ainda na terra. Renovados por esta novidade pascal, fruto da Páscoa do Senhor, os baptizados são como uma nova criação, vivendo todos da mesma vida, a vida de Cristo que a todos torna participantes do mesmo Corpo de Cristo.

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
“Irmãos: Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, também vós vos manifestareis com Ele na glória. Portanto, fazei morrer o que em vós é terreno: imoralidade, impureza, paixões, maus desejos e avareza, que é uma idolatria. Não mintais uns aos outros, vós que vos despojastes do homem velho com as suas acções e vos revestistes do homem novo, que, para alcançar a verdadeira ciência, se vai renovando à imagem do seu Criador. Aí não há grego ou judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro ou cita, escravo ou livre; o que há é Cristo, que é tudo e está em todos.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Lc 12, 13-21

O que preparaste, para quem será?

Jesus não olha para o mundo e a vida com a amargura do sábio de Israel (primeira leitura). Mas, através de uma meditação austera, faz-nos compreender que não é no espírito de ganância, pelo qual todos, ricos e pobres, somos tantas vezes levados, que está o verdadeiro sentido da vida, mas em cada um “se tornar rico aos olhos de Deus.”

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Naquele tempo, alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: «Mestre, diz a meu irmão que reparta a herança comigo». Jesus respondeu-lhe: «Amigo, quem Me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?». Depois disse aos presentes: «Vede bem, guardai-vos de toda a avareza: a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens». E disse-lhes esta parábola: «O campo dum homem rico tinha produzido excelente colheita. Ele pensou consigo: ‘Que hei-de fazer, pois não tenho onde guardar a minha colheita? Vou fazer assim: Deitarei abaixo os meus celeiros para construir outros maiores, onde guardarei todo o meu trigo e os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Minha alma, tens muitos bens em depósito para longos anos. Descansa, come, bebe, regala-te’. Mas Deus respondeu-lhe: ‘Insensato! Esta noite terás de entregar a tua alma. O que preparaste, para quem será?’. Assim acontece a quem acumula para si, em vez de se tornar rico aos olhos de Deus».”
Palavra da Salvação



sábado, 23 de julho de 2016

“PEDI E DAR-SE-VOS-Á”




DOMINGO XVII DO TEMPO COMUM

[CATECISMO]

DIRIGIR-SE A DEUS COM PERSEVERANÇA E CONFIANÇA FILIAL [2609-2610, 2613, 2777-2785]

2609 O coração, assim decidido a converter-se, aprende a orar na fé. A fé é uma adesão filial a Deus, para além de tudo quanto sentimos e compreendemos. Tornou-se possível, porque o Filho bem-amado nos franqueia o acesso até junto do Pai. Ele pode pedir-nos que «procuremos» e «batamos à porta», porque Ele próprio é a porta e o caminho.

2610 Do mesmo modo que Jesus ora ao Pai e Lhe dá graças antes de receber os seus dons, assim também nos ensina esta audácia filial: «tudo o que pedirdes na oração, acreditai que já o alcançastes» (Mc 11, 24). Tal é a força da oração: «tudo é possível a quem crê» (Mc 9, 23), com uma fé que não hesita. Assim como Jesus Se entristece por causa da «falta de fé» dos seus conterrâneos (Mc 6, 6) e da «pouca fé» dos seus discípulos, também Se enche de admiração perante a «grande fé» do centurião romano e da cananeia.
2613 São Lucas transmite-nos três parábolas principais sobre a oração. A primeira, a do «amigo importuno», convida-nos a uma oração persistente: «Batei, e a porta abrir-se-vosá». Àquele que assim ora, o Pai celeste «dará tudo quanto necessitar» e dará, sobretudo, o Espírito Santo, que encerra todos os dons. A segunda, a da «viúva importuna», está centrada numa das qualidades da oração: é preciso orar sem se cansar, com a paciência da fé. «Mas o Filho do Homem, quando voltar, achará porventura fé sobre a terra?». A terceira, a do «fariseu e do publicano», diz respeito à humildade do coração orante. «Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador». A Igreja não cessa de fazer sua esta oração: «Kyrie, eleison!».
2777 Na liturgia romana, a assembleia eucarística é convidada a orar ao nosso Pai com ousadia filial. As liturgias orientais utilizam e desenvolvem expressões análogas: «Ousar com toda a segurança», «tornai-nos dignos de». Diante da sarça ardente foi dito a Moisés: «Não te aproximes. Descalça as sandálias» (Ex 3, 5). Este umbral da santidade divina, só Jesus o podia franquear, Ele que, «tendo realizado a purificação dos pecados» (Heb 1, 3), nos introduz perante a face do Pai: «Eis-me, a mim e aos filhos que Deus Me deu!» (Heb 2, 13):
«A consciência que temos da nossa situação de escravos far-nos-ia sumir sob o chão, a nossa condição terrena dissolver-se-ia em pó, se a autoridade do próprio Pai e o Espírito do Seu Filho não nos levasse a soltar este grito: “Abbá, Pai!” (Rm 8, 15) [...]. Quando é que a fraqueza dum mortal se atreveria a chamar a Deus seu Pai, senão somente quando o íntimo do homem é animado pelo poder do alto?».
2778 Este poder do Espírito que nos introduz na oração do Senhor é expresso, nas liturgias do Oriente e do Ocidente, pela bela expressão tipicamente cristã: «parrésia», simplicidade sem desvio, confiança filial, segurança alegre, ousadia humilde, certeza de ser amado.
2779 Antes de fazermos nosso este primeiro impulso da oração do Senhor, convém purificar humildemente o nosso coração de certas falsas imagens «deste mundo». A humildade faznos reconhecer que «ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho Se dignar revelaLo», quer dizer «os pequeninos» (Mt 11, 25-27). A purificação do coração refere-se às imagens paternas ou maternas provenientes da nossa história pessoal e cultural, que influenciam o nosso relacionamento com Deus. É que Deus, nosso Pai, transcende as categorias do mundo criado. Transpor para Ele ou contra Ele, as nossas ideias neste domínio, seria fabricar ídolos, a adorar ou a derrubar. Orar ao Pai é entrar no seu mistério, tal como Ele é e tal como o Filho no-Lo revelou:
«A expressão Deus Pai nunca tinha sido revelada a ninguém. Quando o próprio Moisés perguntou a Deus quem era, ouviu um nome diferente. A nós, este nome foi revelado no Filho; porque este nome (de Filho) implica o nome de Pai».
2780 Nós podemos invocar Deus como «Pai», porque Ele nos foi revelado pelo seu Filho feito homem e porque o seu Espírito no-Lo faz conhecer. A relação pessoal do Filho com o Pai, que o homem não pode conceber nem os poderes angélicos podem entrever, eis que o Espírito do Filho nos faz participar dela, a nós que cremos que Jesus é o Cristo e que nascemos de Deus.
2781 Quando oramos ao Pai, estamos em comunhão com Ele e com o seu Filho Jesus Cristo. É então que O reconhecemos num encantamento sempre novo. A primeira palavra da oração do Senhor é uma bênção de adoração, antes de ser uma súplica. Porque a glória de Deus é que nós O reconheçamos como «Pai», Deus verdadeiro. Damos-Lhe graças por nos ter revelado o seu nome, por nos ter dado a graça de acreditar n’Ele, de sermos habitados pela sua presença.
2782 Nós podemos adorar o Pai porque Ele nos fez renascer para a sua vida adoptando-nos por seus filhos no seu Filho Único: pelo Baptismo, incorpora-nos no corpo do seu Cristo; e pela Unção do seu Espírito, que da Cabeça se derrama pelos membros, faz de nós «cristos»:
«Deus, que nos predestinou para a adopção de filhos, tornou-nos conformes ao corpo glorioso de Cristo. Doravante, pois, participantes de Cristo, sois com todo o direito chamados “cristos”».
«O homem novo, que renasceu e foi restituído ao seu Deus pela graça, começa por dizer, “Pai!”, porque se tornou filho».
2783 Deste modo, pela oração do Senhor, nós somos revelados a nós próprios, ao mesmo tempo que nos é revelado o Pai:
«Ó homem, tu não ousavas levantar o teu rosto para o céu, baixavas os teus olhos para a terra, e de repente recebeste a graça de Cristo: todos os pecados te foram perdoados, de mau servo tornaste-te bom filho [...]. Portanto, ergue os olhos para o Pai que te resgatou pelo seu Filho e diz: Pai nosso [...]. Mas não reivindiques para ti algo de especial. Só de Cristo é que Ele é Pai de modo especial, de todos nós é Pai em comum; porque só a Ele gerou, ao passo que a nós, criou-nos. Portanto, por graça, diz também tu “Pai nosso”, para mereceres ser filho».
2784 Este dom gratuito da adopção exige da nossa parte uma conversão contínua e uma vida nova. Orar ao nosso Pai deve desenvolver em nós duas disposições fundamentais:
O desejo e a vontade de nos parecermos com Ele. Criados à sua imagem, é pela graça que a semelhança nos é restituída e a ela devemos corresponder.
«Devemos lembrar-nos de que, quando chamamos a Deus «Pai nosso», temos de nos comportar como filhos de Deus».
«Vós não podeis chamar vosso Pai ao Deus de toda a bondade se conservardes um coração cruel e desumano; porque, nesse caso, já não tendes a marca da bondade do Pai celeste».
«Devemos contemplar incessantemente a beleza do Pai e impregnar dela a nossa alma».
2785 Um coração humilde e confiante que nos faça «voltar ao estado de crianças» (Mt 18, 3): porque é aos «pequeninos» que o Pai Se revela (Mt 11, 25):
É um estado «que se forma contemplando a Deus somente, com o ardor da caridade. Nele, a alma funde-se e abisma-se em santa dilecção e trata com Deus como com o seu próprio Pai, muito familiarmente, numa ternura de piedade muito particular».
«Pai nosso: este nome suscita em nós ao mesmo tempo o amor, o afecto na oração, [...] e também a esperança de obter o que vamos pedir [...]. De facto, que pode Ele recusar à súplica dos seus filhos, quando já previamente lhes permitiu que fossem filhos seus?».

[LITURGIA DA PALAVRA]

LEITURA I – Gen 18, 20-32

Se o meu Senhor não levar a mal, falarei

Abraão era um homem profundamente solidário com aqueles que viviam a seu lado. Não se valeu da sua condição de justo para desprezar os que não o eram. Procurou antes obter de Deus o perdão para aqueles que mereciam per castigados. Alguém, por isso, lhe chamou “cristão antes de Cristo”. Mas maior do que a fé de Abraão é a santidade e a misericórdia de Deus, que, não suportando o pecado dos homens, está sempre pronto a ouvi-los e a perdoar-lhes, sempre que estes saibam voltar-se para Ele.

Leitura do Livro do Génesis
“Naqueles dias, disse o Senhor: «O clamor contra Sodoma e Gomorra é tão forte, o seu pecado é tão grave que Eu vou descer para verificar se o clamor que chegou até Mim corresponde inteiramente às suas obras. Se sim ou não, hei-de sabê-lo». Os homens que tinham vindo à residência de Abraão dirigiram-se então para Sodoma, enquanto o Senhor continuava junto de Abraão. Este aproximou-se e disse: «Irás destruir o justo com o pecador? Talvez haja cinquenta justos na cidade. Matá-los-ás a todos? Não perdoarás a essa cidade, por causa dos cinquenta justos que nela residem? Longe de Ti fazer tal coisa: dar a morte ao justo e ao pecador, de modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte! Longe de Ti! O juiz de toda a terra não fará justiça?». O Senhor respondeu-lhe: «Se encontrar em Sodoma cinquenta justos, perdoarei a toda a cidade por causa deles». Abraão insistiu: «Atrevo-me a falar ao meu Senhor, eu que não passo de pó e cinza: talvez para cinquenta justos faltem cinco. Por causa de cinco, destruirás toda a cidade?». O Senhor respondeu: «Não a destruirei se lá encontrar quarenta e cinco justos». Abraão insistiu mais uma vez: «Talvez não se encontrem nela mais de quarenta». O Senhor respondeu: «Não a destruirei em atenção a esses quarenta». Abraão disse ainda: «Se o meu Senhor não levar a mal, falarei mais uma vez: talvez haja lá trinta justos». O Senhor respondeu: «Não farei a destruição, se lá encontrar esses trinta». Abraão insistiu novamente: «Atrevo-me ainda a falar ao meu Senhor: talvez não se encontrem lá mais de vinte justos». O Senhor respondeu: «Não destruirei a cidade em atenção a esses vinte». Abraão prosseguiu: «Se o meu Senhor não levar a mal, falarei ainda esta vez: talvez lá não se encontrem senão dez». O Senhor respondeu: «Em atenção a esses dez, não destruirei a cidade».”
Palavra do Senhor

LEITURA II – Col 2, 12-14

Deus fez que, unidos a Cristo, voltásseis à vida e perdoou todas as faltas

No baptismo, os cristãos são associados à morte e à ressurreição de Cristo; por isso, nenhum poder do mal triunfará deles, se guardarem sempre a sua condição de baptizados e, como tais, chamados à santidade. Foi para nos tornar participantes da santidade de Deus, que o Senhor Jesus Cristo Se entregou à morte sobre a cruz e nos libertou da morte eterna.

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
“Irmãos: Sepultados com Cristo no baptismo, também com Ele fostes ressuscitados pela fé que tivestes no poder de Deus que O ressuscitou dos mortos. Quando estáveis mortos nos vossos pecados e na incircuncisão da vossa carne, Deus fez que voltásseis à vida com Cristo e perdoou-nos todas as nossas faltas. Anulou o documento da nossa dívida, com as suas disposições contra nós; suprimiu-o, cravando-o na cruz.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Lc 11, 1-13

Pedi e dar-se-vos-á

Jesus dá vários ensinamentos aos discípulos sobre a oração: ensina-lhes o “Pai-Nosso”, que é o modelo de toda a oração; convida-os a implorar de Deus, com persistência, o auxílio para as suas necessidades; exorta-os a dirigirem-se ao Pai com toda a confiança.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Naquele tempo, estava Jesus em oração em certo lugar. Ao terminar, disse-Lhe um dos discípulos: «Senhor, ensina-nos a orar, como João Baptista ensinou também os seus discípulos». Disse-lhes Jesus: «Quando orardes, dizei: ‘Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação’». Disse-lhes ainda: «Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e não tenho nada para lhe dar’. Ele poderá responder lá de dentro: ‘Não me incomodes; a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados e não posso levantar-me para te dar os pães’. Eu vos digo: Se ele não se levantar por ser amigo, ao menos, por causa da sua insistência, levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa. Também vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á. Porque quem pede recebe; quem procura encontra e a quem bate à porta, abrir-se-á. Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedem!».”
Palavra da Salvação



sábado, 16 de julho de 2016

MARIA ESCOLHEU A MELHOR PARTE…




DOMINGO XVI DO TEMPO COMUM

[CATECISMO]

A HOSPITALIDADE DE ABRAÃO [2571]

2571 Tendo acreditado em Deus, caminhando na sua presença e em aliança com Ele, o patriarca está pronto para acolher na sua tenda o Hóspede misterioso: é a admirável hospitalidade de Mambré, prelúdio da Anunciação do verdadeiro Filho da promessa. Desde então, tendo-lhe Deus confiado o seu desígnio, o coração de Abraão fica em sintonia com a compaixão do seu Senhor pelos homens e ousa interceder por eles com uma confiança audaciosa.

ACOLHER O ESTRANGEIRO [2241]
2241 As nações mais abastadas devem acolher, tanto quanto possível, o estrangeiro em busca da segurança e dos recursos vitais que não consegue encontrar no seu país de origem. Os poderes públicos devem velar pelo respeito do direito natural que coloca o hóspede sob a protecção daqueles que o recebem. As autoridades políticas podem, em vista do bem comum de que têm a responsabilidade, subordinar o exercício do direito de imigração a diversas condições jurídicas, nomeadamente no respeitante aos deveres que os imigrantes contraem para com o país de adopção. O imigrado tem a obrigação de respeitar com reconhecimento o património material e espiritual do país que o acolheu, de obedecer às suas leis e de contribuir para o seu bem.

A CONTEMPLAÇÃO [709-2719]

2709 O que é a contemplação? Responde Santa Teresa: «Outra coisa não é, a meu parecer, oração mental, senão tratar de amizade – estando muitas vezes tratando a sós – com Quem sabemos que nos ama». A contemplação procura «Aquele que o meu coração ama» (Ct 1, 7), que é Jesus, e n’Ele o Pai. Ele é procurado, porque desejá-Lo é sempre o princípio do amor, e é procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer d’Ele e viver n’Ele. Nesta modalidade de oração pode, ainda, meditar-se; todavia, o olhar vai todo para o Senhor.
2710 A escolha do tempo e duração da contemplação depende duma vontade determinada, reveladora dos segredos do coração. Não se faz contemplação quando se tem tempo; ao invés, arranja-se tempo para estar com o Senhor, com a firme determinação de não Lho retirar durante o caminho, sejam quais forem as provações e a aridez do encontro. Não se pode meditar sempre; mas pode-se entrar sempre em contemplação, independentemente das condições de saúde, trabalho ou afectividade. O coração é o lugar da busca e do encontro, na pobreza e na fé.
2711 A entrada na contemplação é análoga à da liturgia eucarística: «reunir» o coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar na casa do Senhor que nós somos, despertar a fé para entrar na presença d’Aquele que nos espera, fazer cair as nossas máscaras e voltar o nosso coração para o Senhor que nos ama, de modo a entregarmo-nos a Ele como uma oferenda a purificar e transformar.
2712 A contemplação é a oração do filho de Deus, do pecador perdoado que consente em acolher o amor com que é amado e ao qual quer corresponder amando ainda mais. Mas ele sabe que o seu amor de correspondência é o que o Espírito Santo derrama no seu coração, porque tudo é graça da parte de Deus. A contemplação é a entrega humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais profunda com o seu Filho muito amado.
2713 Assim, a contemplação é a expressão mais simples do mistério da oração. É um dom, uma graça; só pode ser acolhida na humildade e na pobreza. É uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo do nosso ser. A contemplação é comunhão: nela, a Santíssima Trindade conforma o homem, imagem de Deus, «à sua semelhança».
2714 A contemplação é, também, por excelência, o tempo forte da oração. Nela, o Pai enche-nos de força, pelo Espírito Santo, para que se fortaleça em nós o homem interior, Cristo habite nos nossos corações pela fé e nós sejamos radicados e alicerçados no amor.
2715 A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. «Eu olho para Ele e Ele olha para mim» – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d’Ars em oração diante do sacrário10. Esta atenção a Ele é renúncia ao «eu». O seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige também o seu olhar para os mistérios da vida de Cristo. E assim aprende «o conhecimento íntimo do Senhor» para mais O amar e seguir.
2716 A contemplação é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, esta escuta é obediência da fé, acolhimento incondicional do servo e adesão amorosa do filho. Participa do «sim» do Filho que se fez Servo e do «faça-se» da sua humilde serva.
2717 A contemplação é silêncio, este «símbolo do mundo que há-de vir» ou «linguagem calada do amor». Na contemplação, as palavras não são discursos, mas acendalhas que alimentam o fogo do amor. É neste silêncio, insuportável ao homem «exterior», que o Pai nos diz o seu Verbo encarnado, sofredor, morto e ressuscitado e que o Espírito filial nos faz participar da oração de Jesus.
2718 A contemplação é união à oração de Cristo na medida em que nos faz participar no seu mistério. O mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia e o Espírito Santo faz-nos viver dele na contemplação, para que seja manifestado pela caridade em acto.
2719 A contemplação é uma comunhão de amor, portadora de vida para a multidão, na medida em que é consentimento em permanecer na noite da fé. A noite pascal da ressurreição passa pela da agonia e do sepulcro. São estes três tempos fortes da «Hora» de Jesus, que o seu Espírito (e não a «carne», que é «fraca») nos faz viver na oração contemplativa. É preciso consentir em velar uma hora com Ele.

PARTICIPAR NOS SOFRIMENTOS DO CORPO DE CRISTO [618, 1508]

618 A cruz é o único sacrifício de Cristo, «mediador único entre Deus e os homens». Mas porque, na sua pessoa divina encarnada, «Ele Se uniu, de certo modo, a cada homem», «a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal, por um modo só de Deus conhecido». Convida os discípulos a «tomarem a sua cruz e a segui-Lo» porque «sofreu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigamos os seus passos». De facto, quer associar ao seu sacrifício redentor aqueles mesmos que são os primeiros beneficiários. Isto realiza-se, em sumo grau, em sua Mãe, associada, mais intimamente do que ninguém, ao mistério do seu sofrimento redentor:
«Fora da cruz, não há outra escada por onde se suba ao céu».
1508 O Espírito Santo confere a alguns o carisma especial de poderem curar para manifestar a força da graça do Ressuscitado. Todavia, nem as orações mais fervorosas obtêm sempre a cura de todas as doenças. Assim, São Paulo deve aprender do Senhor que «a minha graça te basta: pois na fraqueza é que a minha força actua plenamente» (2 Cor 12, 9), e que os sofrimentos a suportar podem ter como sentido que «eu complete na minha carne o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu corpo, que é a Igreja» (Cl 1, 24).

“A ESPERANÇA DA GLÓRIA” NA IGREJA E NOS SEUS SACRAMENTOS [568, 772]

568 A transfiguração de Cristo tem por fim fortalecer a fé dos Apóstolos em vista da paixão: a subida à «alta montanha» prepara a subida ao Calvário. Cristo, cabeça da Igreja, manifesta o que o seu Corpo contém e irradia nos sacramentos: «a esperança da Glória» (Cl 1, 27).
772 É na Igreja que Cristo realiza e revela o seu próprio mistério, como a meta do desígnio de Deus: «recapitular tudo n’Ele» (Ef 1, 10). São Paulo chama «grande mistério» (Ef 5, 32) à união esponsal de Cristo e da Igreja. Porque está unida a Cristo como a seu esposo, a própria Igreja, por seu turno, se torna mistério. E é contemplando nela este mistério, que São Paulo exclama: «Cristo em vós – eis a esperança da glória!» (Cl 1, 27).

[LITURGIA DA PALAVRA]

LEITURA I – Gen 18, 1-10a

Senhor, não passeis sem parar em casa do vosso servo

A hospitalidade de Abraão mereceu-lhe acolher em sua casa o próprio Senhor Deus, e d’Ele ouvir a promessa de um filho, que viria a ser o transmissor das promessas e da aliança de Deus ao seu povo. A hospitalidade de Abraão é, ao mesmo tempo, sinal de caridade, de confiança, de paz. E o Deus da paz respondeu-lhe generosamente.

Leitura do Livro do Génesis
“Naqueles dias, o Senhor apareceu a Abraão junto do carvalho de Mambré. Abraão estava sentado à entrada da sua tenda, no maior calor do dia. Ergueu os olhos e viu três homens de pé diante dele. Logo que os viu, deixou a entrada da tenda e correu ao seu encontro; prostrou-se por terra e disse: «Meu Senhor, se agradei aos vossos olhos, não passeis adiante sem parar em casa do vosso servo. Mandarei vir água, para que possais lavar os pés e descansar debaixo desta árvore. Vou buscar um bocado de pão, para restaurardes as forças antes de continuardes o vosso caminho, pois não foi em vão que passastes diante da casa do vosso servo». Eles responderam: «Faz como disseste». Abraão apressou-se a ir à tenda onde estava Sara e disse-lhe: «Toma depressa três medidas de flor da farinha, amassa-a e coze uns pães no borralho». Abraão correu ao rebanho e escolheu um vitelo tenro e bom e entregou-o a um servo que se apressou a prepará-lo. Trouxe manteiga e leite e o vitelo já pronto e colocou-o diante deles; e, enquanto comiam, ficou de pé junto deles debaixo da árvore. Depois eles disseram-lhe: «Onde está Sara, tua esposa?». Abraão respondeu: «Está ali na tenda». E um deles disse: «Passarei novamente pela tua casa daqui a um ano e então Sara tua esposa terá um filho».”
Palavra do Senhor

LEITURA II – Col 1, 24-28

O mistério oculto ao longo dos séculos e agora manifestado aos seus santos

Apesar de escrever da prisão, o apóstolo exulta de alegria ao ver como Cristo Se torna conhecido entre os pagãos e os leva a penetrarem no mistério divino do qual Cristo é a revelação aos homens. Todos os tempos anteriores a Cristo se encaminhavam para Ele, e agora, depois d’Ele, é à luz de Cristo que tudo pode ser compreendido. Ele próprio é o mistério de Deus revelado aos homens, que assim, de pagãos, se tornam cristãos, discípulos e membros de Cristo.

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
“Irmãos: Agora alegro-me com os sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu corpo que é a Igreja. Dela me tornei ministro, em virtude do cargo que Deus me confiou a vosso respeito, isto é, anunciar-vos em plenitude a palavra de Deus, o mistério que ficou oculto ao longo dos séculos e que foi agora manifestado aos seus santos. Deus quis dar-lhes a conhecer em que consiste, entre os gentios, a glória inestimável deste mistério: Cristo no meio de vós, esperança da glória. E nós O anunciamos, advertindo todos os homens e instruindo-os em toda a sabedoria, a fim de os apresentarmos todos perfeitos em Cristo.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Lc 10, 38-42

Marta recebeu Jesus em sua casa. Maria escolheu a melhor parte

O que Abraão ouviu da boca do estranho peregrino que passava à sua porta, escuta-o agora Marta da boca do próprio Filho de Deus, hóspede na casa das duas irmãs. O Senhor é o mesmo, e as suas repetidas visitas aos homens testemunham que Ele é Aquele que é chamado Fiel, cuja aliança com os homens é eterna, e da qual o testemunho máximo é a Encarnação redentora de seu próprio Filho, Jesus Cristo, nosso Salvador.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Naquele tempo, Jesus entrou em certa povoação e uma mulher chamada Marta recebeu-O em sua casa. Ela tinha uma irmã chamada Maria, que, sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Entretanto, Marta atarefava-se com muito serviço. Interveio então e disse: «Senhor, não Te importas que minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe que venha ajudar-me». O Senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada».”
Palavra da Salvação



sábado, 9 de julho de 2016

QUEM É O MEU PRÓXIMO?




DOMINGO XV DO TEMPO COMUM

[CATECISMO]

O HOMEM É CRIADO À IMAGEM DE DEUS; O PRIMOGÉNITO [356-361, 381]

356 De todas as criaturas visíveis, só o homem é «capaz de conhecer e amar o seu Criador»; é a «única criatura sobre a terra que Deus quis por si mesma»; só ele é chamado a partilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus. Com este fim foi criado, e tal é a razão fundamental da sua dignidade:
«Qual foi a razão de terdes elevado o homem a tão alta dignidade? Foi certamente o incomparável amor com que Vos contemplastes a Vós mesmo na vossa criatura e Vos enamorastes dela; porque foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes um ser capaz de apreciar o vosso bem eterno».
357 Porque é «à imagem de Deus», o indivíduo humano possui a dignidade de pessoa: ele não é somente alguma coisa, mas alguém. É capaz de se conhecer, de se possuir e de livremente se dar e entrar em comunhão com outras pessoas. E é chamado, pela graça, a uma Aliança com o seu Criador, a dar-Lhe uma resposta de fé e amor que mais ninguém pode dar em seu lugar.
358 Deus tudo criou para o homem4, mas o homem foi criado para servir e amar a Deus, e para Lhe oferecer toda a criação:
«Qual é, pois, o ser que vai chegar à existência rodeado de tal consideração? É o homem, grande e admirável figura vivente, mais precioso aos olhos de Deus que toda a criação; é o homem, para quem existem o céu e a terra e o mar e a totalidade da criação, e a cuja salvação Deus deu tanta importância, que, por ele, nem ao seu próprio Filho poupou. Porque Deus não desiste de tudo realizar, para fazer subir o homem até Si e fazê-lo sentar à sua direita».
359 «Na realidade, só no mistério do Verbo Encarnado é que verdadeiramente se esclarece o mistério do homem»:
«São Paulo ensina-nos que dois homens estão na origem do género humano: Adão e Cristo… O primeiro Adão, diz ele, foi criado como um ser humano que recebeu a vida; o segundo é um ser espiritual que dá a vida. O primeiro foi criado pelo segundo, de Quem recebeu a alma que o faz viver… O segundo Adão gravou a sua imagem no primeiro, quando o modelou. Por isso, veio a assumir a sua função e o seu nome, para que não se perdesse aquele que fizera à sua imagem. Primeiro e último Adão: o primeiro teve princípio; o último não terá fim. Por isso é que o último é verdadeiramente o primeiro, como Ele mesmo diz: “Eu sou o Primeiro e o Último”».
360 Graças à comunidade de origem, o género humano forma uma unidade. Deus «fez, a partir de um só homem, todo o género humano» (Act 17, 26):
«Maravilhosa visão, que nos faz contemplar o género humano na unidade da sua origem em Deus […]; na unidade da sua natureza, em todos igualmente integrada dum corpo material e duma alma espiritual; na unidade do seu fim imediato e da sua missão no mundo; na unidade da sua habitação, a terra, de cujos bens todos os homens, por direito natural, podem servir-se para sustentar e desenvolver a vida; na unidade do seu fim sobrenatural, Deus, para o Qual todos devem tender; na unidade dos meios para atingir este fim; … na unidade da Redenção, para todos levada a cabo por Cristo».
361 «Esta lei de solidariedade humana e de caridade», sem excluir a rica variedade das pessoas, das culturas e dos povos, assegura-nos que todos os homens são verdadeiramente irmãos.
381 O homem foi predestinado para reproduzir a imagem do Filho de Deus feito homem – «imagem do Deus invisível» (Cl 1, 15) –, para que Cristo seja o primogénito duma multidão de irmãos e irmãs.

O PRÓXIMO DEVE SER CONSIDERADO COMO “UM OUTRO ELE MESMO [1931-1933]

1931 O respeito pela pessoa humana passa pelo respeito pelo princípio: «Que cada um considere o seu próximo, sem qualquer excepção, como «outro ele mesmo», e zele, antes de mais, pela sua existência e pelos meios que lhe são necessários para viver dignamente». Nenhuma legislação será capaz, por si mesma, de fazer desaparecer os temores, os preconceitos, as atitudes de orgulho e egoísmo que são obstáculo ao estabelecimento de sociedades verdadeiramente fraternas. Tais atitudes só desaparecem com a caridade, que vê em cada homem um «próximo», um irmão.
1932 O dever de nos fazermos o «próximo» do outro, e de o servirmos activamente, é tanto mais premente quanto esse outro for mais indefeso, seja em que domínio for. «Quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Mt 25, 40).
1933 Este mesmo dever é extensivo a todos os que pensam ou se comportam de modo diferente de nós. A doutrina de Cristo chega a exigir o perdão das ofensas. Ele estende o mandamento do amor, que é o da nova Lei, a todos os inimigos. A libertação, no espírito do Evangelho, é incompatível com o ódio ao inimigo, enquanto pessoa; embora não o seja com o ódio ao mal, que ele pode praticar enquanto inimigo.

AS OBRAS DE MISERICÓRDIA CORPORAIS [2447]

2447 As obras de misericórdia são as acções caridosas pelas quais vamos em ajuda do nosso próximo, nas suas necessidades corporais e espirituais. Instruir, aconselhar, consolar, confortar, são obras de misericórdia espirituais, como perdoar e suportar com paciência. As obras de misericórdia corporais consistem nomeadamente em dar de comer a quem tem fome, albergar quem não tem tecto, vestir os nus, visitar os doentes e os presos, sepultar os mortos. Entre estes gestos, a esmola dada aos pobres16 é um dos principais testemunhos da caridade fraterna e também uma prática de justiça que agrada a Deus:
«Quem tem duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma, e quem tem mantimentos, faça o mesmo» (Lc 3, 11). «Dai antes de esmola do que possuis, e tudo para vós ficará limpo» (Lc 11, 41). «Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem do alimento quotidiano, e um de vós lhe disser: “Ide em paz; tratai de vos aquecer e de matar a fome”, mas não lhes der o que é necessário para o corpo, de que lhes aproveitará?» (Tg 2, 15-16).

NA CELEBRAÇÃO DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA, O SACERDOTE É COMO O BOM SAMARITANO [1465]

1465 Ao celebrar o sacramento da Penitência, o sacerdote exerce o ministério do bom Pastor que procura a ovelha perdida; do bom Samaritano que cura as feridas; do Pai que espera pelo filho pródigo e o acolhe no seu regresso; do justo juiz que não faz acepção de pessoas e cujo juízo é, ao mesmo tempo, justo e misericordioso. Em resumo, o sacerdote é sinal e instrumento do amor misericordioso de Deus para com o pecador.

O VERBO E A CRIAÇÃO, VISÍVEL E INVISÍVEL [203, 291, 331, 703]

203 Deus revelou-Se ao seu povo Israel, dando-lhe a conhecer o seu nome. O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e o sentido da sua vida. Deus tem um nome. Não é uma força anónima. Dizer o seu nome é dar-Se a conhecer aos outros; é, de certo modo, entregar-Se a Si próprio, tornando-Se acessível, capaz de ser conhecido mais intimamente e de ser invocado pessoalmente.
291 «No princípio era o Verbo… e o Verbo era Deus… Tudo se fez por meio d’Ele e, sem Ele, nada se fez» (Jo 1, 1-3). O Novo Testamento revela que Deus tudo criou por meio do Verbo eterno, seu Filho muito-amado. Foi n’Ele «que foram criados todos os seres que há nos céus e na terra […]. Tudo foi criado por seu intermédio e para Ele. Ele é anterior a todas as coisas, e todas se mantêm por Ele» (Cl 1, 16-17). A fé da Igreja afirma igualmente a acção criadora do Espírito Santo: Ele é Aquele «que dá a vida», «o Espírito Criador» (Veni, Creator Spiritus), a «Fonte de todo o bem».
331 Cristo é o centro do mundo dos anjos (angélico). Estes pertencem-Lhe: «Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os [seus] anjos…» (Mt 25, 31). PertencemLhe, porque criados por e para Ele: «em vista d’Ele é que foram criados todos os seres, que há nos céus e na terra, os seres visíveis e os invisíveis, os anjos que são os tronos, senhorias, principados e dominações. Tudo foi criado por seu intermédio e para Ele» (Cl. 1, 16). E são d’Ele mais ainda porque Ele os fez mensageiros do seu plano salvador: «Não são eles todos espíritos ao serviço de Deus, enviados a fim de exercerem um ministério a favor daqueles que hão-de herdar a salvação?» (Heb 1, 14).
703 A Palavra de Deus e o seu Sopro estão na origem do ser e da vida de todas as criaturas.
«É próprio do Espírito Santo reinar, santificar e animar a criação, porque Ele é Deus consubstancial ao Pai e ao Filho [...]. Pertence-Lhe o poder sobre a vida, porque, sendo Deus, guarda a criação no Pai pelo Filho.»


[LITURGIA DA PALAVRA]

LEITURA I – Deut 30, 10-14

Esta palavra está perto de ti, para que a possas pôr em prática

Esta leitura prepara-nos para melhor compreendermos a do Evangelho: a palavra de Deus que há-de nortear toda a nossa vida não está longe do nosso alcance. E nós escutamo-la e cumprimo-la na vida concreta do dia a dia. Ela vem aliás ao encontro dos anseios mais profundos do nosso coração. É que é o mesmo Deus que nos fala na palavra e que já nos falou no coração.

Leitura do Livro do Deuteronómio
“Moisés falou ao povo, dizendo: «Escutarás a voz do Senhor teu Deus, cumprindo os seus preceitos e mandamentos que estão escritos no Livro da Lei, e converter-te-ás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma. Este mandamento que hoje te imponho não está acima das tuas forças nem fora do teu alcance. Não está no céu, para que precises de dizer: ‘Quem irá por nós subir ao céu, para no-lo buscar e fazer ouvir, a fim de o pormos em prática?’. Não está para além dos mares, para que precises de dizer: ‘Quem irá por nós transpor os mares, para no-lo buscar e fazer ouvir, a fim de o pormos em prática?’. Esta palavra está perto de ti, está na tua boca e no teu coração, para que a possas pôr em prática».”
Palavra do Senhor

LEITURA II –           Col 1, 15-20

Por Ele e para Ele tudo foi criado

Nesta leitura como que se faz a apresentação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sabemos d’Ele muitas coisas, mas, no fundo, o que é que n’Ele constitui a razão de ser daquilo que Ele é para os cristãos? Cristo é o princípio e o Fim, Aquele por Quem tudo foi criado, e para Quem tudo existe. Para além de tudo aquilo que os olhos exteriormente podem observar está o campo infinito que a fé nos revela. Ele é o Primeiro na ordem da criação e o Primeiro na ordem da ressurreição.

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
“Cristo Jesus é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura; porque n’Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, visíveis e invisíveis, Tronos e Dominações, Principados e Potestades: por Ele e para Ele tudo foi criado. Ele é anterior a todas as coisas e n’Ele tudo subsiste. Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo. Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos; em tudo Ele tem o primeiro lugar. Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Lc 10, 25-37

Quem é o meu próximo?

A parábola do bom samaritano serve a Jesus para explicar ao doutor da lei quem é o próximo e como o amor a Deus e ao próximo são, no fundo, o mesmo e único amor: “o amor de Deus derramado em nossos corações pelo Espírito Santo”. Segundo a explicação dos antigos Padres da Igreja, o homem caído nas mãos dos salteadores é toda a humanidade, e o bom samaritano é a imagem de Jesus, Ele que nos encontrou feridos pelo pecado à beira do caminho aonde desceu, usou de compaixão para connosco, e nos introduziu na estalagem da sua Igreja e assim nos salvou.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Naquele tempo, levantou-se um doutor da lei e perguntou a Jesus para O experimentar: «Mestre, que hei-de fazer para receber como herança a vida eterna?». Jesus disse-lhe: «Que está escrito na Lei? Como lês tu?». Ele respondeu: «Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; e ao próximo como a ti mesmo». Disse-lhe Jesus: «Respondeste bem. Faz isso e viverás». Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: «E quem é o meu próximo?». Jesus, tomando a palavra, disse: «Um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores. Roubaram-lhe tudo o que levava, espancaram-no e foram-se embora, deixando-o meio- morto. Por coincidência, descia pelo mesmo caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante. Do mesmo modo, um levita que vinha por aquele lugar, viu-o e passou também adiante. Mas um samaritano, que ia de viagem, passou junto dele e, ao vê-lo, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas deitando azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirou duas moedas, deu-as ao estalajadeiro e disse: ‘Trata bem dele; e o que gastares a mais eu to pagarei quando voltar’. Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?». O doutor da lei respondeu: «O que teve compaixão dele». Disse-lhe Jesus: Então vai e faz o mesmo».”
Palavra da Salvação



domingo, 3 de julho de 2016

GOSTAR DE SOFRER: MÍSTICA OU DOENÇA

FREI BENTO DOMINGUES O.P.












03/07/2016 - 00:10

Os avanços científicos e técnicos não são promessas de vida eterna.

1. Só acreditas em Deus porque te dá jeito. Recebo muito bem esta velha censura de amigos agnósticos e ateus. Só me faltava acreditar porque via nisso uma desgraça.

O que torna a ideia de Deus inacreditável ou inaceitável para muitas pessoas, já foi expressa de mil maneiras. Em alguns meios, a mais corrente é esta: Deus não pode ser simultaneamente omnisciente, omnipotente e bom. Diante do sofrimento do mundo não sabe, não pode, ou não é tão infinitamente bom como se diz. Há outras razões mais sofisticadas de ateísmo. Não pretendo refutar nenhuma. Haverá sempre razões para dizer sim e razões para dizer não. Quando perguntaram a Einstein se acreditava em Deus, respondeu: primeiro gostaria de saber em que Deus está a pensar ao fazer essa pergunta.

Conheço confissões de fé em Deus que, para mim, são tão perversas que gostaria que não existissem. A Divindade foi e é invocada para fazer guerras e extermínio de populações. Na própria Bíblia há passagens, Livros e Salmos, absolutamente insuportáveis, mas não aconselharia a sua eliminação. Ao dizerem o que não se deveria nunca dizer de nenhum deus, revelam aquilo de que somos capazes: de colocar na boca de Deus os nossos interesses, mesquinhos ou detestáveis.

Por outro lado, quando, perante uma desgraça, natural ou provocada, se diz que é a vontade de Deus, sei que não acredito nessa peça do determinismo. Espero que Deus não tenha tão má vontade.


2. Gostar de sofrer, seja por que motivo for, não me parece uma virtude, mas uma doença. A glorificação do sofrimento tornou-se a marca de certo cristianismo que julga encontrar na cruz de Cristo a sua justificação. A espiritualidade dolorista não tem nada a ver com o Espírito do Evangelho. Não consta que Jesus gostasse de sofrer e muito menos de ser crucificado. Pelo contrário, gostava da vida e apenas queria que ela fosse abundante para todos. Sentou-se à mesa de santos e pecadores sem nunca exaltar o jejum. Por alguma razão, os seus adversários o acusaram de glutão e beberrão [1].

Ao fazer uma cruz na fronte de quem pede o Baptismo, já tenho ouvido esta observação: porque marcam a criança ou o adulto com o sinal da suprema crueldade? Sinto sempre necessidade de esclarecer: Jesus Cristo nunca desejou a cruz. A sua proposta era e é um caminho de alegria, o Evangelho da libertação. Foi assim que se apresentou na sua própria terra natal [2]. Se gostasse de ver as pessoas a sofrer, não se teria comovido com a doença, física e psíquica, com a morte. Não teria exaltado a ética samaritana e denunciado a situação dos oprimidos. A cruz foi-lhe imposta pelos donos da dominação religiosa e política. Preferiu ser crucificado a renegar o seu projecto de libertação divina e humana.


3. Quando me dizem que acredito em Deus porque isso me dá jeito, tenho de dizer que sim. Jesus Cristo não trouxe uma explicação de Deus, do ser humano, do sofrimento ou da morte, mas não se rendeu ao fatalismo. Nada tem de ser sempre assim, pelos séculos dos séculos. Sem ver o resultado final da sua intervenção, Jesus anunciou uma lógica muito original: quem perde, ganha e quem ganha, perde. Gastar a vida a dar alegria aos que precisam, mesmo que seja de um copo de água, é tocar o Reino dos Céus, transformando as relações humanas no que têm de mais exaltantes ou de mais banal.

Os avanços científicos e técnicos não são promessas de vida eterna. Que Deus os abençoe pela vida, pelo alívio e pela esperança que trazem à nossa viagem. Ajudam-nos a vencer a falsa mística do sofrimento.

Escrevo este texto depois do funeral do Frei Luís França. Sofreu muito, sem nunca se render. Cantámos, numa música muito bela, este poema de Frei José Augusto Mourão:

Não pode a morte reter-me na cruz. /Não pode o mundo arrancar-me à raiz./ Ao pé de Deus hei-de sempre viver./ Com Deus cheguei e com Ele vou partir.//Não pode a morte apagar o desejo/ de ver a Deus face a face e viver./ A Deus busquei toda a vida/ vivi de acreditar no infinito da vida.// Não nos reduz o escuro da noite./ Não pode o amor esquecer o que o altera./ Já ouço a voz do Senhor, Deus dos vivos/ já ouço a voz do amigo que vem.// A Ti a vida me toma e transporta./ Teu sangue inunda meu corpo de paz./ Eu vejo as mãos do Senhor glorioso/ nas minhas mãos a memória de Deus.// A Ti Senhor, meus desejos regressam./ Findo o andar, disponíveis as mãos./ Abre meu corpo ao devir que não sei/ eu chamo a esperança pelo nome de Deus.

Ilumina meus olhos da luz do teu Dia, e que um canto de paz me acorde da morte.

 

[1] Lc 7, 33-35
[2] Lc 4, 14-44