“Bem-aventurados os pobres em espírito”
A verdadeira felicidade
As bem-aventuranças são o anúncio da felicidade, porque proclamam a
libertação, e não o conformismo ou a alienação. Elas anunciam a vinda do Reino
através da palavra e acção de Jesus. Estas tornam presente no mundo a justiça
do próprio Deus. Justiça para aqueles que são inúteis ou incómodos para uma
estrutura de sociedade baseada na riqueza exploradora e no poder que oprime. Os
que buscam a justiça do Reino são os “pobres em espírito”. Sufocados no seu
anseio pelos valores que a sociedade injusta rejeita, esses pobres estão
profundamente convictos de que têm necessidade de Deus, pois só com Deus esses
valores podem vigorar, surgindo assim uma nova sociedade. A santidade é uma
meta a ser atingida por todos os cristãos. Ninguém é excluído deste apelo nem
pode eximir-se de dar a sua resposta. Importa, todavia, nutrir um ideal sadio
de santidade, sem se deixar levar por falsas concepções. Ser santo é ser capaz
de se colocar totalmente nas mãos do Pai, contar com ele, sabendo-se dependente
dele. Por outro lado, é colocar-se ao serviço dos semelhantes, fazendo-lhes o
bem, como resposta aos benefícios recebidos do Pai. O enraizamento em Deus
desabrocha em forma de misericórdia para com o próximo. A santidade constrói-se
ao ritmo da entrega da própria vida nas mãos do Pai, explicitada no serviço
gratuito e desinteressado aos demais, deixando de lado os interesses pessoais e
tudo quanto seja incompatível com o projecto de Deus. Este ideal não é
inatingível. Constrói-se nas situações mais simples nas quais a pessoa é
chamada a ser bondosa, a não agir com dolo ou fingimento, a criar canais de
comunicação entre os desavindos, a superar o ódio e a violência, a cultivar o
hábito da partilha fraterna, a ser defensor da justiça. Qualquer cristão, no
seu dia-a-dia, tem a chance de fazer experiências deste género. Se o fizer, com
a graça de Deus, estará a dar passos decisivos no caminho da bem-aventurança.
Mateus, no seu evangelho, apresenta a proclamação das bem-aventuranças como
sendo as primeiras palavras de Jesus dirigidas às multidões, no início de seu
ministério. Estas bem-aventuranças são uma proposta de felicidade a ser
encontrada na união da vontade com Deus a partir das práticas amorosas
acessíveis a todos. Não se trata da prática de virtudes pessoais, ascéticas ou
morais, para um aperfeiçoamento individual. As bem-aventuranças são a
felicidade alcançada por aqueles que entram em comunhão de vida com os irmãos,
particularmente os mais excluídos, num processo solidário e fraterno de
libertação e restauração da dignidade humana. As bem-aventuranças não têm o
mesmo carácter que os mandamentos. Elas são um convite e uma proposta de vida
nova, na prática da justiça que conduz à paz. Todos são chamados à prática das
bem-aventuranças, sem elitismos ou exclusões, particularmente os mais simples e
humildes. A primeira bem-aventurança apresenta a pobreza, na forma de desapego
concreto dos bens terrenos, como a característica fundamental do Reino. As duas
bem-aventuranças seguintes apontam para as vítimas da sociedade injusta: os que
choram e os submissos (“mansos”) aos quais o amor de Deus traz a libertação.
Seguem-se quatro bem-aventuranças activas com vista à transformação da
sociedade: a fome e a sede da justiça, que são a vontade de Deus; a
misericórdia, que impulsiona à acção solidária; a pureza do coração, que supera
a pureza ritual e acolhe a todos, e os promotores da paz com vista à construção
de um mundo sem ambição e violência, daqueles que tiram o alimento dos pobres
para transformá-lo em armas de destruição maciça diante da consolidação de um
império mundial. As duas últimas bem-aventuranças retomam o tema da justiça,
exaltando sua grandeza e advertindo sobre a repressão a que estarão sujeitos os
que a buscam. Neste mundo em que a violência é alimentada pela ambição dos
poderosos, a prática das bem-aventuranças aponta para novos rumos com vista à
comunhão fraterna, da solidariedade mundial e da conquista da paz.
LEITURA I – Sof 2, 3;
3, 12-13
“Deixarei
ficar no meio de ti um povo pobre e humilde”
Não
é de todo novidade o que o Senhor nos vai dizer no Evangelho ao proclamar as
bem-aventuranças. Já no Antigo Testamento, como vemos nesta leitura, Deus Se
revela como particularmente amigo dos pobres e humildes, daqueles que para Ele
se voltam, O procuram, não se instalando orgulhosamente na sua
auto-suficiência, porque reconhecem que só no nome de Deus encontram a
salvação.
Leitura do
Livro de Sofonias
“Procurai o
Senhor, vós todos os humildes da terra, que obedeceis aos seus mandamentos.
Procurai a justiça, procurai a humildade; talvez encontreis protecção no dia da
ira do Senhor. Só deixarei ficar no meio de ti um povo pobre e humilde, que
buscará refúgio no nome do Senhor. O resto de Israel não voltará a cometer
injustiças, não tornará a dizer mentiras, nem mais se encontrará na sua boca
uma língua enganadora. Por isso, terão pastagem e repouso, sem ninguém que os
perturbe.”
Palavra do Senhor
LEITURA II – 1 Cor 1, 26-31
“Deus
escolheu o que é fraco aos olhos do mundo”
A
maneira como a Igreja primitiva olhava para si própria, como se pode ver por
esta passagem do Apóstolo, está na mesma linha da apontada na leitura anterior
e da que vai ser proclamada ainda mais claramente no Evangelho: Deus olha
particularmente para os humildes, e, com eles, realiza as maiores e mais
maravilhosas acções; assim neles mais se revela o poder da sua graça.
Leitura da Epístola
do apóstolo São Paulo aos Coríntios
“Irmãos: Vede
quem sois vós, os que Deus chamou: não há muitos sábios, naturalmente falando,
nem muitos influentes, nem muitos bem-nascidos. Mas Deus escolheu o que é louco
aos olhos do mundo para confundir os sábios; escolheu o que é fraco, para
confundir o forte; escolheu o que é vil e desprezível, o que nada vale aos
olhos do mundo, para reduzir a nada aquilo que vale, a fim de que nenhuma
criatura se possa gloriar diante de Deus. É por Ele que vós estais em Cristo
Jesus, o qual Se tornou para nós sabedoria de Deus, justiça, santidade e
redenção. Deste modo, conforme está escrito, «quem se gloria deve gloriar-se no
Senhor».”
Palavra do Senhor
EVANGELHO – Mt 5, 1-12a
“Bem-aventurados os pobres em espírito”
As
“bem-aventuranças” são o princípio do chamado “Sermão da montanha”. Nelas está
resumido todo o espírito do Evangelho, a nova maneira de olhar para o mundo.
Bem-aventurados aqueles que sabem encontrar a felicidade na fé com que olham
para as coisas e para as circunstâncias da vida. Para esses, nada, nem mesmo
aquilo que, visto superficialmente, poderia ser considerado como fonte de
infelicidade, nada os fará infelizes. Mas não serão os olhos da carne, senão
somente os do espírito, iluminados pela palavra de Deus, que poderão alcançar
tão longe.
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
“Naquele
tempo, ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se. Rodearam-n’O os
discípulos e Ele começou a ensiná-los, dizendo: «Bem-aventurados os pobres em
espírito, porque deles é o reino dos Céus. Bem-aventurados os humildes, porque
possuirão a terra. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os
que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os
que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos Céus.
Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos
perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai,
porque é grande nos Céus a vossa recompensa».”
Palavra da Salvação