segunda-feira, 30 de setembro de 2013

COM O PAPA FRANCISCO O TERCEIRO MUNDO ENTROU NO VATICANO



São notórias as muitas inovações que o Papa Francisco, bispo de Roma como gosta de ser chamado, introduziu nos hábitos papais e no estilo de presidir a Igreja na ternura, na compreensão, no diálogo e na compaixão.

Não são poucos os que ficam perplexos, pois estavam habituados ao estilo clássico dos papas, esquecidos de que este estilo é herdado dos imperadores romanos pagãos, desde o nome de “papa” até o manto sobre os ombros (mozetta), todo adornado, símbolo do absoluto poder imperial, prontamente rejeitado por Francisco.

Vale lembrar sempre de novo que o actual Papa vem de fora, da periferia da Igreja central europeia. Vem de outra experiência eclesial, com novos costumes e outra forma de sentir o mundo com suas contradições. Ele, conscientemente, o expressou na sua longa entrevista à revista jesuíta “Civiltà Catolica”: “As Igrejas jovens desenvolvem uma síntese de fé, cultura e vida em devir, e, portanto, diferente da desenvolvida pelas Igrejas mais antigas.” Estas não são marcadas pelo devir mas pela estabilidade e custa-lhes incorporar elementos novos provindos da cultura moderna, secular e democrática.

Aqui, o Papa Francisco enfatiza a diferença. Tem consciência de que vem de outra maneira de ser Igreja, amadurecida no Terceiro Mundo. Este caracteriza-se pelas profundas injustiças sociais, pelo número absurdo de favelas que circundam quase todas as cidades, pelas culturas originárias sempre desprezadas e pela herança da escravidão dos afrodescendentes, submetidos a grandes discriminações. A Igreja entendeu que além da sua missão especificamente religiosa, não pode negar-se a uma missão social urgente: estar do lado dos fracos e oprimidos e empenhar-se pela sua libertação. Nos vários encontros continentais dos bispos latino-americanos e caribenhos (Celam) amadureceu a opção preferencial pelos pobres contra sua pobreza e a evangelização libertadora.

O Papa Francisco vem deste caldo cultural e eclesial. Aqui, tais opções com as suas reflexões teológicas, com as formas de viver a fé em redes de comunidades e com as celebrações que incorporam o estilo popular de rezar a Deus, são coisas evidentes. Mas não o são para os cristãos da velha cristandade europeia, carregada de tradições, teologias, catedrais e um sentimento do mundo impregnado pelo estilo greco-romano-germânico de articular a mensagem cristã. Por vir de uma Igreja que deu centralidade aos pobres, visitou primeiramente os refugiados na ilha de Lampedusa, depois, em Roma, o centro dos jesuítas e em seguida os desempregados da Córsega. Isso é natural nele mas é quase um “escândalo” para os curiais e inédito para os demais cristãos europeus. A opção pelos pobres, reafirmada pelos últimos papas, era só retórica e conceptual. Não havia o encontro com o pobre real e sofredor. Com Francisco dá-se exactamente o contrário: o anúncio é prática afectiva e efectiva.

Talvez estas palavras de Francisco esclareçam o seu modo de viver e de ver a missão da Igreja: “Eu vejo a Igreja como um hospital de campanha após uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem colesterol e glicose altos! É preciso curar as feridas. Depois poder-se-á falar de todo o resto”. “A Igreja – prossegue – por vezes se fechou em pequenas coisas, pequenos preceitos. A coisa mais importante, ao invés, é o primeiro anúncio: ‘Jesus o salvou!’. Portanto, os ministros da Igreja, em primeiro lugar, devem ser ministros de misericórdia e as reformas organizativas e estruturais são secundárias, ou seja, vêm depois porque a primeira reforma deve ser a da atitude. Os ministros do Evangelho devem ser pessoas capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar com elas na noite, de saber dialogar e também entrar na noite delas, na escuridão delas sem se perder. O povo de Deus – conclui – quer pastores e não funcionários ou clérigos de Estado”. No Brasil, falando aos bispos latino-americanos pediu-lhes para fazerem a “revolução da ternura”.

Portanto, a centralidade não é ocupada pela doutrina e pela disciplina, tão dominantes nos últimos tempos, mas pela mensagem de Jesus e pela pessoa humana concreta com buscas e indagações seja ela crente ou não, como o mostrou em diálogo com o não crente e ex-editor do diário romano La Reppubblica, Eugenio Scalfari. São novos ares que sopram das novas igrejas periféricas que arejam toda a Igreja. A primavera de facto está achegar e promissora.



terça-feira, 24 de setembro de 2013

O CRISTIANISMO EM POUCAS PALAVRAS



Há pouca gente, cristãos ou não, que questionam: o que quer efectivamente o cristianismo? Cristo – de onde procede o “cristianismo” –, o que pretendeu quando passou entre nós, há mais de dois mil anos?

A resposta deve, por um momento, esquecer todo o aparato doutrinário criado ao longo da história e ir directamente ao essencial. E este “essencial” deve poder expressar-se de tal modo que o homem da rua possa entendê-lo.

Jesus não começou a anunciar-se a si mesmo ou à Igreja. Anunciou o Reino de Deus, que significa o sonho de uma revolução absoluta que se propõe transformar todas as relações que se encontram deturpadas, no modo pessoal, social, cósmico e, especialmente, com referência a Deus. Este Reino começa quando as pessoas aderem a este anúncio de esperança e assumem a ética do Reino: amor incondicional, a misericórdia, a fraternidade sem fronteiras, a aceitação humilde de Deus vivo como Pai de infinita bondade.

Além de proclamar o Reino de Deus, qual é a intenção original de Jesus? Os apóstolos fizeram esta pergunta directamente a Jesus, usando um subterfúgio linguístico típico naquele tempo: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1). Isto é o mesmo que pedir: "Dá-nos um resumo da tua mensagem, qual é a tua proposta?” Jesus responde com a Oração do Pai Nosso. É a “ipsissima vox Jesu”: a palavra que saiu, sem dúvida, da boca do Jesus histórico.

Nesta oração está o mínimo dos mínimos da mensagem de Jesus: Deus-Abba e o seu reino, o ser humano e as suas necessidades. Mais resumidamente: trata-se do Pai nosso e do pão nosso no arco do sonho do Reino de Deus. Aqui se encontram os dois movimentos: um em direcção ao céu, onde se encontra Deus como Abba, nosso Pai amado e o seu projecto de resgate de toda a criação (o Reino); o outro em direcção à terra, onde se encontra o pão nosso sem o qual não podemos viver. Note-se que não se diz “meu Pai”, mas sim “Pai Nosso”, ou “meu pão”, mas “pão nosso de cada dia.”

Podemos apenas dizer amém, se unirmos os dois pólos: o Pai com o pão. O cristianismo realiza-se nesta dialéctica: anunciar um Deus bom porque é Pai amado que tem um projecto de total libertação e, ao mesmo tempo à luz desta experiência, construir colectivamente o pão como meio de vida para todos.

Sabemos da “tragédia” ocorrida com Jesus. O Reino foi rejeitado e o seu proclamador executado na cruz. Mas Deus tomou partido por Jesus: ressuscitou-O. A ressurreição não é a reanimação de um cadáver mas o surgimento do “novo Adão” (1 Coríntios 15,45). A ressurreição é a realização do sonho do Reino na pessoa de Jesus como antecipação do que vai acontecer com todos e com o universo inteiro.

A execução de Jesus e a sua ressurreição abriram um espaço para que surgisse o movimento de Jesus, as primeiras comunidades a nível familiar e local e, por fim, a Igreja como comunidade de fiéis e comunidade de comunidades.

Leonardo Boff, no seu livro “Cristianismo. Lo mínimo de lo mínimo” faz uma retrospectiva do que significou o cristianismo na história, nos seus momentos de sombras e de luz, até chegar ao dia de hoje com o desafio de encontrar o seu lugar no processo de globalização da humanidade. Este descobre-se vivendo numa Casa Comum, o planeta Terra, agora seriamente ameaçado por uma crise ecológica generalizada que pode pôr em risco o futuro da nossa civilização, até a sobrevivência da espécie humana.

O Cristianismo pode trazer elementos salvadores porque Deus, segundo as Escrituras judaico-cristãs, é “o soberano amante da vida” (Sabedoria 11,24) e não vai permitir que a vida e o mundo, assumidos pelo Verbo, desapareçam da história.