Vale a pena pôr em relevo o encontro, no Vaticano, de dois
homens que têm feito história, tanto na América Latina como no Mundo. Passaram
mais de uma hora conversando de forma directa sobre os grandes temas do mundo e
das relações entre Cuba e os Estados Unidos da América.
Segundo dizem, Raúl Castro lê e ouve tudo o que escreve e
fala o Papa Francisco. Não duvido que quando lê a exortação apostólica Evangelii
Gaudium[1]
encontra nela muitos elementos que coincidem com o pensamento da Revolução
Cubana e dos seus líderes. Todo o capítulo segundo, que trata da dimensão
social, política e económica, assim como o capítulo quarto, acerca da dimensão
social da evangelização, coincidem em muitos aspectos com o pensamento do
presidente Raúl Castro. Vejamos:
Não a uma economia de exclusão [53-54]; Não à nova idolatria
do dinheiro [55-56]; Não a um dinheiro que governa em vez de servir [57-58]; Não
à desigualdade social que gera violência [59-60]; Alguns desafios culturais
[61-67]; Desafios da inculturação da fé [68-70]; Desafios das culturas urbanas
[71-75]; O lugar privilegiado dos pobres no povo de Deus [197-201]; Economia e
distribuição dos rendimentos [202-208]; Cuidar da fragilidade [209-216]; A
unidade prevalece sobre o conflito [226-230]; A realidade é mais importante do
que a ideia [231-233]; O todo é superior à parte [234-237].
Sobre o diálogo
social como contribuição da paz:
O diálogo entre a fé, a razão e as ciências [242-243]; O
diálogo ecuménico [244-246]; As relações com o Judaísmo [247-249]; O diálogo
inter-religioso [250-254]; O diálogo social num contexto de liberdade religiosa
[255-258].
Não vejo nestes pontos elementos de discrepância com a
Revolução Cubana e o pensamento do seu presidente Raúl Castro. Pelo contrário,
o Papa Francisco encontra, neles, promotores do seu pensamento no âmbito social
e no âmbito económico.
Este encontro constituiu um sinal dos tempos. Esta uma
cruzada da história põe em relevo duas coisas: A primeira é que tanto a Igreja
como a Revolução Cubana se encerraram em conceitos ideológicos e doutrinais sem
ter em conta a realidade na sua dimensão humana; a segunda é que a Igreja
voltou-se para o Evangelho e os pobres e que a Revolução se voltou para as
múltiplas expressões do humano. Penso que neste último caso conta muito a
influência de Chávez, grande crente e não menos revolucionário.
Raúl Castro,
apesar dos seus 84 anos, que completará a 3 de Junho próximo, segue activo,
como se o tempo se tivesse esquecido dele. Participa em inúmeros encontros nacionais
e internacionais. Todos se recordarão da sua importante intervenção na cimeira
das Américas, no Panamá. Foi um momento mágico deste encontro. Na cara do
presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e de toda a América Latina e
Caribe deu uma grande lição de história e de humanismo. Vimos e ouvimos um
homem sincero, directo, firme, mas sem ódio, sem rancor e com uma grande
abertura para caminhar junto com outros até um mundo respeitoso dos povos e
amante da justiça e da paz.
O Papa Francisco, com setenta e oito anos, está a
transformar a Igreja da sua maneira de ser e de viver. Fala mais de Evangelho e
dos pobres do que de doutrina e de autoridade eclesiástica. Embora tenha a
Cúria romana para o aconselhar em tudo, sabe ir à periferia para saber mais. Os
seus encontros demorados com Evo Morales, da Bolívia, com Cristina Fernández,
da Argentina, com Rafael Correa, do Equador, com Pepe Mujica, do Uruguai
permitiram compreender melhor as mudanças que estão a acontecer na América
Latina. Os Bispos e os Núncios Apostólicos podem fazer os seus avisos, mas já
não são os únicos.
O comunista Raúl com o
cristão Francisco unem-se para transformar este mundo num território de paz e
de fraternidade. Segundo eles, cada um dos seres humanos, cada um dos povos
do mundo têm direito às suas múltiplas expressões, dando assim a imagem de um
mundo cuja riqueza humana se revela na sua plenitude. Tratou-se de algo inédito
na história da Igreja do século XX e XXI.
O Evangelho e o Comunismo encontram-se num mesmo campo de
batalha para romper com a pobreza, as guerras, a ignorância e promover a
justiça, a solidariedade, a verdade, a compaixão e o respeito fundamental de
cada ser humano.
[1]
Evangelii Gaudium (em latim) ou
Alegria do Evangelho (em português) é a primeira Exortação Apostólica
pós-Sinodal escrita pelo Papa Francisco. Foi publicada no encerramento do Ano
da Fé, no dia 24 de Novembro de 2013. Como a maioria das exortações
apostólicas, foi escrita após uma reunião do Sínodo dos Bispos, neste caso, a
XIII Assembleia Geral Ordinária sobre A
Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã. Abrangendo vários
temas, trata principalmente sobre a evangelização.
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