sábado, 26 de novembro de 2016

Vigiai, para que estejais preparados



DOMINGO I DO ADVENTO

VIGIAI
Deus vem. Na vida humana surge um acontecimento que transtorna tudo, lança por terra todas as nossas seguranças e nossos projectos. Repentinamente Ele aproxima-se de nós e faz parte da nossa história; reconhece-O aquele que tem os olhos abertos, que espera e prepara um mundo novo. O anúncio profético parte de uma realidade decepcionante: um pequeno povo, sem importância para ninguém, será o centro religioso e espiritual de todos os povos. Só pode ser obra de Deus, inspirador, norma e termo do caminho da humanidade. E só aos olhos da fé é possível discernir o desígnio que se vai formando através dos acontecimentos banais, obscuros, pouco significativos; um desígnio que Deus revela como proposta sua para o crescimento e o bem de seus filhos; uma realização cujo acabamento não nos é dado conhecer, mas que um dia certamente se completará.

Ficai preparados
Na expectativa daquele dia é preciso vigiar, ficar preparados, agir com prudência e desapego; mas com empenho, pois no seio da história amadurece o plano de Deus. O tempo que se estende entre a vinda de Cristo e a sua manifestação na glória é reservado à conversão dos homens (At 3,19-21; Rm 11,25; 2Cor 6,2) e ao fortalecimento dos que crêem (Ef 6,13; Rm 8,11), um tempo humano contendo em si o tempo de Deus, permitindo viver já na eternidade. Só a graça de Deus e a conversão nos podem libertar das trevas e introduzir na “luz” da salvação. Por isso, Paulo fala em “acordar”: a noite já passou; ninguém se comporta durante o dia como se estivesse dormindo!
A situação descrita pelo evangelho como insensatez e imprevidência – comer e beber, divertir-se, dormir, disputar todos os desejos da carne – repete-se em nossas comunidades e em cada um de nós, e caracteriza-nos perante o Deus que vem. Trata-se de tomar uma decisão fundamental, que depois encontrará nos diversos momentos a sua expressão concreta: tomar consciência da nossa pobreza, para esperar o Salvador; tomar consciência da responsabilidade que Deus nos confiou, despertando-nos do sono e iluminando-nos com a sua palavra; esperar vigilantes a sua vinda definitiva, quando se cumprirão todas as promessas e nos encontraremos com ele, a quem amamos sem tê-lo visto e no qual pusemos nossa fé (1 Pd 1,8).
A queda de Jerusalém surpreenderá os judeus como o ladrão da parábola surpreendeu o proprietário. Mas só para os negligentes, como eram os contemporâneos de Noé (evangelho), a vinda de Cristo parecer-se-á com a de um ladrão; para os que estiverem “vigilantes” na expectativa dos primeiros sinais do Reino, Cristo virá como um amigo (Ap 3,20-21).

Esperar o Cristo...
O ritmo da vida actual, cada vez mais agitado, as engrenagens de um sistema que pretende planear todos os momentos do homem, mesmo o que há de mais privado, reduzem cada vez mais os limites do imprevisto. Tudo deve ser passado pelo computador, classificado, neutralizado, assegurado. Mas para o cristão, Cristo continua a ser um acontecimento revolucionador: quando irrompe na nossa vida, impõe uma mudança radical que quebra e transforma a rotina quotidiana. Cristo não pode ser programado; deve ser esperado; devemos deixar na nossa vida um espaço para a sua presença. A vigilância cristã permite ler em profundidade os factos para neles descobrir a “vinda” do Senhor. Exige coração suficientemente missionário para ver essa vinda nos encontros com os outros.

Senhor de Paz
O Senhor não vem no meio do ruído, não se encontra na agitação e na confusão. Veio na paz e para a paz. Uma palavra tão usada que se tornou banal: chama-se “paz” a uma espécie de equilíbrio provocado pelo medo; todos falam de paz numa sociedade impregnada de violência e de opressão do homem pelo homem. Hoje, até desaparece a paz mais simples, a da família. Só Cristo pode reunir os homens dispersos pelo egoísmo e fazer de todos um único povo pacifico a caminho do monte de seu Templo.
A hora de Deus chega a nós, porque cada instante da nossa vida contém a eternidade de Deus. É preciso não nos basearmos unicamente na sabedoria humana, e não esperarmos uma intervenção ostensiva da parte de Deus. É no momento actual que é feita a salvação. Toda a opção que se faz no presente, entre a luz e as trevas, é um sinal da vinda do Filho do homem.
A assembleia eucarística é a Igreja em estado de vigilância, que aprende a ler a vinda do Senhor nos acontecimentos e que encontra o Senhor da glória na história da salvação e na dos homens.

LEITURA I – Is 2, 1-5

O Senhor chama todos os povos à paz eterna do reino de Deus

Isaías é o profeta do Advento. Desde este primeiro dia, ele aponta para o monte elevado, no cimo do qual aparece o Templo do Senhor, lugar simbólico do encontro de Deus com o seu povo no reino de Deus, onde reina a paz perpétua. Anunciam-se, assim, desde já, a última vinda do Senhor e as próximas solenidades da manifestação do Filho de Deus no meio dos homens, para onde nos encaminhamos. Qualquer dessas vindas do Senhor há-de congregar os homens na paz.

Leitura do Livro de Isaías
“Visão de Isaías, filho de Amós, acerca de Judá e de Jerusalém: Sucederá, nos dias que hão-de vir, que o monte do templo do Senhor se há-de erguer no cimo das montanhas e se elevará no alto das colinas. Ali afluirão todas as nações e muitos povos acorrerão, dizendo: «Vinde, subamos ao monte do Senhor, ao templo do Deus de Jacob. Ele nos ensinará os seus caminhos e nós andaremos pelas suas veredas. De Sião há-de vir a lei e de Jerusalém a palavra do Senhor». Ele será juiz no meio das nações e árbitro de povos sem número. Converterão as espadas em relhas de arado e as lanças em foices. Não levantará a espada nação contra nação, nem mais se hão-de preparar para a guerra. Vinde, ó casa de Jacob, caminhemos à luz do Senhor.”
Palavra do Senhor

LEITURA II – Rom 13, 11-14

Está perto a salvação

É preciso conservar sempre a consciência de que o Senhor vem, de que a sua vinda está agora mais perto ainda do que no momento em que, pelo baptismo, entramos na comunidade do povo de Deus. Cada ano nos leva mais ao encontro do Senhor que vem. Foram as palavras da segunda parte desta leitura que decidiram S. Agostinho a dar o passo decisivo da sua conversão (Confiss. 8,12).

Leitura da Epístola de São Paulo aos Romanos
“Irmãos: Vós sabeis em que tempo estamos: Chegou a hora de nos levantarmos do sono, porque a salvação está agora mais perto de nós do que quando abraçámos a fé. A noite vai adiantada e o dia está próximo. Abandonemos as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz. Andemos dignamente, como em pleno dia, evitando comezainas e excessos de bebida, as devassidões e libertinagens, as discórdias e ciúmes; não vos preocupeis com a natureza carnal para satisfazer os seus apetites, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Mt 24, 37-44

Vigiai, para que estejais preparados

Com o Advento, começa a organização do ciclo anual das leituras e, de maneira geral, de toda a liturgia. O evangelista donde são tiradas, ao domingo, as leituras, ao longo deste ano, não havendo razões especiais em contrário, é S. Mateus. Sublinha ele de modo muito especial, que Jesus é o Messias, Aquele que realiza em Si tudo o que estava predito a seu respeito no Antigo Testamento. Assim, ele nos aponta hoje aquela atitude fundamental do cristão, sobretudo no Advento, que tanto faltou a muitos dos homens de antes de Cristo: a vigilância, própria de quem está à espera para dar acolhimento.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Como aconteceu nos dias de Noé, assim sucederá na vinda do Filho do homem. Nos dias que precederam o dilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca; e não deram por nada, até que veio o dilúvio, que a todos levou. Assim será também na vinda do Filho do homem. Então, de dois que estiverem no campo, um será tomado e outro deixado; de duas mulheres que estiverem a moer com a mó, uma será tomada e outra deixada. Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Compreendei isto: se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a sua casa. Por isso, estai vós também preparados, porque na hora em que menos pensais, virá o Filho do homem.”
Palavra da Salvação



sábado, 19 de novembro de 2016

Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas




DOMINGO XXXIV DO TEMPO COMUM

Rei, Senhor da paz e da unidade
Cristo é chamado a dirigir o povo de Deus, a ser o seu condutor; a sua realeza é de origem divina e tem o primado sobre tudo, porque nele o Pai pôs a plenitude de todas as coisas. O evangelho de Lucas apresenta a realeza de Jesus narrando a paródia da sua investidura como Rei dos Judeus na cruz, que lembra a outra paródia que se deu no pretório de Pilatos e narrada pelos outros evangelistas. A investidura real de Jesus desenrola-se em torno da cruz, trono improvisado do novo Messias. Para tornar mais evidente essa aproximação, Lucas recorda a inscrição que encabeça a cruz (v. 38), mas sem dizer que se trata de um motivo de condenação (cf Mt 27,37). Assim, a inscrição tem o lugar da palavra de investidura, como a do Pai que investe o seu Filho no baptismo (Lc 3,22). Além disso, Lucas introduz aqui um episódio que se refere a outro lugar (v. 36a; cf Mt 27,48) e lhe acrescenta uma frase (v. 37b) com a qual a multidão espera que Jesus se manifeste como rei; mas ele não quer que sua realeza lhe advenha da fuga à sua sorte, mas sim da sua fidelidade a ela!

Cristo, rei de reconciliação
Como em todas as coisas importantes na lei mosaica, é necessário que a entronização seja reconhecida por duas testemunhas. Mas, enquanto as testemunhas da investidura real da transfiguração são dois entre as principais personagens do Antigo Testamento (Lc 9,28-36) e as testemunhas da ressurreição são também misteriosas (Lc 24,4), as duas testemunhas da entronização no Gólgota são apenas dois vulgares bandidos. Investidura ridícula daquele que só será rei assumindo até ao fim o escárnio!
Lucas coloca, a seguir deste trecho, o episódio dos dois ladrões, como que a indicar que, para Cristo, o modo de exercer a sua realeza sobre todos os homens, inclusive sobre os seus inimigos, é oferecendo-lhes o perdão (v. 34a.39-43). Lucas é muito sensível a esta ideia em toda a narrativa da paixão, mas aqui ela chega ao máximo. Com esse perdão, Cristo apresenta-se como o novo Adão, aquele que pode ajudar a humanidade a reintegrar o paraíso perdido pelo primeiro homem (cf Lc 3,38). É preciso ainda que essa humanidade nova aceite o perdão de Deus e não se volte orgulhosamente sobre si mesma. Cristo chega ao momento da sua vida em que poderá inaugurar uma nova humanidade, libertada das alienações do pecado; oferece ao bom ladrão a participação dela, porque a sua vontade de perdoar não tem limites. O reino de Cristo manifesta-se sobre convertidos.

Cristo, rei de perdão
Os termos Rei e Messias ressoam em torno da cruz em fases zombeteiras e provocantes. Nesta situação, Jesus tem um gesto verdadeiramente régio e assegura ao malfeitor arrependido a entrada no reino do Pai. Também diante dos adversários mais encarniçados, Jesus dirá palavras de perdão: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. Jesus exerce e manifesta a sua realeza não nas afirmações de um poder despótico, mas no serviço de um perdão que busca a reconciliação.
Ele é o primogénito de toda a criatura, e como todas as coisas foram criadas nele, “foi do agrado de Deus reconciliar consigo todas as coisas, por meio dele, estabelecendo a paz no sangue da sua cruz”. Cristo é rei porque, perdoando e morrendo para a remissão dos pecados, cria uma nova unidade entre os homens. Quebrando a corrente do ódio, oferece a possibilidade de um novo futuro.

Um rei que veio para servir
Reconhecendo que Jesus é rei, cremos que, com ele, Deus manifestou plenamente que a realização do homem só se pode dar pela obediência à sua vontade. Não há acção do homem que não esteja sob o juízo de Deus. Não pode haver lugar na historia sem relação com Deus por meio de Jesus.
Na Igreja de Cristo, como em toda comunidade, o ministério (serviço) da autoridade é dado não para a afirmação pessoal, mas em função da unidade e da caridade. Cristo, bom pastor, não veio para ser servido, mas para servir (Mt 20,28; Mc 10,45) e dar a vida pelas ovelhas (Jo 10,11).
Essas afirmações ajudam a evitar as ambiguidades inerentes ao conceito de realeza quando não compreendido no sentido da realeza de Cristo.

LEITURA I – 2 Sam 5, 1-3

Ungiram David como rei de Israel

O rei David, antepassado de Jesus, é uma figura de Cristo, Pastor e Rei. A leitura refere-se à unção de David como rei de Israel. David fez a união de todas as tribos do povo do Antigo Testamento, e recebeu a promessa de que da sua descendência nasceria o Messias, o enviado de Deus. De facto, Jesus, descendente de David, é o verdadeiro Ungido de Deus, como indica o nome de “Cristo”, e é Ele o verdadeiro unificador e pastor, não só das tribos de Israel, mas de todos os homens, por quem Ele deu o Sangue na Cruz, “para trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos”. (Jo 11, 5-2).

Leitura do Segundo Livro de Samuel
“Naqueles dias, todas as tribos de Israel foram ter com David a Hebron e disseram-lhe: «Nós somos dos teus ossos e da tua carne. Já antes, quando Saul era o nosso rei, eras tu quem dirigia as entradas e saídas de Israel. E o Senhor disse-te: ‘Tu apascentarás o meu povo de Israel, tu serás rei de Israel’». Todos os anciãos de Israel foram à presença do rei, a Hebron. O rei David concluiu com eles uma aliança diante do Senhor e eles ungiram David como rei de Israel.”
Palavra do Senhor

LEITURA II – Col 1, 12-20

Transferiu-nos para o reino do seu Filho muito amado

Esta leitura é um verdadeiro hino, possivelmente um cântico da Igreja primitiva, incluído por S. Paulo nesta carta, em honra de Jesus Cristo, conforme a fé com que o povo de Deus sempre O soube contemplar: o “Primogénito de toda a criatura” e o “Primogénito de entre os mortos”, “Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo”, vértice e plenitude de todo o Universo.

Leitura da Epístola de São Paulo aos Colossenses
“Irmãos: Damos graças a Deus Pai, que nos fez dignos de tomar parte na herança dos santos, na luz divina. Ele nos libertou do poder das trevas e nos transferiu para o reino do seu Filho muito amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados. Cristo é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura; Porque n’Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, visíveis e invisíveis, Tronos e Dominações, Principados e Potestades: por Ele e para Ele tudo foi criado. Ele é anterior a todas as coisas e n’Ele tudo subsiste. Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo. Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos; em tudo Ele tem o primeiro lugar. Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Lc 23, 35-43

Lembra-Te de mim, Senhor, quando vieres com a tua realeza

A fé na realeza de Jesus é a que nós confessamos quando chamamos a Jesus Cristo, nosso “Senhor”. Esta “Senhoria” ou realeza de Jesus, reconheceu-a o bom ladrão no meio dos sofrimentos da Cruz, revelou-se claramente na glória da Ressurreição, e esperamo-la nós quando ela se manifestar a todos os homens na última vinda do Senhor, que este Domingo simbolicamente antecipa para alimento da nossa fé e da nossa esperança.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Naquele tempo, os chefes dos judeus zombavam de Jesus, dizendo: «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito». Também os soldados troçavam d’Ele; aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam: «Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo». Por cima d’Ele havia um letreiro: «Este é o Rei dos judeus». Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados insultava-O, dizendo: «Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também». Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o: «Não temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto a nós, fez-se justiça, pois recebemos o castigo das nossas más acções. Mas Ele nada praticou de condenável». E acrescentou: «Jesus, lembra-Te de Mim, quando vieres com a tua realeza». Jesus respondeu-lhe: «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».”
Palavra da Salvação



sábado, 5 de novembro de 2016

“Não é um Deus de mortos, mas de vivos”




DOMINGO XXXII DO TEMPO COMUM

Um sermão revolucionário

O evangelho das bem-aventuranças domina a liturgia da Palavra deste domingo. É a primeira parte do sermão da montanha.
Jesus, subindo ao monte aparece-nos como o Novo Moisés, promulgador da nova Lei (“mas eu digo-vos...!”) no novo Sinai. Proclamando bem-aventurados os pobres e os humildes, Jesus fala a linguagem que Deus já havia usado com o seu povo através dos profetas. Os primeiros a serem chamados são sempre os pequenos, os pobres, os que o mundo despreza, mas que são grandes no reino dos céus.
Este sermão é verdadeiramente uma inversão dos valores tradicionais. Os hebreus cultivavam a convicção de que a prosperidade material, o sucesso eram sinais da bênção de Deus, e a pobreza e a esterilidade, sinais de maldição. Jesus denuncia a ambiguidade de uma representação terrena da bem-aventurança. Agora, os bem-aventurados já não são os ricos deste mundo, os saciados, os favorecidos, mas os que têm fome e choram, os pobres e perseguidos. É a nova lógica, a que Maria, a bem-aventurada por excelência, canta: “Derrubou os poderosos dos seus tronos, elevou os humildes: cumulou de bens os famintos, despediu os ricos de mãos vazias” (Lc 1,52-53).
As nove bem-aventuranças de Mateus resumem-se na primeira: “Bem-aventurados os pobres em espírito” – que o não são por fatalidade, mas por opção de vida. As outras são corolário e explicitação desta. Reconhecer-se pobre, fraco, não é, porém, antes de tudo, condição social, mas uma disposição interior que toca todo o modo de agir, em qualquer situação em que se esteja. A pobreza, por si só, não é um bem nem uma situação de ascese. Mas ser rico significa ter poder, receber honras e ter uma posição superior à dos outros (aqui é que começa o perigo, porque onde há poder, riqueza e superioridade, há, também, e com muita frequência, oprimidos, esmagados, desprezados). E é a estes que cabe o reino dos céus. Jesus põe-se ao lado destes. São os eleitos. Jesus apresenta-se como o mensageiro enviado por Deus para anunciar aos pobres a Boa-nova; a sua solicitude pelos pobres, pelos infelizes, pelos doentes era o sinal da sua missão. Jesus leva aos deserdados não só a segurança de que um dia gozarão o reino de Deus, mas anuncia-lhes que este reino já chegou.
A missão de Jesus estende-se, além dos pobres, a todas as misérias físicas e espirituais; todos atraem a sua compaixão. Inaugurando a era da salvação, Deus concede uma prioridade a todos os que dela têm necessidade mais urgente.
Num mundo como o nosso, terá ainda sentido o sermão da montanha? Que sentido tem pronunciar este texto numa sociedade de consumo, que mede a felicidade e a bem-aventurança segundo as posses, o sucesso e o poder? E no Terceiro Mundo, subdesenvolvido e oprimido, que sentido tem repetir: “Bem-aventurados os pobres... bem-aventurados os perseguidos? Não soará como um ultraje à sua miséria, ou como uma tentativa de acalmar ou abafar “a ira dos pobres”?
No entanto, não podemos anular esta bem-aventurança sem anular o Cristo. De facto, o primeiro pobre é ele, que, sendo rico se fez pobre por nós. Há, pois, nesta bem-aventurança um apelo a seguir Jesus, que não encontrou lugar na hospedaria, que não tinha uma pedra onde recostar a cabeça, que morreu pobre e despojado numa cruz. E o fez para se dar inteiramente aos outros.
A multidão que ouve e segue Jesus não se compõe de escribas, fariseus, levitas, sacerdotes do templo, poderosos guardiões da ordem. É, pelo contrário, uma multidão anónima do povo miúdo, pescadores e pastores, gente explorada e oprimida pelos poderosos...
Um dos momentos fortes da “conversão” a que o Concílio chamou a Igreja é a pobreza. Acaso não será devido a certa riqueza de meios, certo apego ao dinheiro e ao poder, na Igreja, que em muitos cristãos nasce uma sensação de mal-estar? Nas nossas assembleias eucarísticas estão presentes hoje muitas pessoas que dispõem de recursos e de cultura. Eles nunca estarão dispensados de procurar os caminhos da pobreza e de servir seus irmãos indigentes, porque é nos pobres que se encontra, ainda e sempre, aquele que veio para salvar. A missão é servir.

LEITURA I – 2 Mac 7, 1-2.9-14

«O Rei do universo ressuscitar-nos-á para a vida eterna»

A fé na ressurreição é o tema central da terceira e da primeira leitura. Se a consciência da ressurreição levou tempo a nascer no povo do Antigo Testamento, ela é claramente professada, e não só por palavras, mas no testemunho do martírio, pelos sete jovens irmãos e sua mãe, martirizados cerca do ano 68 antes de Cristo pelo rei pagão.

Leitura do Segundo Livro dos Macabeus
“Naqueles dias, foram presos sete irmãos, juntamente com a mãe, e o rei da Síria quis obrigá-los, à força de golpes de azorrague e de nervos de boi, a comer carne de porco proibida pela Lei judaica. Um deles tomou a palavra em nome de todos e falou assim ao rei: «Que pretendes perguntar e saber de nós? Estamos prontos para morrer, antes que violar a lei de nossos pais». Prestes a soltar o último suspiro, o segundo irmão disse: «Tu, malvado, pretendes arrancar-nos a vida presente, mas o Rei do universo ressuscitar-nos-á para a vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis». Depois deste começaram a torturar o terceiro. Intimado a pôr fora a língua, apresentou-a sem demora e estendeu as mãos resolutamente, dizendo com nobre coragem: «Do Céu recebi estes membros e é por causa das suas leis que os desprezo, pois do Céu espero recebê-los de novo». O próprio rei e quantos o acompanhavam estavam admirados com a força de ânimo do jovem, que não fazia nenhum caso das torturas. Depois de executado este último, sujeitaram o quarto ao mesmo suplício. Quando estava para morrer, falou assim: «Vale a pena morrermos às mãos dos homens, quando temos a esperança em Deus de que Ele nos ressuscitará; mas tu, ó rei, não ressuscitarás para a vida».”
Palavra do Senhor

LEITURA II – 2 Tes 2, 16 – 3, 5

O Senhor vos torne firmes em toda a espécie de boas obras e palavras

S. Paulo fez também a experiência do que é sentir-se acabrunhado pelos seus inimigos; mas foi então que ele mais soube apelar para a confiança em Cristo, tanto para si como para os outros.

Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses
“Irmãos: Jesus Cristo, nosso Senhor, e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu, pela sua graça, eterna consolação e feliz esperança, confortem os vossos corações e os tornem firmes em toda a espécie de boas obras e palavras. Entretanto, irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague rapidamente e seja glorificada, como acontece no meio de vós. Orai também, para que sejamos livres dos homens perversos e maus, pois nem todos têm fé. Mas o Senhor é fiel: Ele vos dará firmeza e vos guardará do Maligno. Quanto a vós, confiamos inteiramente no Senhor que cumpris e cumprireis o que vos mandamos. O Senhor dirija os vossos corações, para que amem a Deus e aguardem a Cristo com perseverança.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Lc 20, 27-38

Não é um Deus de mortos, mas de vivos

Jesus afirma claramente o mistério da ressurreição dos mortos, contra certa maneira de pensar em contrário de alguns daqueles com quem falava. A “ressurreição da carne” é, por isso, um dos pontos do Símbolo da fé cristã, o “Credo”.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns saduceus – que negam a ressurreição – e fizeram-lhe a seguinte pergunta: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu irmão’. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos. O segundo e depois o terceiro desposaram a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?». Disse-lhes Jesus: Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Mas aqueles que forem dignos de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento. Na verdade, já não podem morrer, pois são como os Anjos, e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus. E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’. Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».”
Palavra da Salvação