sábado, 25 de março de 2017

O CEGO DE NASCENÇA




4.º Domingo da Quaresma

Cristo, luz para nossas trevas

Como a água, também a luz – com seu oposto, a escuridão – é um dos símbolos fundamentais da existência humana e da reflexão religiosa. No relato do Génesis, Deus, pela criação da luz e a sua separação das trevas, põe ordem e distinção no caos primitivo, e torna-o um cosmos cognoscível e depois habitável.
Na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus veio habitar no meio de nós. Vida e luz de todo ser vivo, ela ilumina com nova luz aquele que crê na Palavra feita homem, na mensagem tornada pessoa viva, concreta e histórica, no Filho do Deus invisível que dá a conhecer o Pai. Esses são os grandes temas desenvolvidos por João desde o prólogo do seu evangelho, e ilustrados através de uma série de “sinais”, diante dos quais só há uma alternativa: responder sim ou não, sem atenuantes.

A luz do nosso baptismo
Acolher a luz significa crer naquele que o Pai enviou, reconhecer que as suas obras vêm de Deus, entrar na vida nova mediante os sinais sacramentais e assim, pela fé, as obras e os ritos, participar da sua ressurreição, vitória da luz sobre as trevas, do bem sobre o mal, da vida sobre a morte.
No baptismo, de que a água da fonte de Siloé é figura, recebemos a luz que nos faz filhos de Deus, e somos “iluminados”. “Quando um homem nasce para a vida nova é imediatamente libertado das trevas e, a partir desse momento, recebe a luz. É o mesmo que acontece quando, de repente, acordamos; ou melhor, é o que sucede com quem quer retirar a catarata dos próprios olhos: não deverá buscar fora a luz que não tem, mas terá que libertar a pupila, afastando aquilo que impede a visão. Do mesmo modo, também nós, como baptismo, somos purificados dos pecados, que como uma nuvem velavam o Espírito divino, e assim o olho do espírito torna-se transparente e luminoso e faz-nos contemplar as coisas divinas: o Espírito Santo desce, então, do alto sobre nós”. A escolha da luz tem também um valor profético e escatológico: o juízo já está presente, mas será explícito e definitivo quando resplandecer a glória do Ressuscitado; quem crê já está salvo desde agora; quem não crê – porque não quer ver – permanece no seu pecado.

“Comportai-vos como filhos da luz”
Baptizados no Cristo Jesus, passamos das trevas para a luz. Vemos o sentido da nossa vida e do destino do mundo à luz de Cristo, somos chamados a crescer numa perfeita comunhão de vida com Deus, a escolher e a viver – como Cristo – a vontade do Pai. Não podemos agir como os que não sabem; não podemos esconder-nos da luz que nos foi dada, sem assim nos comprometermos com um destino de trevas eternas; não podemos recusar professar a nossa fé e agir “com toda bondade, justiça e verdade”. O testemunho da luz é a resposta consciente, livre e cheia de amor àquele que iluminou os nossos olhos com a luz sem ocaso.

Os olhos do homem tornam-se mais opacos
Estamos a assistir, hoje, a um fenómeno estranho; enquanto os olhos da ciência se tornam mais luminosos, tornam-se mais opacos os olhos do homem.
Os nossos objectivos científicos, económicos, políticos são mais distintos e precisos: atravessamos barreiras jamais violadas pelo olho do homem em todos os campos do saber positivo; os nossos conhecimentos crescem em ritmo vertiginoso; existem cérebros electrónicos para imaginá-los e impedir que nos percamos num labirinto tão vasto e complexo.
Mas o homem torna-se cada vez menos claro, cada vez mais indecifrável a si mesmo. “O homem é um cigano perdido num universo enregelado que lhe é totalmente indiferente” (Monod, prémio Nobel de medicina). Parece que o mistério do homem se fecha num horizonte de trevas, sem que um raio de luz possa filtrar-se entre as redes do mistério.

Só Cristo consegue lançar luz sobre essas trevas
O baptismo – que é “iluminação” – significa abrir os nossos olhos para Deus e o seu mistério, para o mistério do homem, para o sentido da vida, do sofrimento e da morte, do nosso destino individual e colectivo, para o sentido da história.
Renunciar a Cristo significa recair nas trevas mais obscuras.


ANTÍFONA DE ENTRADA – Is 66, 10-11
Alegra-te, Jerusalém; rejubilai, todos os seus amigos.
Exultai de alegria, todos vós que participastes no seu luto
e podereis beber e saciar-vos na abundância das suas consolações.

ORAÇÃO COLECTA
Deus de misericórdia, que, pelo vosso Filho,
realizais admiravelmente a reconciliação do género humano, concedei ao povo cristão fé viva e espírito generoso,
a fim de caminhar alegremente
para as próximas solenidades pascais.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

LEITURA I – 1 Sam 16, 1b.6-7.10-13a

David é ungido rei de Israel.

Continuamos a ler, como primeira leitura dos domingos da Quaresma, algumas das passagens mais significativas da história da salvação do Antigo Testamento, para assim compreendermos melhor como a Páscoa de Jesus é o ponto culminante de toda essa história. Hoje lemos a unção de David como rei de Israel. David é um antepassado de Jesus, a quem foi feita a promessa de que um descendente seu seria o grande Rei do povo de Deus. Jesus é esse Rei, Filho de David, mas ao mesmo tempo, Filho de Deus, como Ele próprio Se revela no Evangelho. É Ele que vem para conduzir os homens, como seu Pastor, até ao Pai.

Leitura do Primeiro Livro de Samuel
“Naqueles dias, o Senhor disse a Samuel: «Enche a âmbula de óleo e parte. Vou enviar-te a Jessé de Belém, pois escolhi um rei entre os seus filhos». Quando chegou, Samuel viu Eliab e pensou consigo: «Certamente é este o ungido do Senhor». Mas o Senhor disse a Samuel: «Não te impressiones com o seu belo aspecto, nem com a sua elevada estatura, pois não foi esse que Eu escolhi. Deus não vê como o homem; o homem olha às aparências, o Senhor vê o coração». Jessé fez passar os sete filhos diante de Samuel, mas Samuel declarou-lhe: «O Senhor não escolheu nenhum destes». E perguntou a Jessé: «Estão aqui todos os teus filhos?». Jessé respondeu-lhe: «Falta ainda o mais novo, que anda a guardar o rebanho». Samuel ordenou: «Manda-o chamar, porque não nos sentaremos à mesa, enquanto ele não chegar». Então Jessé mandou-o chamar: era ruivo, de belos olhos e agradável presença. O Senhor disse a Samuel: «Levanta-te e unge-o, porque é este mesmo». Samuel pegou na âmbula do óleo e ungiu-o no meio dos irmãos. Daquele dia em diante, o Espírito do Senhor apoderou-Se de David.”
Palavra do Senhor

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23), 1-3a.3b-4.5.6 (R. 1)
Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará. (Repete-se)

O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma. (Refrão)

Ele me guia por sendas direitas
por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo
me enchem de confiança. (Refrão)

Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça
e meu cálice transborda. (Refrão)

A bondade e a graça hão-de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre. (Refrão)

LEITURA II – Ef 5, 8-14

Desperta e levanta-te do meio dos mortos, e Cristo brilhará sobre ti

Este é o Domingo da luz, da iluminação. Essa luz é Cristo, como se diz no final da leitura, numa passagem que é talvez parte de um hino cristão primitivo. O Baptismo é o sacramento da iluminação, da fé, que havemos de professar, de novo, na Vigília Pascal. Se na nossa comunidade houver catecúmenos (que nesta altura, já serão “eleitos”), eles nos ajudarão a sentir como se deve olhar para o baptismo como o momento da “iluminação”, conforme os antigos lhe chamavam.

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
“Irmãos: Outrora vós éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz, porque o fruto da luz é a bondade, a justiça e a verdade. Procurai sempre o que mais agrada ao Senhor. Não tomeis parte nas obras das trevas, que nada trazem de bom; tratai antes as denunciar abertamente, porque o que eles fazem em segredo até é vergonhoso dizê-lo. Mas todas as coisas que são condenadas são postas a descoberto pela luz, e tudo o que assim se manifesta torna-se luz. É por isso que se diz: «Desperta, tu que dormes; levanta-te do meio dos mortos e Cristo brilhará sobre ti».”
Palavra do Senhor

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Jo 8, 12
Refrão: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai (Repete-se)
Eu sou a luz do mundo, diz o Senhor.
Quem Me segue terá a luz da vida. (Refrão)

EVANGELHO – Jo 9, 1-41

Eu fui, lavei-me e comecei a ver

Jesus, que no domingo anterior Se revelou como Aquele que dá a água da vida, revela-Se hoje como a luz que ilumina o homem. O cego de nascença é figura de toda a humanidade, que tacteia, neste mundo, como que às apalpadelas, a caminho da vida, caminho que só Deus lhe pode desvendar. O Baptismo é o banho que ilumina, porque nos faz mergulhar em Cristo que é a luz. Os antigos chamavam justamente ao Baptismo a “iluminação”.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
“Naquele tempo, Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença. Os discípulos perguntaram-Lhe: «Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?». Jesus respondeu-lhes: «Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus. É preciso trabalhar, enquanto é dia, nas obras d’Aquele que Me enviou. Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo». Dito isto, cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego. Depois disse-lhe: «Vai lavar-te à piscina de Siloé»; Siloé quer dizer «Enviado». Ele foi, lavou-se e ficou a ver. Entretanto, perguntavam os vizinhos e os que antes o viam a mendigar: «Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?». Uns diziam: «É ele». Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele». Mas ele próprio dizia: «Sou eu». Perguntaram-lhe então: «Como foi que se abriram os teus olhos?». Ele respondeu: «Esse homem, que se chama Jesus, fez um pouco de lodo, ungiu-me os olhos e disse-me: ‘Vai lavar-te à piscina de Siloé’. Eu fui, lavei-me e comecei a ver». Perguntaram-lhe ainda: «Onde está Ele?». O homem respondeu: «Não sei». Levaram aos fariseus o que tinha sido cego. Era sábado esse dia em que Jesus fizera lodo e lhe tinha aberto os olhos. Por isso, os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista. Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos; depois fui lavar-me e agora vejo». Diziam alguns dos fariseus: «Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado». Outros observavam: «Como pode um pecador fazer tais milagres?». E havia desacordo entre eles. Perguntaram então novamente ao cego: «Tu que dizes d’Aquele que te deu a vista?». O homem respondeu: «É um profeta». Os judeus não quiseram acreditar que ele tinha sido cego e começara a ver. Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes: «É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego? Como é que ele agora vê?». Os pais responderam: «Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego; mas não sabemos como é que ele agora vê, nem sabemos quem lhe abriu os olhos. Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós». Foi por medo que eles deram esta resposta, porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagoga quem reconhecesse que Jesus era o Messias. Por isso é que disseram: «Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós». Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido cego e disseram-lhe: «Dá glória a Deus. Nós sabemos que esse homem é pecador». Ele respondeu: «Se é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora vejo». Perguntaram-lhe então: «Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?». O homem replicou: «Já vos disse e não destes ouvidos. Porque desejais ouvi-lo novamente? Também quereis fazer-vos seus discípulos?». Então insultaram-no e disseram-lhe: «Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés. Nós sabemos que Deus falou a Moisés; mas este, nem sabemos de onde é». O homem respondeu-lhes: «Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é, mas a verdade é que Ele me deu a vista. Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade. Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer». Replicaram-lhe então eles: «Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?». E expulsaram-no. Jesus soube que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: «Tu acreditas no Filho do homem?». Ele respondeu-Lhe: «Quem é, Senhor, para que eu acredite n'Ele?». Disse-lhe Jesus: «Já O viste: é quem está a falar contigo». O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou: «Eu creio, Senhor». Então Jesus disse: «Eu vim a este mundo para exercer um juízo: os que não vêem ficarão a ver; os que vêem ficarão cegos». Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto, perguntaram-Lhe: «Nós também somos cegos?». Respondeu-lhes Jesus: «Se fôsseis cegos, não teríeis pecado. Mas como agora dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece».”
Palavra da Salvação

ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Ao apresentarmos com alegria estes dons de vida eterna,
humildemente Vos pedimos, Senhor,
a graça de os celebrar com verdadeira fé
e de os oferecer dignamente pela salvação do mundo.
Por Nosso Senhor.

ANTÍFONA DA COMUNHÃO
Quando se lê o Evangelho do cego de nascença: (cf. Jo 9, 11)
O Senhor ungiu os meus olhos.
Eu fui lavar-me, comecei a ver e acreditei em Deus.
Quando se lê o Evangelho do filho pródigo: (Lc 15, 32)
Alegra-te, meu filho, porque o teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado.
Quando se lê o outro Evangelho: (Salmo 121, 3-4)
Jerusalém, cidade de Deus,
para ti sobem as tribos do Senhor,
para celebrar o seu santo nome.

ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Senhor nosso Deus,
luz de todo o homem que vem a este mundo,
iluminai os nossos corações com o esplendor da vossa graça,
para que pensemos sempre no que Vos é agradável
e Vos amemos de todo o coração.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.



sábado, 18 de março de 2017

FONTE DA ÁGUA QUE JORRA PARA A VIDA ETERNA




3.º Domingo da Quaresma

Cristo, água para nossa sede

O tema da água que salva volta com frequência na liturgia quaresmal. A Igreja oferece à comunidade cristã que revive o seu baptismo uma síntese da história da salvação, servindo-se do rico simbolismo da água.

A água tem sua linguagem
Necessária para a existência de todos os seres vivos, a água é um elemento “natural” que nos é dado, não é fruto de trabalho: a água viva de uma fonte exprime também o milagre renovado da vida. Fazendo brotar água da rocha, Deus manifesta-se salvador do seu povo e põe-no em condições de prosseguir a viagem até à terra prometida. Repensando essas maravilhas de Deus nos momentos mais obscuros e difíceis de sua história, Israel projecta para um futuro mais ou menos distante a posse de uma terra de águas abundantes, na qual o deserto se transformará em viçoso pomar. A abundância de água torna-se símbolo da abundante salvação que virá unicamente de Deus: um rio que brota do templo purificará o povo, saciará a sua sede, fecundará a terra.
No Novo Testamento, a água exprime simbolicamente o dom do Espírito para a geração de uma humanidade nova. Cristo, sobre quem desceu o Espírito no momento do baptismo, anuncia um renascimento na água e no Espírito, promete uma abundância de água-Espírito para os que crêem. A sua pessoa identifica-se, pois, com a Rocha (como observava são Paulo, recapitulando os “sinais” do deserto, 1Cor 10,4), o novo Templo, a fonte que mata a sede na vida eterna. João vê o cumprimento do sinal na hora da morte-glorificação de Jesus, quando ele “entrega o espírito” e do seu lado traspassado correm sangue e água.

A água do nosso baptismo
A água do baptismo pode, portanto, lavar os pecados e fazer renascer os filhos de Deus em virtude do sangue de Cristo, fonte de todo perdão. Quem confessa que Cristo é o Messias, o enviado de Deus, aceita que a salvação se faça da maneira e no momento querido por Deus; compreende que a sua sede profunda só é saciada pelo dom de Cristo; toma-se, para os que o cercam como a mulher samaritana, revelador da presença que tudo transforma.
No momento do baptismo, a Igreja, que através da catequese preparou a profissão de fé no Filho de Deus, recapitula na sua oração os acontecimentos salvíficos relacionados com a água e cumpre a ordem de Cristo: baptizai em nome da Trindade. Assim, como gostava de repetir Agostinho, “pela união da palavra (da fé) com o elemento (água) realiza-se o sacramento”, dom de Deus e livre resposta do homem.

Sede de valores numa sociedade de consumo
Encontramo-nos diante da sede de um povo no deserto, da sede de uma mulher no poço. A sede é símbolo de uma necessidade íntima, vital, torturante. Além da sede fisiológica, há uma sede mais profunda em todo o homem, em toda a sociedade, em toda a comunidade do nosso tempo: procuramos cada vez mais “coisas para saciá-la; nada nos basta, nada nos satisfaz”. A nossa civilização só nos oferece “bens de consumo”, não valores espirituais. Convida-nos ao oportunismo, ao mais fácil, ao mais seguro, ao mais cómodo. Os ideais de coerência, de sinceridade, de amor, que existem em todos os homens, são em geral frustrados, traídos por quem os defende ou pelo indivíduo incapaz de resistir à pressão dos que o cercam. Todos falam do valor da colaboração, todos reconhecem que somos globalmente responsáveis pelo caminho da humanidade; no entanto, o que encontramos é insensatez, orgulho, instintos de domínio, de grandeza, inclinação para a agressividade, para um prazer ás vezes exacerbado, incontrolado e irracional. Mas, muitas vezes renunciamos e justificamos a renúncia definindo os valores como “sonhos de adolescente”.
A revolta dos jovens tem a sua raiz nessa sede não aplacada, nessa decepção por tudo que lhes é oferecido, tão distante das verdadeiras e profundas exigências do homem, que tem hoje maior consciência dos valores de fraternidade, justiça, amor, solidariedade.
Não é a primeira vez que, no decorrer da história, o homem enfrenta desafios que põem em discussão modos de pensar e pedem soluções inéditas. Continuamente o homem faz a experiência de que aquilo que conquistou nunca é uma conquista definitiva. A técnica, as descobertas científicas não matam a sede de segurança, de esperança, de felicidade que todo o homem sente. Lentamente, descobre ou tem a intuição de que só um “homem-infinito” pode dar-lhe o que busca no meio da confusão.


ANTÍFONA DE ENTRADA – Salmo 24, 15-16
Os meus olhos estão voltados para o Senhor,
porque Ele livra os meus pés da armadilha.
Olhai para mim, Senhor, e tende compaixão
porque estou só e desamparado.

Ou Ez 36, 23-26

Quando Eu manifestar em vós a minha santidade,
reunir-vos-ei de todos os povos;
derramarei sobre vós água pura,
e ficareis limpos de toda a iniquidade.
Eu vos darei um espírito novo, diz o Senhor.
Não se diz o Glória.

ORAÇÃO COLECTA
Deus, Pai de misericórdia e fonte de toda a bondade,
que nos fizestes encontrar no jejum,
na oração e no amor fraterno
os remédios do pecado,
olhai benigno para a confissão da nossa humildade,
de modo que, abatidos pela consciência da culpa,
sejamos confortados pela vossa misericórdia.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

LEITURA I – Ex 17, 3-7

Dá-nos água para beber

O Evangelho domina toda a celebração deste Domingo; é o Evangelho da Samaritana. A liturgia deste dia abre a parte central da Quaresma no aspecto litúrgico, ligada à preparação para os sacramentos da iniciação cristã na Vigília Pascal e igualmente para a renovação da consciência da vida cristã para os que já são baptizados. Caminhamos para o Rochedo da água viva, que é Cristo, para d’Ele bebermos, como do rochedo batido pela vara de Moisés bebeu o antigo povo na travessia do deserto.

Leitura do Livro do Êxodo
“Naqueles dias, o povo israelita, atormentado pela sede, começou a altercar com Moisés, dizendo: «Porque nos tiraste do Egipto? Para nos deixares morrer à sede, a nós, aos nossos filhos e aos nossos rebanhos?». Então Moisés clamou ao Senhor, dizendo: «Que hei-de fazer a este povo? Pouco falta para me apedrejarem». O Senhor respondeu a Moisés: «Passa para a frente do povo e leva contigo alguns anciãos de Israel. Toma na mão a vara com que fustigaste o Rio e põe-te a caminho. Eu estarei diante de ti, sobre o rochedo, no monte Horeb. Baterás no rochedo e dele sairá água; então o povo poderá beber». Moisés assim fez à vista dos anciãos de Israel. E chamou àquele lugar Massa e Meriba, por causa da altercação dos filhos de Israel e por terem tentado o Senhor, ao dizerem: «O Senhor está ou não no meio de nós?».”
Palavra do Senhor

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 94 (95), 1-2.6-7.8-9 (R. cf. 8)
Refrão: Se hoje ouvirdes a voz do Senhor,
não fecheis os vossos corações. (Repete-se)

Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
aclamemos a Deus, nosso salvador.
Vamos à sua presença e dêmos graças,
ao som de cânticos aclamemos o Senhor. (Refrão)

Vinde, prostremo-nos em terra,
adoremos o Senhor que nos criou.
Pois Ele é o nosso Deus
e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho. (Refrão)

Quem dera ouvísseis hoje a sua voz:
«Não endureçais os vossos corações,
como em Meriba, como no dia de Massa no deserto,
onde vossos pais Me tentaram e provocaram,
apesar de terem visto as minhas obras. (Refrão)

LEITURA II – Rom 5, 1-2.5-8

O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado

O Baptismo é nascimento pela água e pelo Espírito Santo. Disse-o Jesus. Que a água é tomada como sinal do Espírito Santo, disse-o também o Senhor noutra ocasião. E o Espírito Santo, derramado em nossos corações, é a fonte da vida de Cristo sempre a cantar em nós.

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
“Irmãos: Tendo sido justificados pela fé, estamos em paz com Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual temos acesso, na fé, a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos, apoiados na esperança da glória de Deus. Ora, a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios no tempo determinado. Dificilmente alguém morre por um justo; por um homem bom, talvez alguém tivesse a coragem de morrer. Mas Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores.”
Palavra do Senhor

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Mt 4, 4b
Refrão: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor. (Repete-se)
Senhor, Vós sois o Salvador do mundo:
dai-nos a água viva, para não termos sede. (Refrão)

EVANGELHO – Jo 4, 5-42

Fonte da água que jorra para a vida eterna

Tanto nesta Missa, como no Ritual da iniciação Cristã dos Adultos, esta passagem do Evangelho ocupa lugar de primeira importância juntamente com os Evangelhos dos dois domingos seguintes. A Samaritana é o tipo daqueles que, vindo de longe, ao escutarem a palavra do Senhor, sentem nascer dentro de si a sede nunca antes experimentada do dom de Deus, sede que só Jesus pode saciar. É Ele a fonte de água viva.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
“Naquele tempo, chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José, onde estava o poço de Jacob. Jesus, cansado da caminhada, sentou-Se à beira do poço. Era por volta do meio-dia. Veio uma mulher da Samaria para tirar água. Disse-lhe Jesus: «Dá-Me de beber». Os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos. Respondeu-Lhe a samaritana: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber, sendo eu samaritana?». De facto, os judeus não se dão com os samaritanos. Disse-lhe Jesus: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá-Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva». Respondeu-Lhe a mulher: «Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo: donde Te vem a água viva? Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, com os seus filhos e os seus rebanhos?». Disse-Lhe Jesus: «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna». «Senhor, – suplicou a mulher – dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la». Disse-lhe Jesus: «Vai chamar o teu marido e volta aqui». Respondeu-lhe a mulher: «Não tenho marido». Jesus replicou: «Disseste bem que não tens marido, pois tiveste cinco e aquele que tens agora não é teu marido. Neste ponto falaste verdade». Disse-lhe a mulher: «Senhor, vejo que és profeta. Os nossos antepassados adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar». Disse-lhe Jesus: «Mulher, acredita em Mim: Vai chegar a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vai chegar a hora – e já chegou – em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são esses os adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito e os seus adoradores devem adorá-l’O em espírito e verdade». Disse-Lhe a mulher: «Eu sei que há-de vir o Messias, isto é, Aquele que chamam Cristo. Quando vier, há-de anunciar-nos todas as coisas». Respondeu-lhe Jesus: «Sou Eu, que estou a falar contigo». Nisto, chegaram os discípulos e ficaram admirados por Ele estar a falar com aquela mulher, mas nenhum deles Lhe perguntou: «Que pretendes?», ou então: «Porque falas com ela?». A mulher deixou a bilha, correu à cidade e falou a todos: «Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será Ele o Messias?». Eles saíram da cidade e vieram ter com Jesus. Entretanto, os discípulos insistiam com Ele, dizendo: «Mestre, come». Mas Ele respondeu-lhes: «Eu tenho um alimento para comer que vós não conheceis». Os discípulos perguntavam uns aos outros: «Porventura alguém Lhe trouxe de comer?». Disse-lhes Jesus: «O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou e realizar a sua obra. Não dizeis vós que dentro de quatro meses chegará o tempo da colheita? Pois bem, Eu digo-vos: Erguei os olhos e vede os campos, que já estão loiros para a ceifa. Já o ceifeiro recebe o salário e recolhe o fruto para a vida eterna e, deste modo, se alegra o semeador juntamente com o ceifeiro. Nisto se verifica o ditado: ‘Um é o que semeia e outro o que ceifa’. Eu mandei-vos ceifar o que não trabalhastes. Outros trabalharam e vós aproveitais-vos do seu trabalho». Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus, por causa da palavra da mulher, que testemunhava: «Ele disse-me tudo o que eu fiz». Por isso os samaritanos, quando vieram ao encontro de Jesus, pediram-Lhe que ficasse com eles. E ficou lá dois dias. Ao ouvi-l’O, muitos acreditaram e diziam à mulher: «Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».”
Palavra da Salvação

ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Concedei, Senhor, por este sacrifício,
que, ao pedirmos o perdão dos nossos pecados,
perdoemos também aos nossos irmãos.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo.

ANTÍFONA DA COMUNHÃO – Jo 4, 13-14
Quem beber da água que Eu lhe der, diz o Senhor,
terá em seu coração a fonte da vida eterna.

ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Recebemos, Senhor nosso Deus,
o penhor da glória eterna
e, vivendo ainda na terra, fomos saciados com o pão do Céu.
Nós Vos pedimos humildemente a graça de manifestar na vida
o que celebramos neste sacramento.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.



sábado, 11 de março de 2017

REVELAR-SE A OUTRO – PROVA DE CONFIANÇA…


2.º Domingo da Quaresma

Revelar-se ao outro é um acto de confiança
Revelar-nos ao outro é um acto de confiança, porque lhe dá poder para intervir sobre nós; partilhar a mesma vida como acontece na amizade, no matrimónio; é deixar que seja envolvida toda nossa existência.

Um homem deixa sua terra
A vocação de Abraão é um exemplo eficaz de resposta à proposta de Deus: por isso ele é chamado o nosso pai na fé.
Com Abraão, Deus retoma a iniciativa do diálogo: faz as suas propostas em termos acessíveis a esse homem, mas com uma exigência de totalidade. A resposta de Abraão difere inteiramente do pecado de Adão: um distancia-se, o outro aproxima-se; um quer possuir a terra, o outro desapega-se; um desconfia da palavra de Deus, o outro tem fé nas suas promessas e troca a segurança do enraizamento numa terra, duma família, dos próprios deuses, pelo risco generoso de seguir o Deus que chama para uma terra “que lhe será indicada mais tarde”. Da parte de Deus, a “maldição” destinada ao homem pecador muda-se num anúncio de “bênção” aberta a todas as nações (1ª leitura).
Os cristãos são chamados por uma vocação santa a seguir Cristo na sua vida de obediência a Deus, com a qual “venceu a morte e faz resplandecer a vida e a imortalidade por meio do evangelho” (2ª leitura). O “Filho bem-amado” torna os baptizados semelhantes a si, associando ao seu destino de sofrimento e de glória os que ouvem com fé a sua palavra.
Ainda hoje é proposto a todos os homens, a todo grupo eclesial, partir da sua terra e seguir a palavra que os guia, iluminando-os com a promessa – que em Cristo já é realidade – da “bênção” como plenitude de bens. Mas nada é definitivo na sua origem; quanto aos pormenores, é preciso ter criatividade, humildade, coragem, aceitar os sofrimentos, para encontrar, enfim, a luz e o repouso.

Parêntesis de luz
O abandono das certezas e das seguranças jamais é total. Permanece sempre, no fundo, a lembrança e a saudade da terra em que se habitava. Nos apóstolos chamados a seguir a Cristo permanece a interrogação de quem seria realmente aquele a quem ouviram e por quem abandonaram a sua terra. A sua vida oculta, o seu messianismo tão diferente do que esperavam deixam algo de duvidoso. Jesus toma a iniciativa e manifesta-se sob outra forma que revela o seu verdadeiro ser, a sua majestade divina: concede aos apóstolos contemplarem o fim que o espera. Assim, os discípulos podem ver que o Servo repelido e incompreendido é o Filho do homem descrito por Daniel. A condição humana, frágil e oculta, é apenas um tempo de passagem, um parêntesis. Com essa antecipação da glória de que se revestirá no momento da ressurreição, a fé dos discípulos deveria sair reanimada, confirmada (evangelho).

Ignoramos o que será a “cidade” futura
Os futurólogos dão-nos imagens de um mundo que se assemelha a uma “cidade” cujo crescimento demográfico é rápido, as cidades aumentam e absorvem os povoados vizinhos. Caminhamos para “a unicidade”, para um novo mundo-cidade. Mas, que forma deve assumir, que deve ela tornar-se para não ser um uniforme formigueiro? A nossa liberdade de construir está realmente em condições de construir?
Quando se propõe o problema da realização futura, as trevas caem sobre nós. Estamos diante de um dever que é muito mais obscuro do que se pode pensar; a nossa fé vacila. A nossa fé não nos diz nada mais do que isto: para adoptar as opções que nos permitam obter sucesso é necessário abrangermos os dois extremos da história e podermos concentrar num instante o passado e o futuro. Esse é o risco que a fé comporta. O cristão que recebeu o baptismo decide viver nesse risco. Sente a obscuridade que pesa sobre todos os homens na construção do presente e não se assusta, não tem medo porque vê a meta, o Cristo transfigurado, e, em Abraão, um modelo a seguir.


ANTÍFONA DE ENTRADA – Salmo 26, 8-9
Diz-me o coração: «Procurai a face do Senhor».
A vossa face, Senhor, eu procuro;
não escondais de mim o vosso rosto.

ORAÇÃO COLECTA
Deus de infinita bondade,
que nos mandais ouvir o vosso amado Filho,
fortalecei-nos com o alimento interior da vossa palavra,
de modo que, purificado o nosso olhar espiritual,
possamos alegrar-nos um dia na visão da vossa glória.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

LEITURA I – Gen 12, 1-4a

Vocação de Abraão, pai do povo de Deus

A primeira afirmação da nossa fé, em relação aos homens, é que Deus nos chamou para sermos o seu Povo. Este chamamento está já nas origens, mas houve depois, ao longo da história da salvação, momentos especialmente significativos, e, destes, o primeiro e bem significativo foi, sem dúvida, o chamamento de Abraão. É a partir de Abraão que aparece, no meio de todos os outros povos, o Povo de Deus. Com ele o Senhor faz Aliança e a ele entrega a grande promessa, de que nele serão abençoados todos os povos da Terra, promessa que se há-de realizar plenamente no Descendente de Abraão, Jesus Cristo.

Leitura do Livro do Génesis
“Naqueles dias, o Senhor disse a Abraão: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar. Farei de ti uma grande nação e te abençoarei; engrandecerei o teu nome e serás uma bênção. Abençoarei a quem te abençoar, amaldiçoarei a quem te amaldiçoar; por ti serão abençoadas todas as nações da terra». Abraão partiu, como o Senhor lhe tinha ordenado.”
Palavra do Senhor

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 32 (33), 4-5.18-19.20.22 (R. 22)
Refrão: Esperamos, Senhor, na vossa misericórdia. (Repete-se)

A palavra do Senhor é recta,
da fidelidade nascem as suas obras.
Ele ama a justiça e a rectidão:
a terra está cheia da bondade do Senhor. (Refrão)

Os olhos do Senhor estão voltados
para os que O temem,
para os que esperam na sua bondade,
para libertar da morte as suas almas
e os alimentar no tempo da fome. (Refrão)

A nossa alma espera o Senhor:
Ele é o nosso amparo e protector.
Venha sobre nós a vossa bondade,
porque em Vós esperamos, Senhor. (Refrão)

LEITURA II – 2 Tim 1, 8b-10

Deus nos chama e ilumina

O chamamento de Deus chega até aos homens por seu Filho, Jesus Cristo, que, na leitura do Evangelho, o próprio Pai nos apresenta para que O escutemos. Por Ele se renova a Aliança entre Deus e os homens, e n’Ele já temos a garantia da vida e da imortalidade. É esta a fé da Igreja desde o princípio, como o Apóstolo o atesta.

Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo
“Caríssimo: Sofre comigo pelo Evangelho, apoiado na força de Deus. Ele salvou-nos e chamou-nos à santidade, não em virtude das nossas obras, mas do seu próprio desígnio e da sua graça. Esta graça, que nos foi dada em Cristo Jesus, desde toda a eternidade, manifestou-se agora pelo aparecimento de Cristo Jesus, nosso Salvador, que destruiu a morte e fez brilhar a vida e a imortalidade, por meio do Evangelho.”
Palavra do Senhor

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Mt 4, 4b
Refrão: Glória a Vós, Senhor, Filho de Deus vivo. (Repete-se)
No meio da nuvem luminosa,
ouviu-se a voz do Pai:
«Este é o meu Filho muito amado: escutai-O». (Refrão)

EVANGELHO – Mt 17, 1-9

O seu rosto ficou resplandecente como o sol

A Transfiguração é a revelação antecipada de Cristo glorioso, como a sua Ressurreição, no fim da Quaresma, O há-de manifestar. Em Cristo transfigurado se antevê, desde já, a vida e a imortalidade a que somos chamados, reconhecemos a glória do Filho de Deus que se há-de revelar em nós próprios e tomamos coragem para subirmos, ao longo da Quaresma, até à transfiguração pascal, que Deus dará a quem escutar e seguir o seu Filho.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
“Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e levou-os, em particular, a um alto monte e transfigurou-Se diante deles: o seu rosto ficou resplandecente como o sol e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele. Pedro disse a Jesus: «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Ainda ele falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra e da nuvem uma voz dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O». Ao ouvirem estas palavras, os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito. Então Jesus aproximou-Se e, tocando-os, disse: «Levantai-vos e não temais». Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus. Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem: «Não conteis a ninguém esta visão, até o Filho do homem ressuscitar dos mortos».”
Palavra da Salvação

ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Esta oblação, Senhor, lave os nossos pecados
e santifique o corpo e o espírito dos vossos fiéis,
para celebrarmos dignamente as festas pascais.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

ANTÍFONA DA COMUNHÃO – Salmo 12, 6
Este é o meu Filho muito amado,
no qual pus as minhas complacências.
Escutai-O.

ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Alimentados nestes gloriosos mistérios,
nós Vos damos graças, Senhor,
porque, vivendo ainda na terra,
nos fazeis participantes dos bens do Céu.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.



sábado, 4 de março de 2017

TEMPO DE TESTE



1.º Domingo da Quaresma

Proposta de Deus, proposta do homem
Neste primeiro domingo é proposta uma reflexão fundamental sobre o destino do homem. É uma meditação religiosa, uma vez que põe em causa o justo relacionamento com Deus, libertando-o de duas concepções erróneas.
O homem é escravo de forças naturais ou históricas; a sua presença no mundo é o fruto de um acaso que lhe pregou uma partida breve e cruel, dando-lhe a ilusão de felicidade e abandonando-o ao poder da morte. O homem é árbitro absoluto de seu destino, senhor do bem e do mal, dominador das Forças cósmicas, único protagonista da história.

Uma opção que se repete
A Bíblia apresenta o homem como criatura de Deus, por ele modelado com amor, animado por seu sopro vital, colocado num “jardim” onde tudo é ordem e harmonia, onde o diálogo com Deus é cheio de confiança e amor (1ª leitura).
Com o pecado, entra a desordem: é a desconfiança da palavra de Deus, a tentativa de “tornar-se como Deus”, definindo-se a si próprio através do conhecimento (isto é, experiência íntima) do bem e do mal. O resultado é a consciência da própria “nudez”, a incapacidade de dialogar com Deus e com os semelhantes (até no relacionamento do casal), o sofrimento e a morte (2ª leitura).
Deus retoma o seu plano pacientemente; o povo judeu, ao qual promete a “terra” do repouso e do bem-estar, é submetido à mesma prova e cai, porque lhe falta confiança no Deus salvador, procura deuses mais imediatos e menos exigentes, estabelece alianças com os povos pagãos, supõe a protecção divina, mas não retribui como amor filial. O deserto permanece o lugar real e simbólico de um diálogo fracassado total ou parcialmente.

Uma confiança sem condições
Cristo é conduzido pelo Espírito ao deserto para repetir a prova: nele se concentra a fidelidade de Deus ao seu plano e a fidelidade do homem que lhe responde. Apoiando-se inteiramente na palavra de Deus (“está escrito”). Cristo sai vitorioso da provação; é uma antecipação da obediência incondicional do Filho bem-amado que se torna o primogénito da nova humanidade, fiel a Deus e chamado à sua intimidade (evangelho).
Todo homem, como toda geração e toda comunidade, é chamado a reviver a mesma opção fundamental.
“A mais temível tentação não é a que nasce da carne e do mundo, mas a que nasce de uma situação em que a bondade de Deus não entra no nosso campo de percepção. O cristão pode então dizer: 'Onde, então, está Deus? Só encontra indiferença e silêncio: Deus mostra-se tão distante que ele sente o abandono de Cristo. Vive naquela situação-limite em que viveram Abraão quando Deus lhe ordenou que sacrificasse Isaac, Jó durante as privações e Cristo na agonia. A confiança incondicional é o único meio de salvação, mas ela toca as raias da revolta contra Deus. Tais situações são a tentação suprema para o espírito. Atacam a fé na sua própria raiz e compreende-se por que Cristo pede aos cristãos que fujam em caso de perseguição: a não-intervenção de Deus é sentida então de modo tão cruel que poderia destruir a fé. Não é, pois, de admirar que a Igreja e os cristãos orem todos os dias para que Deus saia de seu silêncio, que abrevia o tempo em que não manifesta seu poder” (C. Duquoc).

Tempo do teste
A Quaresma é o tempo do teste para a nossa fidelidade na resposta ao plano de Deus; pode acontecer que o tenhamos traído, mutilado ou enterrado, e, isso, por covardia, interesse, hipocrisia, fraqueza, porque não soubemos vencer as tentações que hoje se nos oferecem. Toda civilização inclui elementos bons e elementos nocivos, expressão da sua ambiguidade, a sua incapacidade para salvar-nos. Hoje esses elementos nocivos são a apatia diante das realidades espirituais, o seu sufocamento “mórbido” para que não constituam mais problema e sejam relegados para os recantos da consciência e da vida; a total absorção no terrestre, nos valores e bens que nos são oferecidos em quantidade cada vez mais crescente e alienante: o “eficientismo” gerado pelo ídolo do produzir-consumir e consumir-produzir, esse círculo vicioso implacável e destruidor de todo o valor humano; o egoísmo e o espírito de opressão, a luta pela própria carreira, que reduz o próximo unicamente a mais um adversário a eliminar, um concorrente a superar, um degrau pelo qual subir.



ANTÍFONA DE ENTRADA – Salmo 90, 15-16
Quando me invocar, hei-de atendê-lo; hei-de libertá-lo
e dar-lhe glória. Favorecê-lo-ei com longa vida
e lhe mostrarei a minha salvação.

ORAÇÃO COLECTA
Concedei-nos, Deus omnipotente,
que, pela observância quaresmal,
alcancemos maior compreensão do mistério de Cristo
e a nossa vida seja dele um digno testemunho.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

LEITURA I – Gen 2, 7-9; 3, 1-7

A criação e o pecado dos nossos primeiros pais

No tempo da Quaresma, a primeira leitura “refere-se à história da salvação, que é um dos objectivos próprios da catequese quaresmal”. Nela “se apresentam os principais elementos daquela história desde o princípio até à promessa da Nova Aliança” (Intr. ao Lecc.).

Leitura do Livro do Génesis
“O Senhor Deus formou o homem do pó da terra, insuflou em suas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se um ser vivo. Depois, o Senhor Deus plantou um jardim no Éden, a oriente, e nele colocou o homem que tinha formado. Fez nascer na terra toda a espécie de árvores, de frutos agradáveis à vista e bons para comer, entre as quais a árvore da vida, no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal. Ora, a serpente era o mais astucioso de todos os animais dos campos que o Senhor Deus tinha feito. Ela disse à mulher: «É verdade que Deus vos disse: ‘Não podeis comer o fruto de nenhuma árvore do jardim’?». A mulher respondeu: «Podemos comer o fruto das árvores do jardim; mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus avisou-nos: ‘Não podeis comer dele nem tocar-lhe, senão morrereis’». A serpente replicou à mulher: «De maneira nenhuma! Não morrereis. Mas Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como deuses, ficando a conhecer o bem e o mal». A mulher viu então que o fruto da árvore era bom para comer e agradável à vista, e precioso para esclarecer a inteligência. Colheu fruto da árvore e comeu; depois deu-o ao marido, que comeu juntamente com ela. Abriram-se então os seus olhos e compreenderam que estavam despidos. Por isso, entrelaçaram folhas de figueira e cingiram os rins com elas.”
Palavra do Senhor

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 50 (51), 3-4.5-6a.12-13.14.17 (R. cf. 3a)
Refrão: Pecámos, Senhor: tende compaixão de nós. (Repete-se)

Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade,
pela vossa grande misericórdia,
apagai os meus pecados.
Lavai-me de toda a iniquidade
e purificai-me de todas as faltas. (Refrão)

Porque eu reconheço os meus pecados
e tenho sempre diante de mim as minhas culpas.
Pequei contra Vós, só contra Vós,
e fiz o mal diante dos vossos olhos. (Refrão)

Criai em mim, ó Deus, um coração puro
e fazei nascer dentro de mim um espírito firme.
Não queirais repelir-me da vossa presença
e não retireis de mim o vosso espírito de santidade. (Refrão)

Dai-me de novo a alegria da vossa salvação
e sustentai-me com espírito generoso.
Abri, Senhor, os meus lábios
e a minha boca cantará o vosso louvor. (Refrão)

LEITURA II – Rom 5, 12-19

Onde abundou o pecado, superabundou a graça

A leitura põe em contraste Adão e Cristo. Ambos são o princípio de uma humanidade nova. Mas, se a falta cometida por um só, Adão, se faz sentir abundantemente em todos os homens para sua perdição, a graça e o perdão trazidos por um só, Jesus Cristo, fazem sentir-se mais abundantemente ainda e levam à justificação.

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
“Irmãos: Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte, assim também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram. De facto, até à Lei, existia o pecado no mundo. Mas o pecado não é levado em conta, se não houver lei. Entretanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, mesmo para aqueles que não tinham pecado por uma transgressão à semelhança de Adão, que é figura d’Aquele que havia de vir. Mas o dom gratuito não é como a falta. Se pelo pecado de um só todos pereceram, com muito mais razão a graça de Deus, dom contido na graça de um só homem, Jesus Cristo, se concedeu com abundância a todos os homens. E esse dom não é como o pecado de um só: o julgamento que resultou desse único pecado levou à condenação, ao passo que o dom gratuito, que veio depois de muitas faltas, leva à justificação. Se a morte reinou pelo pecado de um só homem, com muito mais razão, aqueles que recebem com abundância a graça e o dom da justiça, reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo. Porque, assim como pelo pecado de um só, veio para todos os homens a condenação, assim também, pela obra de justiça de um só, virá para todos a justificação que dá a vida. De facto, como pela desobediência de um só homem, todos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, todos se tornarão justos.”
Palavra do Senhor

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Mt 4, 4b
Refrão: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai. (Repete-se)
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. (Refrão)

EVANGELHO – Mt 4, 1-11

Jesus jejua durante quarenta dias e é tentado

As tentações de Jesus resumem as tentações de todo o homem. Ao contrário de Adão, Jesus rejeita a tentação, fixando-Se no Pai e na sua palavra. Resistir ao mal, morrer para o pecado, firmando-se na palavra de Deus, é o primeiro passo para participar na Páscoa de Jesus. Quem deseja caminhar para a comunhão com Deus na Páscoa de Jesus, não pode deixar-se encantar, nesse caminho, com as tentações que o Inimigo lhe apresentará.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
“Naquele tempo, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo Diabo. Jejuou quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome. O tentador aproximou-se e disse-lhe: «Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pães». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’». Então o Diabo conduziu-O à cidade santa, levou-O ao pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo, pois está escrito: ‘Deus mandará aos seus Anjos que te recebam nas suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’». Respondeu-lhe Jesus: «Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’». De novo o Diabo O levou consigo a um monte muito alto, mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e a sua glória, e disse-Lhe: «Tudo isto Te darei, se, prostrado, me adorares». Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto’». Então o Diabo deixou-O e aproximaram-se os Anjos e serviram-n'O.”
Palavra da Salvação

ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Fazei que a nossa vida, Senhor,
corresponda à oferta das nossas mãos,
com a qual damos início à celebração
do tempo santo da Quaresma.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

ANTÍFONA DA COMUNHÃO – Salmo 12, 6
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que vem da boca de Deus.

Ou      Salmo 90, 4
O Senhor te cobrirá com as suas penas,
debaixo das suas asas encontrarás abrigo.

ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Saciados com o pão do Céu,
que alimenta a fé, confirma a esperança e fortalece a caridade,
nós Vos pedimos, Senhor:
ensinai-nos a ter fome de Cristo, o verdadeiro pão da vida,
e a alimentar-nos de toda a palavra que da vossa boca nos vem.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.