Não confronta homens
com mulheres, nem vice-versa.
Voltemos ao tema principal. Sabemos, por um lado, que o
gesto de Jesus é contrário: inicia o seu caminho de libertação precisamente no
reverso da sociedade estabelecida (com as crianças, os pobres, os enfermos, os
pecadores) para mudar a ordem da história e assim abarcar a todos, em
transformação messiânica.
“O movimento de Jesus foi de renovação dentro do
judaísmo”[1]. Ele era judeu e os seus
seguidores foram judeus e judias do primeiro século. Quando falamos de Jesus e do
seu movimento é sempre do ponto de vista cristão. Costumamos deixar de lado o
facto de que ele era judeu e os seus seguidores também. Reconstruir o movimento
de Jesus como um movimento judaico não é uma tarefa fácil, especialmente a
reconstrução da história das mulheres. “Até o momento não existe uma
reconstrução judaica crítica, feminista, do judaísmo do primeiro século”[2].
No movimento de Jesus, as pessoas que viviam à margem da
sociedade eram acolhidas. O cristianismo originou-se dentro do judaísmo da
Palestina num contexto greco-romano. São duas culturas de domínio patriarcal em
que a mulher tem um papel secundário. “A cultura e a ideologia patriarcal
greco-romanas marcaram definitivamente o mundo ocidental”[3]. As primeiras comunidades
surgiram em ambiente judaico-palestiniano, depois expandiram-se para outras
regiões no mundo greco-romano. Destaca-se a presença das mulheres no movimento
de Jesus como nas comunidades que surgiram.
O cristianismo tinha propostas diferentes dos restantes
modelos; traz uma nova forma de relacionamento – a mulher é tratada “em pé de
igualdade”. Depois da ressurreição, essas mulheres vão impulsionar o movimento
cristão reunindo-se nas suas casas, que ficaram conhecidas como as “igrejas
domésticas”. Certamente, as mulheres que se integraram no grupo de Jesus tinham
uma relativa autonomia em relação ao contexto cultural do seu tempo[4].
A maioria dos grupos cristãos primitivos reunia-se nas
casas. No Novo Testamento há várias passagens que fazem referência às “comunidades
domésticas” (Gl 6,10; 1Cor 16,19; Rm 16,1-16; Cl 4,15; Act 16,13-15). Elas eram
a base do movimento cristão. Nas igrejas domésticas, os cristãos se reuniam
para o culto, pregação da palavra, partilha da mesa social e eucarística. A
igreja doméstica oferecia iguais oportunidades às mulheres, já que elas estavam
no espaço em que dominavam. Essas igrejas foram muito importantes no movimento
missionário, porque ofereciam espaço e apoio, e onde as mulheres exerciam realmente
a sua liderança. Já era costume no mundo greco-romano as mulheres ricas abrirem
as suas casas para cultos religiosos. As cristãs não eram o único grupo que
acolhia a comunidade em suas casas. Também havia cultos domésticos nas comunidades
da Diáspora, liderados por mulheres judias[5].
Segundo Branick, quando os evangelhos descrevem as mulheres
seguindo Jesus, servindo e ouvindo instruções, parecem reflectir as normas
daquele tempo[6].
Essa prática não é vista como surpresa ou inovação por parte de Jesus. Uma
norma que Jesus pode ter violado deliberadamente é o fato de a mulher conversar
com estranhos (Jo 4,7).
Historiadores concordam que o cristianismo era atraente
porque na subcultura cristã “as mulheres tinham um status mais elevado
do que no mundo greco-romano”. O número de homens era maior no contexto
greco-romano, pela alta mortalidade das mulheres no parto, aborto e pelo
infanticídio feminino. Dentro do cristianismo a vida familiar, desenvolvia-se
de modo diverso e as mulheres viviam de forma diferente. As mulheres são a maioria
na conversão ao cristianismo. Stark, citando Fox, afirma que “a predominância
de mulheres nos quadros de filiação das Igrejas era reconhecida como tal por
cristãos e pagãos”[7].
Entre os pagãos, as viúvas que não contraíssem segundas
núpcias no prazo de dois anos, eram multadas. Ao casar-se novamente perdia sua
herança para o marido e se tornavam propriedade dele. Já no cristianismo,
tinha-se um profundo respeito pelas viúvas e não se encorajava um segundo
casamento. Com isso as viúvas ricas continuavam administrando sua herança e as
viúvas pobres eram amparadas pelas comunidades e tinham liberdade de escolha
para contrair segundas núpcias[8].
Com o advento do cristianismo as mulheres conseguem uma
certa autonomia. Procura-se viver sem a discriminação entre homem e mulher. As
casas delas transformam-se em igrejas domésticas e passam a acolher as pessoas
necessitadas, como as viúvas. Elas tornam-se líderes nas suas casas e com elas
nascem as primeiras comunidades cristãs. A mensagem de Jesus Cristo passa a ser
anunciada, pregada por essas mulheres que se tornam mensageiras do Evangelho.
Nos Evangelhos, a presença das mulheres como testemunhas, é uma
forma de intensificar a importância delas. Além de revelar duas ou três
discípulas mulheres, além de Maria Madalena, é possível reflectir que o
discurso sobre o encontro de Maria Madalena com o Cristo Ressuscitado é a
história original e que os evangelhos sinópticos multiplicaram o número de
mulheres participantes.
Ao exercerem liderança na comunidade, as mulheres descobriam
as suas potencialidades, tornavam-se pessoas dignificadas. A liderança dava status
à mulher. Não se cansavam nem tinham medo de levar a mensagem do
Ressuscitado. Mesmo na época das perseguições elas enfrentavam as torturas e o
martírio em nome da sua fé.
As grandes colaboradoras de Paulo foram as mulheres.
Enquanto ele fazia as suas viagens missionárias, quem liderava e levava para
frente as comunidades eram Maria, Júnia, Febe, Priscila, Trifosa e muitas outras.
Os discípulos também tinham as suas comunidades juntamente com outras
discípulas. Deduzimos que a comunidade de João fosse composta por um número
razoável de mulheres, pois as mulheres nas narrativas joaninas são apresentadas
como figuras fortes, carismáticas.
Conseguirá o Papa Francisco “refundar” o Cristianismo, como Jesus o criou?
[1] THEISSEN, Gerd. Sociologia del movimento de Jesús. Santader:
Sal Terrae, 1979. p. 7.
FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens
cristãs a partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p. 133.
[2] FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a
partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p. 133-136.
[3] STRÖHER, Marga J. “A igreja na cada dela”. São
Leopoldo: IEPG, 1996. p. 5.
[4] GASS, Ildo Bohn. Período grego e vida de Jesus. São
Paulo: Cebi/Paulus, 2005. p. 180.
[5] FIORENZA, Elisabeth Schüssler. As origens cristãs a
partir da mulher. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992. p. 209-212.
[6] BRANICK, Vincent. A igreja doméstica nos escritos
de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994. p. 51.
[7] Fox 1987, citado por STARK, Rodney. O crescimento
do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 113.
[8] STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo. São
Paulo: Paulinas, 2006. p. 120.
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