Frei Bento Domingues O.P. – 08/03/2015
– PÚBLICO
Desde há dois mil anos que os
cristãos confessam que o Domingo é a festa de Deus, nossa festa.
1. Sei que o título deste texto contraria a experiência
de muitos católicos que se confessam ”não praticantes”, precisamente porque o
velho preceito de assistir à Missa se lhes tornou impraticável. Um bom
passeio, uma prática desportiva, o contacto com a natureza, um convívio com
amigos, pelo bem que faz ao corpo e ao espírito, louva mais a Deus do que o
aborrecimento de uma Missa enfadonha. Se aquilo era a festa da fé, preferiam ir
ao café.
Apesar de tudo
isso e de muito mais, mantenho o título, porque julgo que a celebração cristã
do Domingo – se a comunidade celebrante encarnar e encenar hoje a significação
da sua origem e da sua verdade – torna-se um divino antidepressivo semanal, um
dispositivo contra o medo neste mundo carregado de ameaças e seguranças, um
belo processo de refazer a vida e enfrentar os desafios de uma nova semana.
Não digo
isto apenas porque os textos do domingo passado – o de S. Paulo, “se Deus está
por nós, quem será contra nós” (Rm 8,31-34) e o de S. Marcos, sobre a
transfiguração, quando Jesus se começa a sentir cercado (Mc 9, 2-10) – são
evidentes e poderosas fontes de energia espiritual.
Não alinho,
no entanto, com liturgias destinadas a provocar estados de descontrole emocional,
lavagens ao cérebro, simulações de curas milagrosas ou qualquer outra táctica
para atrair clientes. Não me parece que seja esse o bom caminho para acabar com
as missas consideradas uma seca, um aborrecimento ou um sacrifício inútil.
Como
Nietzsche observou, a questão de fundo é de ordem antropológica: O
cristianismo deu de beber veneno ao Eros, mas este não morreu, degenerou em
vício. Sem tentar saber o que é o ser humano, na sua complexidade e
unidade, interna e relacional, no seu devir no arquipélago das culturas, não
poderemos encontrar a linguagem simbólica que diga em cada tempo e em cada
povo, o mistério da Páscoa de Cristo, páscoa do mundo, nossa páscoa.
A ascese
culpabilizante esquece, como dizia Tomás de Aquino, que recrear-se no prazer é
uma virtude. Um cristão que não seja
capaz de se divertir com os outros e ser divertido, não é um virtuoso, é um
chato. Sem humor nem o amor tem graça.
Deveria ser
possível praticar as realidades mais sérias da fé com a inteligência do humor,
protecção contra o puritanismo. Quem toma tudo a sério e sobretudo quem se toma
muito a sério, pensa que a inteligência se deveria calar onde começa a piedade.
Contaram-me que um miúdo que acompanhava a avó à Missa, depois de comungar, ela
vinha tão constrangida, com um rosto de tanto sofrimento que o neto lhe
perguntava: “ó Avó, isso dói muito?”
2. Não estou
a defender missas engraçadas nem missas desgraçadas. São ambas depressivas. A
graçola não é a melhor linguagem litúrgica, embora não caia o Carmo e a
Trindade se, numa celebração, escorregar alguma expressão que não agrade a
todos os ouvidos. As comunidades não podem nem devem adoptar todas o mesmo
padrão. Seria negar as exigências da inculturação litúrgica. Não vejo mal
nenhum em que os católicos, quando isso é possível, possam escolher as
celebrações que sejam, para eles, as mais significativas e estimulantes. Todas,
porém, devem ser suficientemente abertas para não negarem a sua essência
cristã: serem família com quem não é da
família. Se recusamos uma sociedade de guetos, não a vamos consagrar na
missa. Investe-se muito dinheiro na construção de uma igreja ou de um espaço
para celebrar e cultivar a fé. Por vezes, onde não fazem falta e com gastos que
a estética de uma Igreja serva e pobre condena. Mas quanto é que se investe na formação dos católicos e na preparação
das celebrações, tendo em conta a qualidade dos textos, da música, da
comunicação e da partilha dos bens?
O Papa fala
muito contra o clericalismo. Os padres são poucos e não deixam ordenar as
mulheres. Não havendo boas soluções à vista, os clérigos têm tendência a
remediar-se chamando colaboradores e colaboradoras que os reproduzam,
esquecendo que os ministérios, sejam eles quais forem, não são para substituir,
mas para dinamizar toda a comunidade. A celebração é dela.
3. Quando
afirmo que a celebração de Domingo – a missa - é, por essência, antidepressiva,
não estou a situar-me no papel de psicólogo. Refiro-me a algo que pertence à
própria natureza da Pascoa semanal, à nascente da Fé cristã. Vejamos.
A condenação
de Jesus de Nazaré à morte – por crucifixão – e o silêncio de Deus deixaram os Apóstolos perdidos e sem
reacção, salvo as mulheres. As narrativas do NT são muito claras a esse
respeito. A belíssima peça literária – Os Discípulos de Emaús – uma espantosa
catequese das componentes estruturais do itinerário cristão, mostra que é à
volta da mesa, no partir do pão, na Eucaristia, que se revela, sem se ver, a
força antidepressiva da presença do Ressuscitado.
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