1. A família estável, no amor fiel e para sempre, é célula
de base da sociedade e da Igreja, valor essencial pelo qual vale a pena
bater-se, tanto mais quanto é o espaço ideal para ter filhos e educá-los,
porque ali se junta o afecto e a autoridade. A desestruturação da família
afunda a sociedade. Mas a vida é o que é. O próprio Papa Francisco, embora
evitando a palavra divórcio, veio reconhecer que a separação pode ser
"moralmente necessária". No caso da violência doméstica, por exemplo:
"Quando se trata de proteger o cônjuge mais frágil ou as crianças das feridas
mais graves causadas pela violência."
Há quem pretenda resolver o problema mediante a rapidez e a
simplificação nos processos de nulidade. Excelente medida, e Francisco acaba de
decretar nesse sentido. Mas não resolve tudo. Porque há casamentos válidos que,
por culpa de um ou do outro, por culpa dos dois ou de nenhum, simplesmente
fracassam. A realidade pessoal não é reificada, imóvel, mas dinâmica,
processual: somos sempre nós, mas em mudança, e frágeis. Lá está sempre Pascal:
"Ele já não é o mesmo, ela já não é a mesma; se fossem os mesmos, ainda se
amariam." E se, depois, refizerem a vida no amor e resolveram de modo
justo os problemas do casamento anterior e vivem na fé, na qual educam os
filhos, devem ser excluídos da comunhão na Eucaristia? Já aqui explicitei
suficientemente que não.
2. Mas há quem vá mais longe, de modo seriamente
argumentado. O teólogo José María Castillo, que estudou o assunto durante anos,
na companhia de outros teólogos, como pode ler-se na Civiltà Cattolica,
dos jesuítas, dirime a questão nestas três afirmações: "O Papa pode
admitir à Eucaristia os divorciados que voltam a casar-se"; "não é
doutrina de fé que o casamento cristão seja indissolúvel"; "o
divórcio era uma prática admitida na Igreja dos dez primeiros séculos".
Quanto ao casamento, é sabido que os cristãos, ao princípio,
seguiam os condicionamentos e costumes do mundo ambiente, sublinha o teólogo,
que vou seguir quase textualmente. Esta situação durou pelo menos até ao século
IV. Durante os dez primeiros séculos, não estava generalizada a ideia de que o
casamento fosse um sacramento. A teologia do casamento como sacramento foi
sendo elaborada nos séculos XI e XII, o que aparece em Pedro Lombardo e no
Decreto de Graciano, mas tanto Pedro Lombardo como Hugo de São Victor colocam o
núcleo do casamento não no rito sacramental, mas na "união dos
corações". Tudo isto explica a razão por que o papa Gregório II, em 726,
respondeu a uma pergunta do bispo São Bonifácio sobre o que devia fazer o marido
cuja mulher tinha caído doente e, por causa disso, não podia dar-lhe o débito
conjugal: "Seria bom que tudo continuasse na mesma e se entregasse à
abstinência. Mas como isto é de homens grandes, quem não se puder conter que
volte a casar-se; mas não deixe de ajudar economicamente a que caiu doente e
não ficou excluída por culpa detestável". Que o divórcio era prática
admitida na Igreja dos dez primeiros séculos consta numa resposta do papa
Inocêncio I a Probo. O que se passa é que durante este tempo a Igreja assumiu
como seu o direito romano, que Santo Isidoro, no Concílio de Sevilha, no ano
619, proclamou como lex mundialis (lei mundial); ora, no direito romano,
a dissolução do casamento era perfeitamente admitida. A doutrina do Concílio de
Trento sobre esta questão não é dogma de fé: o cânone 7 foi redigido de modo
moderado, considerando a Igreja Ortodoxa grega, que admitia o divórcio, coisa
que o Concílio não quis condenar.
3. Outros teólogos, como José Arregi ou Hans Küng, vieram
chamar a atenção para o Novo Testamento. Fosse qual fosse o ensinamento de
Jesus, o Evangelho de São Mateus (5, 32) reconhece pelo menos uma excepção na
proibição do divórcio: em caso de porneia (união ilegítima), seria legítimo
divorciar-se e voltar a casar-se. E São Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios
(7, 15), com o chamado "privilégio paulino", também reconhece que, no
caso de um casamento misto, se o não crente quiser separar-se, a parte crente
fica livre para voltar a casar-se. No quadro desta lógica, o Papa Francisco, no
seu recente motu proprio, apresenta como uma das causas de nulidade a
falta de fé, como sugerira Bento XVI. Pergunto: e a falta de amor, quando o
casamento se torna um inferno?
Sem comentários:
Enviar um comentário