“Amar até os inimigos”
O mandamento do amor ao próximo não era desconhecido antes de Jesus. De
facto, no Antigo Testamento nunca se havia pensado em amar a Deus nem se
interessar pelo próximo (1ª leitura). Nos Provérbios encontra-se até uma
passagem que ressoa quase com as mesmas palavras do mandamento de Cristo: “Se
teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber...” (Pr
25,21). Mas é necessário acrescentar que a frase surge ali inteiramente isolada
das demais.
Um mandamento
paradoxal
Na sua formulação, no seu conteúdo e na sua forte exigência, o mandamento
de Jesus é novo e revolucionário.
É novo pelo seu universalismo, pela sua extensão em sentido horizontal:
não conhece restrições de classe, não leva em conta excepções, limitações,
raça, religião; dirige-se ao homem na unidade e na igualdade da sua natureza. É
novo pela medida, pela intensidade, por sua dimensão vertical. A medida é dada
pelo próprio modelo que nos é apresentado: “Dou-vos um mandamento novo, que vos
ameis uns aos outros; como eu vos amei assim amai-vos uns aos outros” (Jo
13,34). A medida do nosso amor para com o próximo é, pois, o amor que Cristo
tem por nós; ou melhor, o mesmo amor que o Pai tem por Cristo: porque “Como o
Pai me amou, também eu vos amei” (Jo 15,9). Deus é amor (1Jo 4,16) e nisto se
manifestou o seu amor: ele amou-nos primeiro e enviou o seu Filho para expiar os
nossos pecados (1Jo 4,10).
É novo pelo motivo que nos propõe: amar por amor de Deus, pelas mesmas
finalidades de Deus; exclusivamente desinteressado; com amor puríssimo; sem
sombra de compensação (Mt 4,46). Amar-nos como irmãos, com um amor que procura
o bem daquele a quem amamos, não a nosso bem. Amar com Deus, que nos busca o
bem na pessoa a quem ama, mas cria nela o bem, amando-a.
É novo porque Cristo o eleva ao nível do próprio amor por Deus. Se a
concepção judaica podia deixar crer que o amor fraterno se põe no mesmo plano
dos outros mandamentos (Lv 19,18) a visão cristã dá-lhe um lugar central,
único. No Novo Testamento o amor do próximo está indissoluvelmente ligado ao
preceito do amor de Deus.
Temos inimigos a
perdoar?
“A fé... lembra ao cristão os mandamentos de Deus e proclama o espírito
das bem-aventuranças; convida a ser paciente e bondoso, a eliminar a inveja, o
orgulho, a maledicência, a violência; ensina a tudo crer, tudo esperar, tudo
sofrer, porque o amor nunca passará” (RdC47)
Mas insiste ainda: “Ama o teu inimigo... oferece a outra face... Não
pagues o mal com o mal”. Quantos cristãos fizeram da palavra de Jesus a lei da
sua vida! A história da Igreja está cheia de exemplos sublimes a este respeito:
pais que esquecem heroicamente ofensas recebidas dos filhos; esposos que
superam as ofensas e culpas; homens políticos que não conservam rancor pelas
calúnias, difamações, derrotas; operários que ajudam o companheiro de trabalho
que tentou arruiná-los, etc...
Não devemos
também pedir perdão?
Em nome da religião e de Cristo, os cristãos dividiram-se, dilacerando
assim o corpo de Cristo. Viram no irmão um inimigo, “excomungaram”-se reciprocamente,
chamando-se hereges, queimando livros e imagens... Derramou-se sangue, explodiu
ódio em guerras de religião. O orgulho, o desprezo e a falta de caridade
caracterizaram as diatribes teológicas e os escritos apologéticos. Os inimigos
de Deus, da Igreja, da religião foram combatidos com armas e com ódio.
Travaram-se lutas, organizaram-se cruzadas.
Hoje, a Igreja superou, ou encaminha-se par superar, muitas dessas
limitações. Não há mais hereges, mas irmãos separados; não há mais adversários,
mas interlocutores; não consideramos mais o que divide, mas antes de tudo o que
une; não condenamos em bloco e a priori as grandes religiões não cristãs, mas
nelas vemos autênticos valores humanos e pré-cristãos que nos permitem entrar
em diálogo.
Mas a intolerância e a polémica estão sempre de atalaia. Não estaremos
acaso usando, dentro da própria Igreja, aquela agressividade e polémica
excessivas que outrora usávamos com os de fora da Igreja? Quantos cristãos
engajados, uma vez faltando o alvo de fora, começaram a visar com “inimigos”
aos próprios irmãos na fé, e combatem-nos obstinadamente, sem amor e sem
perdão!
Como amar o
próximo?
O alcance e a raiz do amor vivido e ensinado por Jesus é explicado dentro
do Sermão da Montanha proferido por Ele e apresentado em São Mateus 5,38-48 é
um amor que não pode ficar reservado ao círculo dos mais próximos, àqueles de
nosso grupo ou os que nos amam, mas que deve atingir inclusive os inimigos. É
um amor sem fronteiras e somente pode ser entendido como expressão do amor de
Deus, que é para todos.
Os discípulos devem amar dessa forma porque é assim que Deus nos ama.
Esse será o seu sinal característico.
As palavras finais SEDE PERFEITOS, ASSIM COMO VOSSO PAI CELESTE É
PERFEITO, resumem de uma forma magnífica o ensinamento contido no discurso que
Jesus Cristo faz usando antíteses: TENDES OUVIDO O QUE FOI DITO, EU, PORÉM, VOS
DIGO.
É a motivação mais radical de nova interpretação da Lei de Moisés
proposta por Jesus como norma de vida para o cristão: os discípulos devem viver
com o olhar voltado para Deus, pois foram chamados a manifestar na sua vida a
perfeição de Deus, cuja expressão mais perfeita é o amor incondicional a todos.
A maior justiça proposta por Jesus exige de nós, cristãos, a superação do
egoísmo de grupos e classes. Só é possível atingir tal objectivo se tivermos um
relacionamento positivo com a pessoa do outro, por meio de actos concretos.
LEITURA I – Lev 19,
1-2.17-18
“Amarás o
teu próximo como a ti mesmo”
TNa
leitura do Evangelho, continuamos a ler o sermão da montanha: o Senhor continua
a expor a novidade da Nova Aliança, do Testamento Novo. A passagem de hoje põe,
uma vez mais, em relevo a caridade para com o próximo. Mas este era já
mandamento de Deus no Antigo Testamento, como bem o mostra esta leitura. Na
verdade, quem faz a ligação e até a unidade dos dois Testamentos é Deus, que é
sempre o mesmo. Ele é Santo, o Santo por excelência; por isso, não admira que
desde sempre e para sempre Deus proponha aos homens o mandamento do amor mútuo,
sinal daquele amor com que Ele sempre amou todos os homens.
Leitura do
Livro do Levítico
“O Senhor
dirigiu-Se a Moisés nestes termos: «Fala a toda a comunidade dos filhos de
Israel e diz-lhes: ‘Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo’.
Não odiarás do íntimo do coração os teus irmãos, mas corrigirás o teu próximo,
para não incorreres em falta por causa dele. Não te vingarás, nem guardarás
rancor contra os filhos do teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu
sou o Senhor».”
Palavra do Senhor
LEITURA II – 1 Cor 3, 16-23
“Tudo
é vosso; vós sois de Cristo; Cristo é de Deus”
A
fé cristã faz nascer no crente uma forma nova de sabedoria, que não tem nada a
ver com a sabedoria do mundo. A sabedoria que vem de Cristo leva-nos a olhar
para tudo e para todos como Deus olha, e de tudo e de todos sabe fazer a
unidade. Deus é uno, e a todos quer reconduzir à unidade por Cristo. Assim como
pelo Verbo de Deus tudo foi chamado à existência, assim pelo Verbo feito homem,
por Cristo, tudo é chamado à unidade.
Leitura da
Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
“Irmãos: Não
sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se
alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é
santo, e vós sois esse templo. Ninguém tenha ilusões. Se alguém entre vós se
julga sábio aos olhos do mundo, faça-se louco, para se tornar sábio. Porque a
sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus, como está escrito: «Apanharei
os sábios na sua própria astúcia». E ainda: «O Senhor sabe como são vãos os
pensamentos dos sábios». Por isso, ninguém deve gloriar-se nos homens. Tudo é
vosso: Paulo, Apolo e Pedro, o mundo, a vida e a morte, as coisas presentes e
as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus.”
Palavra do Senhor
EVANGELHO – Mt 5, 38-48
“Amai os vossos inimigos”
A
Boa Nova, o Evangelho, que o Filho de Deus nos revelou, é o ponto mais alto
aonde a palavra de Deus guiou os homens. Tudo o que antes dessa Boa Nova foi
dito encaminhava-se para a revelação que o Evangelho do Senhor Jesus nos
manifestou. Se o Antigo Testamento nos ensinava a amar os amigos, o Novo
Testamento vai mais longe e ensina-nos a amar até os inimigos. É assim que se
ama como Ele nos amou; e será ao reconhecerem o amor de Deus no nosso coração
que os outros serão levados a amá-l’O também.
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
“Naquele
tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Ouvistes que foi dito aos antigos:
‘Olho por olho e dente por dente’. Eu, porém, digo-vos: Não resistais ao homem
mau. Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda. Se
alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua túnica, deixa-lhe
também o manto. Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha,
acompanha-o durante duas. Dá a quem te pedir e não voltes as costas a quem te
pede emprestado. Ouvistes que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu
inimigo’. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que
vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus; pois Ele faz
nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos. Se amardes
aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem a mesma coisa os
publicanos? E se saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis de
extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos, como o
vosso Pai celeste é perfeito».”
Palavra da Salvação
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