sábado, 18 de fevereiro de 2017

UM MANDAMENTO PARADOXAL



Amar até os inimigos

O mandamento do amor ao próximo não era desconhecido antes de Jesus. De facto, no Antigo Testamento nunca se havia pensado em amar a Deus nem se interessar pelo próximo (1ª leitura). Nos Provérbios encontra-se até uma passagem que ressoa quase com as mesmas palavras do mandamento de Cristo: “Se teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber...” (Pr 25,21). Mas é necessário acrescentar que a frase surge ali inteiramente isolada das demais.

Um mandamento paradoxal
Na sua formulação, no seu conteúdo e na sua forte exigência, o mandamento de Jesus é novo e revolucionário.
É novo pelo seu universalismo, pela sua extensão em sentido horizontal: não conhece restrições de classe, não leva em conta excepções, limitações, raça, religião; dirige-se ao homem na unidade e na igualdade da sua natureza. É novo pela medida, pela intensidade, por sua dimensão vertical. A medida é dada pelo próprio modelo que nos é apresentado: “Dou-vos um mandamento novo, que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei assim amai-vos uns aos outros” (Jo 13,34). A medida do nosso amor para com o próximo é, pois, o amor que Cristo tem por nós; ou melhor, o mesmo amor que o Pai tem por Cristo: porque “Como o Pai me amou, também eu vos amei” (Jo 15,9). Deus é amor (1Jo 4,16) e nisto se manifestou o seu amor: ele amou-nos primeiro e enviou o seu Filho para expiar os nossos pecados (1Jo 4,10).
É novo pelo motivo que nos propõe: amar por amor de Deus, pelas mesmas finalidades de Deus; exclusivamente desinteressado; com amor puríssimo; sem sombra de compensação (Mt 4,46). Amar-nos como irmãos, com um amor que procura o bem daquele a quem amamos, não a nosso bem. Amar com Deus, que nos busca o bem na pessoa a quem ama, mas cria nela o bem, amando-a.
É novo porque Cristo o eleva ao nível do próprio amor por Deus. Se a concepção judaica podia deixar crer que o amor fraterno se põe no mesmo plano dos outros mandamentos (Lv 19,18) a visão cristã dá-lhe um lugar central, único. No Novo Testamento o amor do próximo está indissoluvelmente ligado ao preceito do amor de Deus.

Temos inimigos a perdoar?
“A fé... lembra ao cristão os mandamentos de Deus e proclama o espírito das bem-aventuranças; convida a ser paciente e bondoso, a eliminar a inveja, o orgulho, a maledicência, a violência; ensina a tudo crer, tudo esperar, tudo sofrer, porque o amor nunca passará” (RdC47)
Mas insiste ainda: “Ama o teu inimigo... oferece a outra face... Não pagues o mal com o mal”. Quantos cristãos fizeram da palavra de Jesus a lei da sua vida! A história da Igreja está cheia de exemplos sublimes a este respeito: pais que esquecem heroicamente ofensas recebidas dos filhos; esposos que superam as ofensas e culpas; homens políticos que não conservam rancor pelas calúnias, difamações, derrotas; operários que ajudam o companheiro de trabalho que tentou arruiná-los, etc...

Não devemos também pedir perdão?
Em nome da religião e de Cristo, os cristãos dividiram-se, dilacerando assim o corpo de Cristo. Viram no irmão um inimigo, “excomungaram”-se reciprocamente, chamando-se hereges, queimando livros e imagens... Derramou-se sangue, explodiu ódio em guerras de religião. O orgulho, o desprezo e a falta de caridade caracterizaram as diatribes teológicas e os escritos apologéticos. Os inimigos de Deus, da Igreja, da religião foram combatidos com armas e com ódio. Travaram-se lutas, organizaram-se cruzadas.
Hoje, a Igreja superou, ou encaminha-se par superar, muitas dessas limitações. Não há mais hereges, mas irmãos separados; não há mais adversários, mas interlocutores; não consideramos mais o que divide, mas antes de tudo o que une; não condenamos em bloco e a priori as grandes religiões não cristãs, mas nelas vemos autênticos valores humanos e pré-cristãos que nos permitem entrar em diálogo.
Mas a intolerância e a polémica estão sempre de atalaia. Não estaremos acaso usando, dentro da própria Igreja, aquela agressividade e polémica excessivas que outrora usávamos com os de fora da Igreja? Quantos cristãos engajados, uma vez faltando o alvo de fora, começaram a visar com “inimigos” aos próprios irmãos na fé, e combatem-nos obstinadamente, sem amor e sem perdão!

Como amar o próximo?
O alcance e a raiz do amor vivido e ensinado por Jesus é explicado dentro do Sermão da Montanha proferido por Ele e apresentado em São Mateus 5,38-48 é um amor que não pode ficar reservado ao círculo dos mais próximos, àqueles de nosso grupo ou os que nos amam, mas que deve atingir inclusive os inimigos. É um amor sem fronteiras e somente pode ser entendido como expressão do amor de Deus, que é para todos.
Os discípulos devem amar dessa forma porque é assim que Deus nos ama. Esse será o seu sinal característico.
As palavras finais SEDE PERFEITOS, ASSIM COMO VOSSO PAI CELESTE É PERFEITO, resumem de uma forma magnífica o ensinamento contido no discurso que Jesus Cristo faz usando antíteses: TENDES OUVIDO O QUE FOI DITO, EU, PORÉM, VOS DIGO.
É a motivação mais radical de nova interpretação da Lei de Moisés proposta por Jesus como norma de vida para o cristão: os discípulos devem viver com o olhar voltado para Deus, pois foram chamados a manifestar na sua vida a perfeição de Deus, cuja expressão mais perfeita é o amor incondicional a todos. A maior justiça proposta por Jesus exige de nós, cristãos, a superação do egoísmo de grupos e classes. Só é possível atingir tal objectivo se tivermos um relacionamento positivo com a pessoa do outro, por meio de actos concretos.



LEITURA I – Lev 19, 1-2.17-18

Amarás o teu próximo como a ti mesmo

TNa leitura do Evangelho, continuamos a ler o sermão da montanha: o Senhor continua a expor a novidade da Nova Aliança, do Testamento Novo. A passagem de hoje põe, uma vez mais, em relevo a caridade para com o próximo. Mas este era já mandamento de Deus no Antigo Testamento, como bem o mostra esta leitura. Na verdade, quem faz a ligação e até a unidade dos dois Testamentos é Deus, que é sempre o mesmo. Ele é Santo, o Santo por excelência; por isso, não admira que desde sempre e para sempre Deus proponha aos homens o mandamento do amor mútuo, sinal daquele amor com que Ele sempre amou todos os homens.

Leitura do Livro do Levítico
“O Senhor dirigiu-Se a Moisés nestes termos: «Fala a toda a comunidade dos filhos de Israel e diz-lhes: ‘Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo’. Não odiarás do íntimo do coração os teus irmãos, mas corrigirás o teu próximo, para não incorreres em falta por causa dele. Não te vingarás, nem guardarás rancor contra os filhos do teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor».”
Palavra do Senhor

LEITURA II – 1 Cor 3, 16-23

Tudo é vosso; vós sois de Cristo; Cristo é de Deus

A fé cristã faz nascer no crente uma forma nova de sabedoria, que não tem nada a ver com a sabedoria do mundo. A sabedoria que vem de Cristo leva-nos a olhar para tudo e para todos como Deus olha, e de tudo e de todos sabe fazer a unidade. Deus é uno, e a todos quer reconduzir à unidade por Cristo. Assim como pelo Verbo de Deus tudo foi chamado à existência, assim pelo Verbo feito homem, por Cristo, tudo é chamado à unidade.

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
“Irmãos: Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo, e vós sois esse templo. Ninguém tenha ilusões. Se alguém entre vós se julga sábio aos olhos do mundo, faça-se louco, para se tornar sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus, como está escrito: «Apanharei os sábios na sua própria astúcia». E ainda: «O Senhor sabe como são vãos os pensamentos dos sábios». Por isso, ninguém deve gloriar-se nos homens. Tudo é vosso: Paulo, Apolo e Pedro, o mundo, a vida e a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus.”
Palavra do Senhor

EVANGELHO – Mt 5, 38-48

Amai os vossos inimigos

A Boa Nova, o Evangelho, que o Filho de Deus nos revelou, é o ponto mais alto aonde a palavra de Deus guiou os homens. Tudo o que antes dessa Boa Nova foi dito encaminhava-se para a revelação que o Evangelho do Senhor Jesus nos manifestou. Se o Antigo Testamento nos ensinava a amar os amigos, o Novo Testamento vai mais longe e ensina-nos a amar até os inimigos. É assim que se ama como Ele nos amou; e será ao reconhecerem o amor de Deus no nosso coração que os outros serão levados a amá-l’O também.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Olho por olho e dente por dente’. Eu, porém, digo-vos: Não resistais ao homem mau. Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda. Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, acompanha-o durante duas. Dá a quem te pedir e não voltes as costas a quem te pede emprestado. Ouvistes que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus; pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos. Se amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem a mesma coisa os publicanos? E se saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito».”
Palavra da Salvação



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