(II Domingo da Quaresma, 21 de
Fevereiro de 2016)
“A Glória do Filho de Deus”
Lucas apresenta Jesus
rezando continuamente (5,16; 6,12; 9,18). Com isso o evangelista mostra que
Jesus, através de sua palavra e acção, está a realizar a vontade do Pai. Na
transfiguração aparece claramente esse sentido da oração. É a vontade do Pai que
Jesus realize o êxodo, isto é, que ele realize, mediante a sua morte,
ressurreição e ascensão, o acto supremo de libertação do povo, acabando com a
opressão exercida pelo sistema implantado em Jerusalém. A transfiguração forma
um fascinante contraste com a mensagem de sofrimento e humilhação. Como sempre
acontece na tradição evangélica, é preciso manter unidos os dois extremos a fim
de aceitar Jesus como ele é, Filho do Homem e Filho de Deus. Diversos detalhes
lembram a experiência de Deus no Sinai: Moisés, o topo da montanha, a nuvem (Ex
24,9-19). Jesus é visto como Filho de Deus na sua glória celestial. O “aspecto
do seu rosto mudou”, como ele mudará no seu corpo glorificado pela ressurreição
(Mc 16,12). Com ele aparecem duas importantes figuras do Antigo Testamento,
Moisés – o Legislador –, e Elias – o Profeta. Eles são um sinal de que Jesus
satisfará as expectativas do povo hebreu. De facto, falam com ele sobre o seu
êxodo, a sua morte, a ressurreição e, na teologia de Lucas, em especial a sua
ascensão, que ia “realizar-se” em Jerusalém. O comportamento dos três
discípulos íntimos desaponta-nos. Eles adormecem, como fará mais tarde num
momento decisivo. Confrontando com a glória divina, Pedro não chama Jesus pelo
título de “Senhor”, que o identifica adequadamente como o Salvador, a fala sem
coerência sobre erguer tendas terrenas para os seres celestiais. A revelação
culmina com a voz proveniente das nuvens, como no baptismo de Jesus. Ele é o
Filho de Deus, escolhido por Deus (Sl 2,7; Is 42,1). A admoestação “ouvi-o!”
salienta a importância daquilo que Jesus tem dito sobre a sua missão e a
natureza do discipulado. A cena da Transfiguração é narrada pelos três
evangelistas. A narrativa é feita num estilo apocalíptico, também presente nas
narrativas do baptismo e da crucifixão de Jesus. Este estilo caracteriza-se por
fenómenos espantosos, abalos da natureza, nuvens e voz celestial, que indicam a
presença e comunicação de Deus. Com isto, na Transfiguração fica confirmada a
filiação divina de Jesus e seu carácter de enviado para anunciar e instruir a
todos. Moisés, representante da Lei, e Elias, representante do profetismo,
haviam subido à montanha ao encontro de Deus. Agora, estando Jesus no alto da
montanha a orar, Moisés e Elias vão a ele. O ponto alto é a voz que proclama:
"Este é o meu filho, o Eleito. Escutai-o". Do ponto de vista de uma
interpretação messiânica escatológica, a Transfiguração seria o prenúncio da
ressurreição, como coroação dos sofrimentos de Jesus na sua Paixão. Sob outro
ponto de vista, a Transfiguração revela a condição divina de Jesus de Nazaré,
filho de Maria, na simplicidade de seu convívio entre nós. Os discípulos devem
ver em Jesus a nova condição humana glorificada pela encarnação do Filho de
Deus. Não se trata de esperar um messias poderoso, mas, sim, de reencontrar a
dignidade e a grandeza da condição humana, em tudo que ela tem de justo, bom e
verdadeiro. Ao entrarmos em comunhão de amor com Jesus e com o próximo, Deus é
glorificado e é-nos comunicada a sua vida divina e eterna.
LEITURA I – Gen 15,
5-12.17-18
“Deus
estabelece a aliança com Abraão”
Toda
a história da salvação, desde o princípio até ao fim dos tempos, não é outra
coisa senão o estabelecimento de uma aliança entre Deus e os homens, aliança
que é oferta gratuita de Deus e que há-de ser aceitação humilde e agradecida da
parte do homem. Mas há momentos mais significativos no estabelecimento desta
aliança. Um deles, que é o seu ponto de partida mais explícito, é o da Aliança
com Abraão, o crente por excelência, que, pela fé, se entrega totalmente à
palavra de Deus. Nesta leitura, a aliança é significada por meio de um antigo
rito: os animais oferecidos e esquartejados são o gesto do homem e o fogo que passa
pelo meio deles é sinal da presença de Deus. Assim, de aliança em aliança, nos
encaminhamos para a celebração da nova e eterna aliança na Páscoa do Senhor.
Leitura do
Livro do Génesis
“Naqueles
dias, Deus levou Abrão para fora de casa e disse-lhe: «Olha para o céu e conta
as estrelas, se as puderes contar». E acrescentou: «Assim será a tua
descendência». Abraão acreditou no Senhor, o que lhe foi atribuído como
justiça. Disse-lhe Deus: «Eu sou o Senhor que te mandou sair de Ur dos caldeus,
para te dar a posse desta terra». Abraão perguntou: «Senhor, meu Deus, como
saberei que a vou possuir?». O Senhor respondeu-lhe: «Toma uma vitela de três
anos, uma cabra de três anos e um carneiro de três anos, uma rola e um
pombinho». Abraão foi buscar todos esses animais, cortou-os ao meio e pôs cada
metade em frente da outra metade; mas não cortou as aves. Os abutres desceram
sobre os cadáveres, mas Abraão pô-los em fuga. Ao pôr-do-sol, apoderou-se de
Abraão um sono profundo, enquanto o assaltava um grande e escuro terror. Quando
o sol desapareceu e caíram as trevas, um brasido fumegante e um archote de fogo
passaram entre os animais cortados. Nesse dia, o Senhor estabeleceu com Abraão
uma aliança, dizendo: «Aos teus descendentes darei esta terra, desde o rio do
Egipto até ao grande rio Eufrates».”
Palavra do Senhor
LEITURA II – Filip 3, 17 –
4,1
“Cristo
nos transformará à imagem do seu corpo glorioso”
Cristo
glorioso é o termo de toda a história humana, o objecto da esperança de toda a
nossa vida e a meta para onde se orienta o nosso itinerário quaresmal. Ao tempo
da ascese difícil e dolorosa na subida, que acompanha a vida que vivemos neste
corpo mortal, responde a vida gloriosa, que já se manifesta no Corpo do Senhor
transfigurado. Mas o caminho e a porta da glória passa pela Cruz.
Leitura da
Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
“Irmãos: Sede
meus imitadores e ponde os olhos naqueles que procedem segundo o modelo que
tendes em nós. Porque há muitos, de quem tenho falado várias vezes e agora falo
a chorar, que procedem como inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a
perdição: têm por deus o ventre, orgulham-se da sua vergonha e só apreciam as
coisas terrenas. Mas a nossa pátria está nos Céus, donde esperamos, como
Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo miserável, para
o tornar semelhante ao seu corpo glorioso, pelo poder que Ele tem de sujeitar a
Si todo o universo. Portanto, meus amados e queridos irmãos, minha alegria e
minha coroa, permanecei firmes no Senhor.”
Palavra do Senhor
EVANGELHO – Lc 9, 28b-36
“Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto”
A
Transfiguração aparece todos os anos no Segundo Domingo da Quaresma, como
anúncio da Ressurreição, de modo que, ao longo deste tempo de preparação
pascal, estejamos bem conscientes de que o termo, para onde caminhamos, é Jesus
ressuscitado. A Transfiguração, lida neste Domingo depois do Domingo da
Tentação, faz com ela uma espécie de preâmbulo, antes de chegarmos à parte
central da Quaresma. Mortificação e glorificação, tentação e glória, morte e
ressurreição, são de facto, a síntese do mistério pascal que vamos celebrar.
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Naquele
tempo, Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar.
Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto e as suas vestes ficaram de
uma brancura refulgente. Dois homens falavam com Ele: eram Moisés e Elias, que,
tendo aparecido em glória, falavam da morte de Jesus, que ia consumar-se em
Jerusalém. Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando,
viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando estes se
iam afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos
três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Não sabia o
que estava a dizer. Enquanto assim falava, veio uma nuvem que os cobriu com a
sua sombra; e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem. Da nuvem saiu
uma voz, que dizia: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O». Quando a voz
se fez ouvir, Jesus ficou sozinho. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles
dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.”
Palavra da Salvação
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