(V Domingo da Quaresma, 13 de
Março de 2016)
“Condenada ao
apedrejamento”
“Enviais vosso Espírito e tudo é
criado e renovais a face da terra” (Sl 103,30); “Criai em mim, ó Deus, um
coração puro, renovai em mim um espírito firme” (Si 50,12); é a oração de todos
nós, que desejamos ser diferentes, tornarmo-nos melhores. O desejo de mudar de actividade,
de casa, de vestes, oculta a vontade de mudarmos a nós mesmos juntamente com o objecto
dos nossos desejos. No entanto, cristãos de nascimento, tão habituados a este
nome, custamos a perceber a novidade radical em que nos introduz a fé em Jesus
Cristo. A salvação trazida por Cristo apresenta-se com um carácter de “novidade”
com a qual jamais nos deveríamos habituar.
A novidade de vida é um dom
Uma afirmação muito repetida, mas que
não perde a eficácia: não basta observar a lei para ser justo diante de Deus. O
fariseu observante não pode atirar a pedra contra a adúltera, como não pode
fazê-lo o cristão praticante. E o quadro termina por inverter-se; onde há
miséria, uma pessoa curvada sob o peso de suas culpas, aí é que se faz o dom de
uma “vida nova”, de salvação (evangelho). Salvação gratuita para a adúltera e
salvação inesperada para um povo humilhado na deportação forçada. “Eis que vou
realizar uma coisa nova: já desponta... traçarei no deserto uma estrada, farei
nascer rios na terra árida” (1ª leitura). Para o israelita deportado e
desanimado era difícil esperar ainda, mas a palavra do profeta estimula a
descobrir nos últimos acontecimentos a intervenção de Deus, que está para
realizar uma coisa nova; o passado e a própria libertação do Egipto serão
superados pela nova realidade. Esta acção criadora de Deus, que reaviva o que é
deserto e faz jorrar águas abundantes do solo árido, torna-se realidade no
encontro com o Cristo. Jesus é aquele que das trevas faz surgir o universo de
luz, de uma pecadora adúltera faz uma mulher que crê, com uma massa de
pecadores constrói o seu povo, a Igreja. A frase “não peques mais” (evangelho)
é palavra de libertação e de novidade. Lembra a passagem do mundo do mal para
um mundo novo pela força de Cristo. Cumulando a nossa esperança para além de
toda a expectativa, Jesus formou a família de Deus, em que todos os homens
entram como filhos. Ele é o primogénito do Reino, que veio para abrir-nos o caminho,
indicar-nos o itinerário de novidade que leva à felicidade.
Vida nova é optar por morrer
Somos o povo que Deus formou para si,
porque Deus irrigou com a sua água o deserto da nossa vida (1ª leitura). A
adúltera é a Igreja. A água do baptismo é novidade de vida. E Cristo repete-nos:
“Vai e de agora em diante não peques mais”; viver o próprio baptismo, pelo qual
fomos unidos a Cristo, é, para Paulo, sacrificar tudo para ganhar a Cristo.
Participar do seu sofrimento, tornarmo-nos conformes a sua morte, para alcançar
a ressurreição dos mortos, experimentando a força da sua ressurreição. A opção
pelo caminho do próprio fracasso torna-se opção pela ressurreição.
Lançar a pedra é fácil
O “farisaísmo” é a doença de quem não
se olha ao espelho. Todo rosto tem rugas, e por detrás de uma fachada
restaurada ocultam-se manchas escuras.
Entretanto, em todos nós existe o
sentimento de culpa. Existe um sentimento de culpa exacerbado, resultado de um
formalismo legalista, de aspectos inconscientes, de educação ilusória. Mas há
também um sentimento de culpa que põe o dedo na chaga. As chagas ardem e causam
nojo; também aquelas que comprometem toda a sociedade. A prostituição, a
delinquência juvenil, a droga, as mães solteiras. Há as responsabilidades
pessoais de quem se deixa explorar e há a responsabilidade de quem explora; é
uma sociedade sem valores. Também a nós faltam os valores, mas é mais cómodo
libertar-se dessa crise de valores procurando bodes expiatórios. E é fácil
encontrá-los. A satisfação de lançar a pedra faz-nos esquecer quem somos, liberta-nos
da nossa responsabilidade e do sentimento de culpa. Assim, fazem-se campanhas
contra a prostituição, para que as ruas estejam “limpas”; marginalizam-se os
drogados, para que não possam censurar a nossa inutilidade. Fazem-se casas de correcção,
para dizermos a nós mesmos que fazemos o possível. Escondemos o espelho para
não vermos mais o nosso rosto, e assim pensamos estar limpos.
Mas não há apenas esse farisaísmo em
grande escala. A satisfação de poder dizer que não somos como a vizinha, ou
como o colega de trabalho, é coisa de todos os dias, ou como quando, voltando
da missa de Domingo, olhamos com desconfiança para aquele que só tem recebido
da vida situações humilhantes ou que continua a pagar na solidão os erros da
sua vida. O desprezo que lhes tributamos é, para Cristo, acusação contra nós, e
o seu sofrimento torna-se sofrimento de Cristo.
LEITURA I – Is 43, 16-21
“Vou
realizar uma coisa nova: matarei a sede ao meu povo”
A
história da salvação acompanha todos os tempos e o que Deus fez, no passado em
favor do seu povo, continua a fazê-lo no presente. Nesta leitura, o Profeta,
que anuncia o regresso do exílio, onde o povo de Deus esteve em cativeiro, quer
fazer sentir que o que vai agora acontecer não é menos admirável do que o que
tinha acontecido na Páscoa antiga, quando o povo saiu do Egipto. Quanto mais
admirável não é o que Deus faz agora por nós em Jesus Cristo!
Leitura do
Livro de Isaías
“O Senhor
abriu outrora caminhos através do mar, veredas por entre as torrentes das
águas. Pôs em campanha carros e cavalos, um exército de valentes guerreiros; e
todos caíram para não mais se levantarem, extinguiram-se como um pavio que se
apaga. Eis o que diz o Senhor: «Não vos lembreis mais dos acontecimentos
passados, não presteis atenção às coisas antigas. Olhai: vou realizar uma coisa
nova, que já começa a aparecer; não a vedes? Vou abrir um caminho no deserto,
fazer brotar rios na terra árida. Os animais selvagens – chacais e avestruzes –
proclamarão a minha glória, porque farei brotar água no deserto, rios na terra
árida, para matar a sede ao meu povo escolhido, o povo que formei para Mim e
que proclamará os meus louvores».”
Palavra do Senhor
LEITURA II – Filip 3, 8-14
“Por
Cristo, considerei todas as coisas como prejuízo, configurando-me à sua morte”
Esta
leitura liga-se hoje à anterior: é em Cristo que vamos encontrar completamente
realizado o momento culminante e a plenitude da história da salvação, é n’Ele
que a Lei e os Profetas encontram a realização perfeita, é para Ele que toda a
história anterior apontava, e sem Ele nada tem sentido. Quem assim o entender,
como S. Paulo o entendeu, há-de considerar a participação no mistério da Páscoa
do Senhor como a maior graça de Deus.
Leitura da
Segunda Epístola do apóstolo S. Paulo aos Filipenses
“Irmãos:
Considero todas as coisas como prejuízo, comparando-as com o bem supremo, que é
conhecer Jesus Cristo, meu Senhor. Por Ele renunciei a todas as coisas e
considerei tudo como lixo, para ganhar a Cristo e n’Ele me encontrar, não com a
minha justiça que vem da Lei, mas com a que se recebe pela fé em Cristo, a
justiça que vem de Deus e se funda na fé. Assim poderei conhecer Cristo, o
poder da sua ressurreição e a participação nos seus sofrimentos,
configurando-me à sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição dos
mortos. Não que eu tenha já chegado à meta, ou já tenha atingido a perfeição.
Mas continuo a correr, para ver se a alcanço, uma vez que também fui alcançado
por Cristo Jesus. Não penso, irmãos, que já o tenha conseguido. Só penso numa
coisa: esquecendo o que fica para trás, lançar-me para a frente, continuar a
correr para a meta, em vista do prémio a que Deus, lá do alto, me chama em
Cristo Jesus.”
Palavra do Senhor
EVANGELHO – Jo 8, 1-11
“Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra”
A
novidade que Deus oferece ao mundo em Jesus Cristo não aparece à custa da
destruição do que anteriormente existiu. A graça não vem à custa da morte do
pecador. É a partir da história dos homens pecadores que Deus vai fazer surgir
a história da salvação, que os há-de renovar. É na mulher pecadora que Jesus
faz brilhar a luz nova da sua graça. Envelhecida pelo pecado, torna-se, pelo
poder do Senhor, nova criatura.
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
“Naquele
tempo, Jesus foi para o monte das Oliveiras. Mas de manhã cedo, apareceu outra
vez no templo e todo o povo se aproximou d’Ele. Então sentou-Se e começou a
ensinar. Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus uma mulher surpreendida
em adultério, colocaram-na no meio dos presentes e disseram a Jesus: «Mestre,
esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Na Lei, Moisés mandou-nos
apedrejar tais mulheres. Tu que dizes?». Falavam assim para Lhe armarem uma
cilada e terem pretexto para O acusar. Mas Jesus inclinou-Se e começou a
escrever com o dedo no chão. Como persistiam em interrogá-l’O, ergueu-Se e
disse-lhes: «Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra».
Inclinou-Se novamente e continuou a escrever no chão. Eles, porém, quando
ouviram tais palavras, foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos,
e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio. Jesus ergueu-Se e disse-lhe:
«Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?». Ela respondeu: «Ninguém,
Senhor». Disse então Jesus: «Nem Eu te condeno. Vai e não tornes a pecar».”
Palavra da Salvação
Sem comentários:
Enviar um comentário