(IV Domingo da Quaresma, 6 de
Março de 2016)
“Um pai espera
a volta do filho”
Não e fácil aceitarmo-nos como
pecadores. Em geral tentamos recusá-lo, e alguns acreditam que o conseguem;
mas, de repente, sentimos, na nossa vida e na do mundo que nos cerca, uma
profunda culpabilidade; guerras e exploração, ódio racial e fome, incapacidade
de sermos nós mesmos, de amar o outro desinteressadamente, de perdoar o cônjuge
ou o filho. Uma história de fragilidade, de miséria, de pecado. Pecados
pessoais e pecados de um povo.
À luz da fé, o pecado do homem surge
sobretudo como uma recusa de amor, um afastamento da corrente do amor de que
Deus é a fonte. Mas, Deus manifesta-se infinitamente maior do que a recusa que
lhe opomos; vai ao encontro do homem mesmo ao seu pecado; perdoando, vence o
ódio e dá início à história da misericórdia.
Veio buscar o que estava perdido
Jesus dá início a uma nova e singular
história de perdão; Deus, que perdoa o homem com a encarnação do Filho. O Baptista
anuncia sua vinda, convidando à conversão em previsão do severo juízo que está
para cair sobre toda a humanidade. Mas, quando Jesus vem, declara não ter vindo
para condenar o mundo, e sim para salvá-lo" (JO 12,47); declara ter vindo
não para os que se crêem justos, mas para os pecadores que se arrependem (2ª
leitura).
Procura-os como o pastor vai atrás da
ovelha desgarrada, ou a mulher procura a dracma perdida. Os privilegiados da
misericórdia, os preferidos de Jesus, são os pobres, as mulheres abandonadas,
os estrangeiros, isto é, os marcados por uma interdição e repelidos pela
sociedade. Para Jesus, o filho pródigo é sempre esperado. Essa atitude provoca
o espanto e a indignação dos fariseus e de certos “justos” incapazes de
ultrapassar a justiça, semelhantes ao filho mais velho (evangelho), invejando a
bondade do pai para com o irmão mais novo. Toda a vida de Cristo, especialmente
a sua morte na cruz, foi expressão de uma misericórdia sem limites. A história
do perdão, começada com Jesus, continua na Igreja que é “sacramento de salvação”.
O perdão divino continua a exercer-se nela por iniciativa e vontade de Deus e
pelo poder que lhe deu Cristo: perdoar é assim ajudar a humanidade a
encontrar-se com Deus.
O irmão não queria entrar
Não basta ter permanecido sempre na
casa do pai para participar do banquete; é preciso saber perdoar. Não basta
nada ter feito de reprovável; é necessário também esperar e desejar a vinda
daquele que se afastara de casa. Não basta ter observado as leis da Igreja e do
Estado, ter trabalhado sempre por um mundo mais justo; não basta tão-pouco que
os países ricos peçam justamente perdão às populações subdesenvolvidas, por terem-nas,
talvez inconscientemente, explorado. Devemos ser capazes de perdoar a quem
caiu. Nós, ao contrário, expulsamos de casa a filha que se comportou mal,
guardamos rancor contra o filho que se casou contra a nossa vontade, alimentamos
nossa aversão pelo marido que gasta no bar o que ganha etc. Consideramo-nos
justos, queremos sê-lo, mas talvez invejemos os que erram e nos aborreçamos por
ficar sempre em casa. E quando percebemos que o Pai está do lado daquele que
caiu, que o tem sempre no coração, que o espera e, quando volta, prepara-lhe
uma festa, parece-nos que isto é demais; onde está a justiça do Pai? Então
ficamos com raiva e não queremos participar do banquete, do qual, aliás, já nos
havíamos excluído. A Igreja não é a comunidade dos que não erram, dos que não
caem, mas dos pecadores que querem voltar ao Pai, sem pretensões; a comunidade
dos que compreendem o outro e, se este cai, o ajudam a retomar o caminho
juntos.
Assembleia eucarística, lugar do perdão
Uma concepção demasiadamente parcial
do encontro homem-Deus levou-nos a restringir indevidamente o lugar do perdão
cristão unicamente ao sacramento da penitência. Entretanto, toda a vez que há
uma comunidade reunida e uma troca de perdão entre nós, homens, isto é
sacramento do perdão de Deus no confronto de todos nós. De facto, não podemos
dirigir-nos ao Pai a fim de que nos perdoe, enquanto mantemos entre nós
animosidade, inveja, ódio. A assembleia eucarística, particularmente, é lugar
do perdão do Pai. Eucaristia é acção de graças ao Pai na oferta do sacrifício
do Filho. Mas essa oferta tornar-se-ia inútil se não fosse, ao mesmo tempo,
oferta, em sacrifício, de toda a comunidade inserida no único sacrifício do
Cristo. É, porém, exigência fundamental e condição absoluta o perdão mútuo
entre os irmãos (cf Mt 5,23-24).
Todo o rancor, o mau humor, a crítica,
a fraude devem ser eliminados. Entre marido e mulher, comerciante e freguês,
companheiros de trabalho, pároco e coadjutor. Não se pode ir ao encontro do Pai
comum se não se está disposto a isto.
LEITURA I – Jos 5, 9a.10-12
“Tendo
entrado na terra prometida, o povo de Deus celebra a Páscoa”
Mais
um passo na história da salvação nos é apresentado na primeira leitura deste
Quarto Domingo: depois da travessia do deserto, guiado por Moisés (domingo
anterior), o povo de Deus entra na Terra Prometida e celebra a Páscoa. É também
esta a perspectiva do tempo litúrgico em que nós entrámos: depois dos 40 dias
do deserto quaresmal, celebraremos o mistério da Páscoa, na Terra Santa da
Igreja de Cristo. O maná, a comida do deserto, cessou de cair, quando o povo de
Deus chegou à Terra Prometida, e lá pôde, finalmente, alimentar-se dos frutos
daquela nova Terra. Também a Igreja, depois do jejum da Quaresma, comerá da
Ceia do Senhor, na Eucaristia da Páscoa. Não se trata apenas de uma comparação,
mas de um mistério que todos os anos se renova no meio de nós.
Leitura do
Livro de Josué
“Naqueles
dias, disse o Senhor a Josué: «Hoje tirei de vós o opróbrio do Egipto». Os
filhos de Israel acamparam em Gálgala e celebraram a Páscoa, no dia catorze do
mês, à tarde, na planície de Jericó. No dia seguinte à Páscoa, comeram dos
frutos da terra: pães ázimos e espigas assadas nesse mesmo dia. Quando
começaram a comer dos frutos da terra, no dia seguinte à Páscoa, cessou o maná.
Os filhos de Israel não voltaram a ter o maná, mas, naquele ano, já se
alimentaram dos frutos da terra de Canaã.”
Palavra do Senhor
LEITURA II – 2 Cor 5, 17-21
“Por
Cristo, Deus reconciliou-nos consigo”
A
Páscoa celebra o mistério da aliança que Deus fez com os homens, e, porque o
homem é pecador, esse mistério é também de reconciliação. Pelo sacrifício de
Jesus Cristo, todos os homens são tornados nova criação, uma vez que são
reconciliados com Deus, que é o Criador de todas as coisas. Este mistério de
reconciliação, realizado, de uma vez para sempre, por Cristo, é-nos agora acessível
através da Igreja. A nós pertence, pois, aceitá-lo e deixar-nos reconciliar,
cada um de nós, com Deus, por Cristo, por meio da Igreja. O Sacramento da
Penitência é o sinal sagrado desta reconciliação. Por meio dele seremos, na
Páscoa, novas criaturas.
Leitura da
Segunda Epístola do apóstolo S. Paulo aos Coríntios
“Irmãos: Se
alguém está em Cristo, é uma nova criatura. As coisas antigas passaram; tudo
foi renovado. Tudo isto vem de Deus, que por Cristo nos reconciliou consigo e
nos confiou o ministério da reconciliação. Na verdade, é Deus que em Cristo
reconcilia o mundo consigo, não levando em conta as faltas dos homens e
confiando-nos a palavra da reconciliação. Nós somos, portanto, embaixadores de
Cristo; é Deus quem vos exorta por nosso intermédio. Nós vos pedimos em nome de
Cristo: reconciliai-vos com Deus. A Cristo, que não conhecera o pecado, Deus
identificou-O com o pecado por causa de nós, para que em Cristo nos tornemos
justiça de Deus.”
Palavra do Senhor
EVANGELHO – Lc 15, 1-3.11-32
“Este teu irmão estava morto e voltou à vida”
Na
parábola do filho pródigo está expresso todo o itinerário do pecador, que, pela
penitência, regressa à comunhão com Deus. Da morte à vida; é precisamente este
o movimento de todo o Mistério Pascal. A parábola põe em relevo sobretudo o
amor, paciente e sempre acolhedor, do Pai, de Deus nosso Pai. Por isso, a esta
parábola melhor se poderia chamar a parábola do Pai misericordioso.
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Naquele
tempo, os publicanos e os pecadores aproximavam-se todos de Jesus, para O
ouvirem. Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este
homem acolhe os pecadores e come com eles». Jesus disse-lhes então a seguinte
parábola: «Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a
parte da herança que me toca’. O pai repartiu os bens pelos filhos. Alguns dias
depois, o filho mais novo, juntando todos os seus haveres, partiu para um país
distante e por lá esbanjou quanto possuía, numa vida dissoluta. Tendo gasto tudo,
houve uma grande fome naquela região e ele começou a passar privações. Entrou
então ao serviço de um dos habitantes daquela terra, que o mandou para os seus
campos guardar porcos. Bem desejava ele matar a fome com as alfarrobas que os
porcos comiam, mas ninguém lhas dava. Então, caindo em si, disse: ‘Quantos
trabalhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome!
Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e
contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho, mas trata-me como um dos teus
trabalhadores’. Pôs-se a caminho e foi ter com o pai. Ainda ele estava longe,
quando o pai o viu: encheu-se de compaixão e correu a lançar-se-lhe ao pescoço,
cobrindo-o de beijos. Disse-lhe o filho: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos servos: ‘Trazei
depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos
pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos, porque este meu
filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’. E
começou a festa. Ora o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao
aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos servos e
perguntou-lhe o que era aquilo. O servo respondeu-lhe: ‘O teu irmão voltou e
teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque ele chegou são e salvo’. Ele ficou
ressentido e não queria entrar. Então o pai veio cá fora instar com ele. Mas
ele respondeu ao pai: ‘Há tantos anos que eu te sirvo, sem nunca transgredir
uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus
amigos. E agora, quando chegou esse teu filho, que consumiu os teus bens com
mulheres de má vida, mataste-lhe o vitelo gordo’. Disse-lhe o pai: ‘Filho, tu
estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma festa e
alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido
e foi reencontrado’».”
Palavra da Salvação
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