sábado, 11 de junho de 2016

PROSTITUÍDAS OU PROSTITUTAS


A MULHER QUE SOUBE AMAR MUITO





1. Prostitutas e prostituídas; do sexo sagrado à liberdade e à opressão
A prostituição teve, ao longo da história, múltiplas funções; entre as que se pode recordar, as do tipo religioso. Nos grandes santuários das deusas, desde a Palestina e da Babilónia, até à India, havia mulheres e, também, homens: prostitutos sagrados (sacerdotes e sacerdotisas sagrados), que actuavam como sinal da divindade, iniciadores sexuais de homens (e mulheres), no plano do amor (neste contexto pode falar-se de Ishtar e Isis, da hierogamia e do tantrismo).
Porém, no geral, a prostituição separou-se do culto e veio a converter-se numa forma de imposição e opressão económica, sexual e afectiva.
Quase todas as culturas, edificadas sobre princípios patriarcais, toleraram a prostituição das mulheres como uma forma de regular a sexualidade dos homens e de manter seguras as relações familiares. Em geral, a mulher casada achava-se submetida ao marido e carecia de liberdade afectiva:
- Nalguns casos, a prostituta podia tornar-se como sinal de mulher libertada, exercendo funções superiores no plano cultural e social. Por isso, sempre houve (e continua a haver) “prostitutas ricas”, desde as cortesãs gregas até às mulheres de uma vida mais livre, que chegam a ser “rainhas” e que dominam as revistas cor-de-rosa de todos os tempos, especialmente nos actuais.
- Mas, a imensa maioria das prostitutas começavam e terminavam sendo um tipo de escravas sexuais. A prostituição é um sinal de “pecado” masculino, de tráfico de influências de poder, com milhões de euros em jogo (milhões associados ao jogo, a determinados casinos de luxo e aos prostíbulos de barro, com milhares e milhares de mulheres e crianças escravizados pelo dinheiro do sexo).

2. Evangelho e prostitutas
Dessas últimas prostitutas fala o Evangelho. Elas são mulheres “violadas, dominadas, destruídas”, muito abundantes no tempo de Jesus, de grande crise social e económica:
- Multiplicaram-se as mulheres que estavam sós, sem terra e sem trabalho, sem família ou opções laborais, sem outro “capital” que não fosse o seu corpo, utilizado por outros, num mundo onde só importava a ganância do sistema. A situação social condenava-as à “prostituição”, isto é, ao desenraizamento e à fome, à ignomínia social e à impureza.
- É evidente que Jesus, profeta dos pobres e dos excluídos, teve de se ligar a elas, pois relacionou-se, de um modo muito especial, com os impuros e os excluídos da sociedade, com os enfermos e com os loucos, com um submundo de homens e mulheres condenados pela mesma sociedade à opressão laboral e sexual (que muitas vezes estavam unidas).
A relação de Jesus com as prostitutas (e com os cobradores de impostos) constitui um dos temas centrais e mais enigmáticos do Evangelho. Assim, parece, numa das passagens mais luminosas e mais duras do Evangelho, onde Jesus se compara a João Baptista. Os “Justos” de Israel (ou de qualquer sociedade estabelecida) condenam-no por andar com gente de má vida. Jesus defende-se: “Em verdade vos digo: Os cobradores de impostos e as meretrizes vão preceder-vos no Reino de Deus. João veio até vós, ensinando-vos o caminho da justiça, e não acreditastes nele; mas os cobradores de impostos e as meretrizes acreditaram nele. E vós, nem depois de verdes isto, vos arrependestes para acreditar nele” (Mt 21,31-32).

3. Jesus, amigo de prostitutas
Era um tempo de senhores, que escravizavam e prostituíam os mais débeis, em especial a muitas mulheres. Era um tempo e lugar de escravos (pessoas que tinha de se vender e vendiam-se por motivos de trabalho e subsistência); um tempo de “pecadores” (pessoas que pareciam e eram impuras, na perspectiva de pureza da elite sacerdotal e no quadro do novo legalismo dos judeus); um tempo de prostitutas (mulheres sem capacidade nem possibilidade de um desenvolvimento afectivo e familiar que respondesse às exigências morais e religiosas daquele tempo).
Nesse contexto se situa Jesus, amigo de cobradores de impostos e de prostitutas, isto é, de marginais sociais e morais, de homens e mulheres que não têm nem podem desenvolver um trabalho próprio, de tal maneira que vivem, por um lado, “oprimidos” e por outro parece que oprimem, manipulam os outros (os “bons” cidadãos), aparecendo, desta forma, como objecto da exploração e do desprezo violento de toda a população.
Nesse abismo humano penetrou Jesus, tornando-se amigo de publicanos e prostitutas, para iniciar a partir deles e com eles o caminho do reino de Deus, isto é, um movimento integral e contra cultural, de transformação humana.
Não conheceremos Jesus se não o virmos no contexto e ambiente dos lugares onde se encontravam os “excluídos sociais” e onde Ele teve que conhecer as prostitutas e os publicanos, os enfermos e os marginalizados, partilhando com eles o escasso pão e vinho (Jesus comeu com publicanos e gente de “má vida”) para oferecer-lhes o seu caminho e esperança.
É evidente que Jesus não veio só para “perdoar” religiosamente as prostitutas, mas sim para iniciar com elas (a partir delas e com outros tipos de excluídos sociais e mentais, afectivos e religiosos) um caminho de Reino de Deus, um caminho onde surgia o perdão e a vida do Reino.

4. Jesus e a prostituta de Lucas.
Texto:
«Um fariseu convidou-o para comer consigo. Entrou em casa do fariseu, e pôs-se à mesa. Ora certa mulher, conhecida naquela cidade como pecadora, ao saber que Ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um frasco de alabastro com perfume. Colocando-se por detrás dele e chorando, começou a banhar-lhe os pés com lágrimas; enxugava-os com os cabelos e beijava-os, ungindo-os com perfume.
Vendo isto, o fariseu que o convidara disse para consigo: «Se este homem fosse profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que lhe está a tocar, porque é uma pecadora!»
Então, Jesus disse-lhe: «Simão, tenho uma coisa para te dizer.» «Fala, Mestre» – respondeu ele. «Um prestamista tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários e o outro cinquenta. Não tendo eles com que pagar, perdoou aos dois. Qual deles o amará mais?» Simão respondeu: «Aquele a quem perdoou mais, creio eu.» Jesus disse-lhe: «Julgaste bem.» E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: «Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; ela, porém, banhou-me os pés com as suas lágrimas e enxugou-os com os seus cabelos. Não me deste um ósculo; mas ela, desde que entrou, não deixou de beijar-me os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, e ela ungiu-me os pés com perfume. Por isso, digo-te que lhe são perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas àquele a quem pouco se perdoa pouco ama.» Depois, disse à mulher: «Os teus pecados estão perdoados.»
Começaram, então, os convivas a dizer entre si: «Quem é este que até perdoa os pecados?» E Jesus disse à mulher: «A tua fé te salvou. Vai em paz.» (Lucas 7, 36-50)

5. La casa do Fariseu.
Este Jesus de Lucas não se encontra com a prostituta nas “tabernas” dos bairros baixos sa cidade, ou em refúgios dos caminhos, mas sim numa “vivenda pura”, de um puro cumpridor da lei. Neste contexto, é menos provável, ainda que não impossível, a presença de prostitutas…; mas essa soube como entrar e entrou.
É evidente que “por detrás” dessa do fariseu estão as “casas” sem dignidade, onde viviam as prostitutas e os diversos excluídos, a quem Jesus visitou e veio para oferecer-lhes o Reino. Nessas casas (tabernas e campos de provações incomensuráveis) deveria encontrar Jesus as prostitutas. Mas Lucas condensa esses “encontros” nesta casa do “limpo” fariseu, para por, deste modo, em relevo a falta de amor do “puro” fariseu e o grande amor da prostituta.
A prostituta tem de maior: é capaz de amar e quer amar… O fariseu não ama, apenas cumpre o que é lega, o que está estipulado. Pelo contrário, esta mulher ama muito acima da lei. Assim, dizemos que é uma “prostituta” boa (nos dois sentidos possíveis da palavra) Ela não exige nada, não confessa nada… Simplesmente “ama”.
Jesus não “confessa” a prostituta no sentido posterior da palavra, nem exige que mude de conduta. No final, Jesus não lhe diz “não peques mais”, mas, tão-somente, “vai em paz”, que viva em paz. O normal é que ela tenha de continuar na prostituição, que é o seu modo de vida (é a vida a que a condenaram). Apesar de tudo, é uma prostituta que vai “em paz”, porque é uma mulher capaz de amar, uma mulher em busca de amor.



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