“Não vim trazer a paz, mas a desunião”
Fogo
e divisão
A
missão de Jesus, desde o baptismo até a cruz, é anunciar e tornar presente o
Reino, entrando em choque com as concepções dominantes da sociedade. Por isso,
é preciso tomar uma decisão diante de Jesus, e isso provoca divisões até mesmo
no relacionamento familiar. As afirmações de Jesus devem ser entendidas no
contexto do linguajar da época e no âmbito de seu serviço ao Reino de Deus.
Caso contrário, arriscamo-nos a tirar conclusões precipitadas, que não
correspondem à sua intenção: levar os discípulos a integrarem-se, de forma mais
decidida, no projecto proposto por ele. Na tradição bíblico-profética, o “fogo” era sinal do julgamento
definitivo de Deus. É um elemento purificador, que consome as impurezas. Vir
trazer fogo à Terra significa, pois, que a presença de Jesus tem a força de
purificar o mundo da impureza do egoísmo e do pecado, permitindo que a graça e
a salvação brilhem em todo seu esplendor. O baptismo tem a ver com a morte de
Jesus. Ela se torna uma espécie de banho purificador donde nasce um povo novo,
sem maldade. Ser baptizado, portanto, torna-se um imperativo tanto na vida de
Jesus quanto na dos discípulos. Ele é imprescindível para quem pretende viver a
vida nova do Reino. A divisão imposta por Jesus significa a eliminação da
ilusória convivência do bem com mal, da justiça com a injustiça. Os falsos
profetas são promotores desta falsa conciliação, que impede as pessoas de se
decidirem, resolutamente, pelo Reino. Ninguém pode servir a dois senhores.
Transformar a falsa conciliação em tensão purificadora é tarefa de quem foi
enviado a este mundo para reconduzir a humanidade à amizade plena com Deus.
Neste texto de Lucas, com algumas sentenças encerra-se uma sequência de
instruções aos discípulos. Jesus veio trazer à terra o fogo do Espírito. É o
fogo do amor que gera a vida e anula as forças da morte. Em continuidade ao
ministério de Jesus, as comunidades contam com a luz e a força do Espírito
Santo. Cabe a estas comunidades propagar este fogo ao mundo. Tendo lançado o
fogo do amor, Jesus terá o seu baptismo, recebido de João, levado à plenitude
pela aceitação da morte a que está condenado pelas autoridades judaicas. Ele
sabe que o seu mergulho na morte será seguido da sua ressurreição e da
manifestação do Espírito nas comunidades que se multiplicarão e darão
continuidade à sua missão. A paz de Jesus não é como a paz dos poderosos deste
mundo, paz sob o medo e sob a opressão. A paz de Jesus é fruto do compromisso
com a verdade e com a justiça, na regeneração da vida. Assumir este compromisso
provoca divisões em relação àqueles que, mesmo dentro da família, preferem acomodar-se
sob o domínio da ideologia dos poderosos, com a sua falsa paz, e com os seus
ideais de inserção no mercado global, de sucesso pessoal e enriquecimento.
DOMINGO XX
DO TEMPO COMUM
[CATECISMO]
[…]
CRISTO, UM “SINAL DE CONTRADIÇÃO” [575-576]
575 Muitas atitudes e palavras de Jesus foram,
portanto, «sinal de contradição» para as autoridades religiosas de Jerusalém, a
quem o Evangelho de São João muitas vezes chama simplesmente «os Judeus», mais
ainda do que para o comum do Povo de Deus. Sem dúvida que as suas relações com
os fariseus não foram unicamente polémicas: são fariseus que O previnem do
perigo que corre. Jesus louva alguns de entre eles, como o escriba de Mc 12,
34, e em várias ocasiões come em casa de fariseus. Jesus confirma doutrinas
partilhadas por esta elite religiosa do povo de Deus: a ressurreição dos mortos,
formas de piedade (esmola, jejum e oração) e o hábito de se dirigir a Deus como
Pai, o carácter central do mandamento do amor de Deus e do próximo.
576 Aos olhos de muitos em Israel, parece que Jesus procede contra as
instituições essenciais do Povo eleito:
– a submissão à Lei, na totalidade dos seus preceitos escritos e, para
os fariseus, na interpretação da tradição oral;
– a centralidade do templo de Jerusalém, como lugar santo em que Deus
habita de maneira privilegiada;
– a fé no Deus único, cuja glória nenhum homem pode partilhar.
O DISCÍPULO DEVE TESTEMUNHAR A FÉ COM FRANQUEZA E CORAGEM [1816]
1816 O discípulo de Cristo, não somente deve guardar
a fé e viver dela, como ainda professá-la, dar firme testemunho dela e
propagá-la: «Todos devem estar dispostos a confessar Cristo diante dos homens e
a segui-Lo no caminho da cruz, no meio das perseguições que nunca faltam à
Igreja». O serviço e testemunho da fé são requeridos para a salvação: «A todo
aquele que me tiver reconhecido diante dos homens, também Eu o reconhecerei
diante do meu Pai que está nos céus. Mas àquele que me tiver negado diante dos
homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus» (Mt 10,
32-33).
DAR TESTEMUNHO DA VERDADE [2471-2474]
2471 Diante de Pilatos,
Cristo proclama que «veio ao mundo para dar testemunho da verdade». O cristão
não deve «envergonhar-se de dar testemunho do Senhor» (2 Tm 1, 8). Em situações
que exigem a confissão da fé, o cristão deve professá-la sem equívoco, conforme
o exemplo de São Paulo diante dos seus juízes. É preciso guardar «uma
consciência irrepreensível diante de Deus e dos homens» (Act 24, 16).
2472 O dever dos
cristãos, de tomar parte na vida da Igreja, leva-os a agir como testemunhas do
Evangelho e das obrigações que dele dimanam. Este testemunho é transmissão da
fé por palavras e obras. O testemunho é um acto de justiça que estabelece ou
que dá a conhecer a verdade:
«Todos os fiéis cristãos, onde quer que vivam, têm obrigação de
manifestar, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da palavra, o homem novo de
que se revestiram pelo Baptismo e a virtude do Espírito Santo, com que foram
robustecidos na Confirmação».
2473 O martírio é o supremo testemunho dado em favor da verdade da fé;
designa um testemunho que vai até à morte. O mártir dá testemunho de Cristo,
morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade. Dá testemunho da
verdade da fé e da doutrina cristã. Suporta a morte com um acto de fortaleza.
«Deixai-me ser pasto das feras, pelas quais poderei chegar à posse de Deus».
2474 A Igreja recolheu com o maior cuidado as memórias daqueles que foram até
ao fim na confissão da sua fé. São as Actas dos Mártires, as quais constituem
os arquivos da verdade escritos com letras de sangue:
«De nada me serviriam os atractivos do mundo
ou os reinos deste século. Prefiro morrer em Cristo Jesus a reinar sobre todos
os confins da terra. Procuro Aquele que morreu por nós; quero Aquele que
ressuscitou por nossa causa. Estou prestes a nascer...».
«Eu Te bendigo por me teres julgado digno
deste dia e desta hora, digno de ser contado no número dos teus mártires [...].
Tu cumpriste a tua promessa, Deus da fidelidade e da verdade. Por esta graça e
por tudo, eu Te louvo e Te bendigo; eu Te glorifico pelo eterno e celeste
Sumo-Sacerdote Jesus Cristo, Teu Filho muito-amado. Por Ele, que está contigo e
com o Espírito, glória a Ti, agora e pelos séculos sem fim. Ámen».
[…]
[LITURGIA DA PALAVRA]
LEITURA I – Jer 38, 4-6.8-10
“Geraste-me
como homem de discórdia para toda a terra” (Jer 15, 10)
A
incompreensão que rodeou Jesus foi também a que envolveu os profetas,
concretamente Jeremias, que é, por isso, uma figura de Jesus. Se ele tivesse
anunciado só o que era agradável de ouvir, todos o teriam aceitado como
profeta; mas porque ele também teve de anunciar o que não era desejado, todos o
acharam falso profeta. Mas Deus também está nas coisas dolorosas; foi até na
Cruz que Jesus deu o maior testemunho da verdade.
Leitura do
Livro de Jeremias
“Naqueles
dias, os ministros disseram ao rei de Judá: «Esse Jeremias deve morrer, porque
semeia o desânimo entre os combatentes que ficaram na cidade e também todo o
povo com as palavras que diz. Este homem não procura o bem do povo, mas a sua
perdição». O rei Sedecias respondeu: «Ele está nas vossas mãos; o rei não tem
poder para vos contrariar». Apoderaram-se então de Jeremias e, por meio de
cordas, fizeram-no descer à cisterna do príncipe Melquias, situada no pátio da
guarda. Na cisterna não havia água, mas apenas lodo, e Jeremias atolou-se no
lodo. Entretanto, Ebed-Melec, o etíope, saiu do palácio e falou ao rei: «Ó rei,
meu senhor, esses homens procederam muito mal tratando assim o profeta
Jeremias: meteram-no na cisterna, onde vai morrer de fome, pois já não há pão
na cidade». Então o rei ordenou a Ebed-Melec, o etíope: «Leva daqui contigo
três homens e retira da cisterna o profeta Jeremias, antes que ele morra».”
Palavra do Senhor
LEITURA II – Hebr 12, 1-4
“Corramos
com perseverança para o combate que se
apresenta diante de nós”
Por
uma coincidência feliz, também a segunda leitura se vem articular hoje com as
outras duas. Ela põe diante de nós a multidão daqueles que levaram a bom termo
o combate pela sua fé. Eles nos convidam a nós a seguirmos também o caminho da
Cruz, a sermos capazes de, acima de tudo, pormos os olhos em Jesus que foi fiel
até à morte e que, por isso, “está sentado à direita do trono de Deus”.
Leitura da
Epístola aos Hebreus
“Irmãos:
Estando nós rodeados de tão grande número de testemunhas, ponhamos de parte
todo o fardo e pecado que nos cerca e corramos com perseverança para o combate
que se apresenta diante de nós, fixando os olhos em Jesus, guia da nossa fé e
autor da sua perfeição. Renunciando à alegria que tinha ao seu alcance, Ele
suportou a cruz, desprezando a sua ignomínia, e está sentado à direita do trono
de Deus. Pensai n’Aquele que suportou contra Si tão grande hostilidade da parte
dos pecadores, para não vos deixardes abater pelo desânimo. Vós ainda não
resististes até ao sangue, na luta contra o pecado.”
Palavra do Senhor
EVANGELHO – Lc 12, 49-53
“Não vim trazer a paz, mas a desunião”
Jesus
vem, sem dúvida, trazer a paz. Ele disse que nos deixava a sua paz. Mas nem
todos sabem aceitar esta paz que vem d’Ele. Quando o olhar não é límpido e o
coração não é recto, o que se destinava a ser aceite como fonte de paz, pode
transformar-se em motivo de discórdia. E então Jesus acaba por Se tornar
ocasião de divisão. Foi assim já durante a sua vida mortal; continua a sê-lo
hoje na sua Igreja.
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
“Naquele
tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Eu vim trazer o fogo à terra e que
quero Eu senão que ele se acenda? Tenho de receber um baptismo e estou ansioso
até que ele se realize. Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu
vos digo que vim trazer a divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos
numa casa: três contra dois e dois contra três. Estarão divididos o pai contra
o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a
sogra contra a nora e a nora contra a sogra».”
Palavra da Salvação
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