JOSUÉ
Embora nem sempre com a coerência que tanto agrada à nossa
mentalidade actual, por efeito das diferentes tradições que lhe serviram de
fonte, é possível apresentar resumidamente a figura de Josué. Inicialmente
surge como um jovem ajudante de Moisés, com o nome de Oseias; depois, é um dos
exploradores do Négueb, quando manifesta, com Caleb, a sua disponibilidade para
executar o plano libertador de Javé. Então é-lhe mudado o nome de Oseias para
“Yehoshua” ou Josué, prenúncio da nova missão em que Moisés o vai investir:
será o seu sucessor.
É a esta personalidade que a tradição atribui a autoria do
livro de JOSUÉ, com as habituais limitações que tal designação comporta quando
se trata dos autores sagrados ou hagiógrafos.
DIVISÃO E CONTEÚDO
Há quem considere o livro de JOSUÉ como um complemento do Pentateuco, constituindo a parte em que se
cumpre a promessa da doação da Terra Prometida: no Génesis, Deus promete; em JOSUÉ, entrega e cumpre a promessa.
Nesta hipótese, JOSUÉ seria constituído a partir da teoria clássica das quatro
tradições: Javista, Eloísta, Deuteronomista e Sacerdotal. Não é esta, porém, a
hipótese aplaudida por muitos críticos modernos, a quem agrada mais integrar o
livro em plena História Deuteronomista, sem prejuízo de considerarem nele, de
facto, a promessa do Génesis, plenamente
cumprida.
É comum distribuir o conteúdo de JOSUÉ por três partes
distintas:
I. Conquista de Canaã (1,1-12,24): texto, predominantemente narrativo, conta os vários
episódios da conquista de Jericó; a batalha de Guibeon; a leitura da Lei
perante a multidão, que renova a sua promessa de fidelidade à aliança
(8,29-35); a derrota das várias coligações contra Josué, com a consequente
submissão de todo o Sul ao sucessor de Moisés.
II. Distribuição do território pelas tribos (13,1-21,45). Após a atribuição dos territórios às tribos
da Transjordânia e da Cisjordânia, conclui-se com uma lista das cidades sacerdotais
e de refúgio.
III. Apêndice e conclusão (22,1-24,33). Nesta parte merecem especial atenção o
discurso de despedida de Josué e a assembleia magna de Siquém, no final do
livro.
GÉNERO LITERÁRIO E VALOR HISTÓRICO
Em JOSUÉ, não temos História no sentido rigoroso deste
conceito, uma vez que a aglutinação das diversas tradições foi feita em época
muito posterior aos factos. O rigor histórico das narrações é que seria,
precisamente, de admirar. Comparando JOSUÉ com Jz 1, aquilo que em JOSUÉ se nos
apresenta como campanha militar organizada, uma espécie de coligação de todo o
Israel, na verdade, parece ter sido uma iniciativa particular de cada tribo.
Trata-se, pois, de apresentações esquematizadas. Do mesmo modo, não é de
excluir a hipótese de algumas tribos terem penetrado em Canaã pelo Sul e não
por Jericó (Nm 21,1-3).
Tribos houve, como as da região central, que nem sequer
terão estado no Egipto, mas permaneceram em Canaã. Outra hipótese admitida é
que teria havido vários êxodos de natureza diferente: êxodo-expulsão e
êxodo-libertação; assim no-lo deixam supor as várias formas de texto, quando se
fala da saída do Egipto. Nesse caso, a campanha de Josué, na reconquista épica
de Canaã, revestiria a forma de síntese narrativa como reelaboração posterior
das diversas tradições.
Os acontecimentos posteriores, até à época de David,
mostram igualmente que a campanha da reconquista protagonizada por Josué não
acabou com a posse total do território: muitos grupos de várias etnias não
judaicas mantiveram-se autónomos por muitos anos, só mais tarde acabando por
ser integrados em Israel.
De quanto ficou dito, pode-se legitimamente concluir que,
em JOSUÉ, se encontram misturados vários tipos de textos literários: a
narração, a descrição, a lenda popular, a epopeia, etc.. Sacrificou-se o rigor
da História ao interesse da doutrinação teológica, realçando esta última.
TEOLOGIA
Como já foi dito, JOSUÉ pretende mostrar que Javé é fiel à
sua palavra: se prometeu, cumpre (Gn 12,1-3; 13,14-17; 15,7-21; 17,1-8). Como
prometeu dar uma terra ao povo, tudo fará, mesmo milagres, para os opositores
de Israel serem derrotados e as suas terras entregues ao “povo de Javé”. Daí a
frequência da acção miraculosa da intervenção directa de Deus e dos seus anjos
no decorrer das várias acções militares, bem como a idealização do herói, qual
novo Moisés: tudo lhe é atribuído, participa em todas as batalhas e sobre ele
se estende incessantemente a mão poderosa e protectora do Senhor.
Para isso concorre enormemente a importância do factor
‘Terra’ na trama da aliança: Javé faz um pacto com um povo nómada, a quem
promete entregar uma terra que vai ser o cenário dos factos dessa aliança. Sem
uma terra sua, o povo carece de raízes para a sua subsistência real. Foi assim
que todo o israelita aprendeu a considerar a ‘Terra Prometida’ como um dom do
Senhor. Neste quadro, a guerra santa e a crueldade para com o vencido são um
louvor a Javé, em cujo nome são praticadas. O empolamento das acções, até se
fazer delas milagres assombrosos, está plenamente justificado, uma vez que
interessa, acima de tudo, exaltar Javé e engrandecer Josué, figura central da
presente epopeia.
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