1.º Domingo da
Quaresma
“Proposta de Deus, proposta do homem”
Neste primeiro domingo é proposta uma reflexão fundamental sobre o
destino do homem. É uma meditação religiosa, uma vez que põe em causa o justo
relacionamento com Deus, libertando-o de duas concepções erróneas.
O homem é escravo de forças naturais ou históricas; a sua presença no mundo
é o fruto de um acaso que lhe pregou uma partida breve e cruel, dando-lhe a
ilusão de felicidade e abandonando-o ao poder da morte. O homem é árbitro
absoluto de seu destino, senhor do bem e do mal, dominador das Forças cósmicas,
único protagonista da história.
Uma opção que se
repete
A Bíblia apresenta o homem como criatura de Deus, por ele modelado com
amor, animado por seu sopro vital, colocado num “jardim” onde tudo é ordem e
harmonia, onde o diálogo com Deus é cheio de confiança e amor (1ª leitura).
Com o pecado, entra a desordem: é a desconfiança da palavra de Deus, a
tentativa de “tornar-se como Deus”, definindo-se a si próprio através do
conhecimento (isto é, experiência íntima) do bem e do mal. O resultado é a
consciência da própria “nudez”, a incapacidade de dialogar com Deus e com os
semelhantes (até no relacionamento do casal), o sofrimento e a morte (2ª
leitura).
Deus retoma o seu plano pacientemente; o povo judeu, ao qual promete a “terra”
do repouso e do bem-estar, é submetido à mesma prova e cai, porque lhe falta
confiança no Deus salvador, procura deuses mais imediatos e menos exigentes,
estabelece alianças com os povos pagãos, supõe a protecção divina, mas não
retribui como amor filial. O deserto permanece o lugar real e simbólico de um
diálogo fracassado total ou parcialmente.
Uma confiança
sem condições
Cristo é conduzido pelo Espírito ao deserto para repetir a prova: nele se
concentra a fidelidade de Deus ao seu plano e a fidelidade do homem que lhe
responde. Apoiando-se inteiramente na palavra de Deus (“está escrito”). Cristo
sai vitorioso da provação; é uma antecipação da obediência incondicional do
Filho bem-amado que se torna o primogénito da nova humanidade, fiel a Deus e
chamado à sua intimidade (evangelho).
Todo homem, como toda geração e toda comunidade, é chamado a reviver a
mesma opção fundamental.
“A mais temível tentação não é a que nasce da carne e do mundo, mas a que
nasce de uma situação em que a bondade de Deus não entra no nosso campo de
percepção. O cristão pode então dizer: 'Onde, então, está Deus? Só encontra
indiferença e silêncio: Deus mostra-se tão distante que ele sente o abandono de
Cristo. Vive naquela situação-limite em que viveram Abraão quando Deus lhe
ordenou que sacrificasse Isaac, Jó durante as privações e Cristo na agonia. A
confiança incondicional é o único meio de salvação, mas ela toca as raias da
revolta contra Deus. Tais situações são a tentação suprema para o espírito.
Atacam a fé na sua própria raiz e compreende-se por que Cristo pede aos
cristãos que fujam em caso de perseguição: a não-intervenção de Deus é sentida
então de modo tão cruel que poderia destruir a fé. Não é, pois, de admirar que
a Igreja e os cristãos orem todos os dias para que Deus saia de seu silêncio,
que abrevia o tempo em que não manifesta seu poder” (C. Duquoc).
Tempo do teste
A Quaresma é o tempo do teste para a nossa fidelidade na resposta ao
plano de Deus; pode acontecer que o tenhamos traído, mutilado ou enterrado, e,
isso, por covardia, interesse, hipocrisia, fraqueza, porque não soubemos vencer
as tentações que hoje se nos oferecem. Toda civilização inclui elementos bons e
elementos nocivos, expressão da sua ambiguidade, a sua incapacidade para
salvar-nos. Hoje esses elementos nocivos são a apatia diante das realidades
espirituais, o seu sufocamento “mórbido” para que não constituam mais problema
e sejam relegados para os recantos da consciência e da vida; a total absorção
no terrestre, nos valores e bens que nos são oferecidos em quantidade cada vez
mais crescente e alienante: o “eficientismo” gerado pelo ídolo do
produzir-consumir e consumir-produzir, esse círculo vicioso implacável e
destruidor de todo o valor humano; o egoísmo e o espírito de opressão, a luta
pela própria carreira, que reduz o próximo unicamente a mais um adversário a
eliminar, um concorrente a superar, um degrau pelo qual subir.
ANTÍFONA DE ENTRADA – Salmo
90, 15-16
Quando me invocar, hei-de
atendê-lo; hei-de libertá-lo
e dar-lhe glória.
Favorecê-lo-ei com longa vida
e lhe mostrarei a minha
salvação.
ORAÇÃO COLECTA
Concedei-nos, Deus
omnipotente,
que, pela observância
quaresmal,
alcancemos maior compreensão
do mistério de Cristo
e a nossa vida seja dele um
digno testemunho.
Por Nosso Senhor Jesus
Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na
unidade do Espírito Santo.
LEITURA I – Gen 2,
7-9; 3, 1-7
“A criação
e o pecado dos nossos primeiros pais”
No tempo da Quaresma, a
primeira leitura “refere-se à história da salvação, que é um dos objectivos
próprios da catequese quaresmal”. Nela “se apresentam os principais elementos
daquela história desde o princípio até à promessa da Nova Aliança” (Intr. ao
Lecc.).
Leitura do
Livro do Génesis
“O Senhor Deus
formou o homem do pó da terra, insuflou em suas narinas um sopro de vida, e o
homem tornou-se um ser vivo. Depois, o Senhor Deus plantou um jardim no Éden, a
oriente, e nele colocou o homem que tinha formado. Fez nascer na terra toda a
espécie de árvores, de frutos agradáveis à vista e bons para comer, entre as
quais a árvore da vida, no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do
mal. Ora, a serpente era o mais astucioso de todos os animais dos campos que o
Senhor Deus tinha feito. Ela disse à mulher: «É verdade que Deus vos disse:
‘Não podeis comer o fruto de nenhuma árvore do jardim’?». A mulher respondeu:
«Podemos comer o fruto das árvores do jardim; mas, quanto ao fruto da árvore
que está no meio do jardim, Deus avisou-nos: ‘Não podeis comer dele nem
tocar-lhe, senão morrereis’». A serpente replicou à mulher: «De maneira
nenhuma! Não morrereis. Mas Deus sabe que, no dia em que o comerdes,
abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como deuses, ficando a conhecer o bem e o
mal». A mulher viu então que o fruto da árvore era bom para comer e agradável à
vista, e precioso para esclarecer a inteligência. Colheu fruto da árvore e
comeu; depois deu-o ao marido, que comeu juntamente com ela. Abriram-se então
os seus olhos e compreenderam que estavam despidos. Por isso, entrelaçaram
folhas de figueira e cingiram os rins com elas.”
Palavra do Senhor
SALMO RESPONSORIAL – Salmo
50 (51), 3-4.5-6a.12-13.14.17 (R. cf. 3a)
Refrão: Pecámos, Senhor: tende
compaixão de nós. (Repete-se)
Compadecei-Vos de mim, ó
Deus, pela vossa bondade,
pela vossa grande
misericórdia,
apagai os meus pecados.
Lavai-me de toda a
iniquidade
e purificai-me de todas as
faltas. (Refrão)
Porque eu reconheço os meus
pecados
e tenho sempre diante de mim
as minhas culpas.
Pequei contra Vós, só contra
Vós,
e fiz o mal diante dos
vossos olhos. (Refrão)
Criai em mim, ó Deus, um
coração puro
e fazei nascer dentro de mim
um espírito firme.
Não queirais repelir-me da
vossa presença
e não retireis de mim o
vosso espírito de santidade. (Refrão)
Dai-me
de novo a alegria da vossa salvação
e
sustentai-me com espírito generoso.
Abri,
Senhor, os meus lábios
e a
minha boca cantará o vosso louvor. (Refrão)
LEITURA II – Rom 5, 12-19
“Onde
abundou o pecado, superabundou a graça”
A
leitura põe em contraste Adão e Cristo. Ambos são o princípio de uma humanidade
nova. Mas, se a falta cometida por um só, Adão, se faz sentir abundantemente em
todos os homens para sua perdição, a graça e o perdão trazidos por um só, Jesus
Cristo, fazem sentir-se mais abundantemente ainda e levam à justificação.
Leitura da
Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
“Irmãos: Assim
como por um só homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte, assim
também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram. De facto, até à
Lei, existia o pecado no mundo. Mas o pecado não é levado em conta, se não
houver lei. Entretanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, mesmo para
aqueles que não tinham pecado por uma transgressão à semelhança de Adão, que é
figura d’Aquele que havia de vir. Mas o dom gratuito não é como a falta. Se
pelo pecado de um só todos pereceram, com muito mais razão a graça de Deus,
dom contido na graça de um só homem, Jesus Cristo, se concedeu com abundância a
todos os homens. E esse dom não é como o pecado de um só: o julgamento que
resultou desse único pecado levou à condenação, ao passo que o dom gratuito,
que veio depois de muitas faltas, leva à justificação. Se a morte reinou pelo
pecado de um só homem, com muito mais razão, aqueles que recebem com abundância
a graça e o dom da justiça, reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo.
Porque, assim como pelo pecado de um só, veio para todos os homens a
condenação, assim também, pela obra de justiça de um só, virá para todos a
justificação que dá a vida. De facto, como pela desobediência de um só homem,
todos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, todos se
tornarão justos.”
Palavra do Senhor
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO
– Mt 4, 4b
Refrão: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai. (Repete-se)
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que
sai da boca de Deus. (Refrão)
EVANGELHO – Mt 4, 1-11
“Jesus jejua durante quarenta dias e é tentado”
As
tentações de Jesus resumem as tentações de todo o homem. Ao contrário de Adão, Jesus
rejeita a tentação, fixando-Se no Pai e na sua palavra. Resistir ao mal, morrer
para o pecado, firmando-se na palavra de Deus, é o primeiro passo para
participar na Páscoa de Jesus. Quem deseja caminhar para a comunhão com Deus na
Páscoa de Jesus, não pode deixar-se encantar, nesse caminho, com as tentações
que o Inimigo lhe apresentará.
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
“Naquele
tempo, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo
Diabo. Jejuou quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome. O tentador
aproximou-se e disse-lhe: «Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se
transformem em pães». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o
homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’». Então o Diabo
conduziu-O à cidade santa, levou-O ao pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és
Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo, pois está escrito: ‘Deus mandará aos seus
Anjos que te recebam nas suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’».
Respondeu-lhe Jesus: «Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
De novo o Diabo O levou consigo a um monte muito alto, mostrou-Lhe todos os
reinos do mundo e a sua glória, e disse-Lhe: «Tudo isto Te darei, se,
prostrado, me adorares». Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, porque está
escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto’». Então o
Diabo deixou-O e aproximaram-se os Anjos e serviram-n'O.”
Palavra da Salvação
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Fazei que a nossa vida,
Senhor,
corresponda à oferta das
nossas mãos,
com a qual damos início à
celebração
do tempo santo da Quaresma.
Por Nosso Senhor Jesus
Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na
unidade do Espírito Santo.
ANTÍFONA DA COMUNHÃO – Salmo
12, 6
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que
vem da boca de Deus.
Ou Salmo
90, 4
O Senhor te cobrirá com as
suas penas,
debaixo das suas asas
encontrarás abrigo.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Saciados com o pão do Céu,
que alimenta a fé, confirma
a esperança e fortalece a caridade,
nós Vos pedimos, Senhor:
ensinai-nos a ter fome de
Cristo, o verdadeiro pão da vida,
e a alimentar-nos de toda a
palavra que da vossa boca nos vem.
Por Nosso Senhor Jesus
Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na
unidade do Espírito Santo.
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