sábado, 25 de março de 2017

O CEGO DE NASCENÇA




4.º Domingo da Quaresma

Cristo, luz para nossas trevas

Como a água, também a luz – com seu oposto, a escuridão – é um dos símbolos fundamentais da existência humana e da reflexão religiosa. No relato do Génesis, Deus, pela criação da luz e a sua separação das trevas, põe ordem e distinção no caos primitivo, e torna-o um cosmos cognoscível e depois habitável.
Na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus veio habitar no meio de nós. Vida e luz de todo ser vivo, ela ilumina com nova luz aquele que crê na Palavra feita homem, na mensagem tornada pessoa viva, concreta e histórica, no Filho do Deus invisível que dá a conhecer o Pai. Esses são os grandes temas desenvolvidos por João desde o prólogo do seu evangelho, e ilustrados através de uma série de “sinais”, diante dos quais só há uma alternativa: responder sim ou não, sem atenuantes.

A luz do nosso baptismo
Acolher a luz significa crer naquele que o Pai enviou, reconhecer que as suas obras vêm de Deus, entrar na vida nova mediante os sinais sacramentais e assim, pela fé, as obras e os ritos, participar da sua ressurreição, vitória da luz sobre as trevas, do bem sobre o mal, da vida sobre a morte.
No baptismo, de que a água da fonte de Siloé é figura, recebemos a luz que nos faz filhos de Deus, e somos “iluminados”. “Quando um homem nasce para a vida nova é imediatamente libertado das trevas e, a partir desse momento, recebe a luz. É o mesmo que acontece quando, de repente, acordamos; ou melhor, é o que sucede com quem quer retirar a catarata dos próprios olhos: não deverá buscar fora a luz que não tem, mas terá que libertar a pupila, afastando aquilo que impede a visão. Do mesmo modo, também nós, como baptismo, somos purificados dos pecados, que como uma nuvem velavam o Espírito divino, e assim o olho do espírito torna-se transparente e luminoso e faz-nos contemplar as coisas divinas: o Espírito Santo desce, então, do alto sobre nós”. A escolha da luz tem também um valor profético e escatológico: o juízo já está presente, mas será explícito e definitivo quando resplandecer a glória do Ressuscitado; quem crê já está salvo desde agora; quem não crê – porque não quer ver – permanece no seu pecado.

“Comportai-vos como filhos da luz”
Baptizados no Cristo Jesus, passamos das trevas para a luz. Vemos o sentido da nossa vida e do destino do mundo à luz de Cristo, somos chamados a crescer numa perfeita comunhão de vida com Deus, a escolher e a viver – como Cristo – a vontade do Pai. Não podemos agir como os que não sabem; não podemos esconder-nos da luz que nos foi dada, sem assim nos comprometermos com um destino de trevas eternas; não podemos recusar professar a nossa fé e agir “com toda bondade, justiça e verdade”. O testemunho da luz é a resposta consciente, livre e cheia de amor àquele que iluminou os nossos olhos com a luz sem ocaso.

Os olhos do homem tornam-se mais opacos
Estamos a assistir, hoje, a um fenómeno estranho; enquanto os olhos da ciência se tornam mais luminosos, tornam-se mais opacos os olhos do homem.
Os nossos objectivos científicos, económicos, políticos são mais distintos e precisos: atravessamos barreiras jamais violadas pelo olho do homem em todos os campos do saber positivo; os nossos conhecimentos crescem em ritmo vertiginoso; existem cérebros electrónicos para imaginá-los e impedir que nos percamos num labirinto tão vasto e complexo.
Mas o homem torna-se cada vez menos claro, cada vez mais indecifrável a si mesmo. “O homem é um cigano perdido num universo enregelado que lhe é totalmente indiferente” (Monod, prémio Nobel de medicina). Parece que o mistério do homem se fecha num horizonte de trevas, sem que um raio de luz possa filtrar-se entre as redes do mistério.

Só Cristo consegue lançar luz sobre essas trevas
O baptismo – que é “iluminação” – significa abrir os nossos olhos para Deus e o seu mistério, para o mistério do homem, para o sentido da vida, do sofrimento e da morte, do nosso destino individual e colectivo, para o sentido da história.
Renunciar a Cristo significa recair nas trevas mais obscuras.


ANTÍFONA DE ENTRADA – Is 66, 10-11
Alegra-te, Jerusalém; rejubilai, todos os seus amigos.
Exultai de alegria, todos vós que participastes no seu luto
e podereis beber e saciar-vos na abundância das suas consolações.

ORAÇÃO COLECTA
Deus de misericórdia, que, pelo vosso Filho,
realizais admiravelmente a reconciliação do género humano, concedei ao povo cristão fé viva e espírito generoso,
a fim de caminhar alegremente
para as próximas solenidades pascais.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

LEITURA I – 1 Sam 16, 1b.6-7.10-13a

David é ungido rei de Israel.

Continuamos a ler, como primeira leitura dos domingos da Quaresma, algumas das passagens mais significativas da história da salvação do Antigo Testamento, para assim compreendermos melhor como a Páscoa de Jesus é o ponto culminante de toda essa história. Hoje lemos a unção de David como rei de Israel. David é um antepassado de Jesus, a quem foi feita a promessa de que um descendente seu seria o grande Rei do povo de Deus. Jesus é esse Rei, Filho de David, mas ao mesmo tempo, Filho de Deus, como Ele próprio Se revela no Evangelho. É Ele que vem para conduzir os homens, como seu Pastor, até ao Pai.

Leitura do Primeiro Livro de Samuel
“Naqueles dias, o Senhor disse a Samuel: «Enche a âmbula de óleo e parte. Vou enviar-te a Jessé de Belém, pois escolhi um rei entre os seus filhos». Quando chegou, Samuel viu Eliab e pensou consigo: «Certamente é este o ungido do Senhor». Mas o Senhor disse a Samuel: «Não te impressiones com o seu belo aspecto, nem com a sua elevada estatura, pois não foi esse que Eu escolhi. Deus não vê como o homem; o homem olha às aparências, o Senhor vê o coração». Jessé fez passar os sete filhos diante de Samuel, mas Samuel declarou-lhe: «O Senhor não escolheu nenhum destes». E perguntou a Jessé: «Estão aqui todos os teus filhos?». Jessé respondeu-lhe: «Falta ainda o mais novo, que anda a guardar o rebanho». Samuel ordenou: «Manda-o chamar, porque não nos sentaremos à mesa, enquanto ele não chegar». Então Jessé mandou-o chamar: era ruivo, de belos olhos e agradável presença. O Senhor disse a Samuel: «Levanta-te e unge-o, porque é este mesmo». Samuel pegou na âmbula do óleo e ungiu-o no meio dos irmãos. Daquele dia em diante, o Espírito do Senhor apoderou-Se de David.”
Palavra do Senhor

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23), 1-3a.3b-4.5.6 (R. 1)
Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará. (Repete-se)

O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma. (Refrão)

Ele me guia por sendas direitas
por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo
me enchem de confiança. (Refrão)

Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça
e meu cálice transborda. (Refrão)

A bondade e a graça hão-de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre. (Refrão)

LEITURA II – Ef 5, 8-14

Desperta e levanta-te do meio dos mortos, e Cristo brilhará sobre ti

Este é o Domingo da luz, da iluminação. Essa luz é Cristo, como se diz no final da leitura, numa passagem que é talvez parte de um hino cristão primitivo. O Baptismo é o sacramento da iluminação, da fé, que havemos de professar, de novo, na Vigília Pascal. Se na nossa comunidade houver catecúmenos (que nesta altura, já serão “eleitos”), eles nos ajudarão a sentir como se deve olhar para o baptismo como o momento da “iluminação”, conforme os antigos lhe chamavam.

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
“Irmãos: Outrora vós éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz, porque o fruto da luz é a bondade, a justiça e a verdade. Procurai sempre o que mais agrada ao Senhor. Não tomeis parte nas obras das trevas, que nada trazem de bom; tratai antes as denunciar abertamente, porque o que eles fazem em segredo até é vergonhoso dizê-lo. Mas todas as coisas que são condenadas são postas a descoberto pela luz, e tudo o que assim se manifesta torna-se luz. É por isso que se diz: «Desperta, tu que dormes; levanta-te do meio dos mortos e Cristo brilhará sobre ti».”
Palavra do Senhor

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Jo 8, 12
Refrão: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai (Repete-se)
Eu sou a luz do mundo, diz o Senhor.
Quem Me segue terá a luz da vida. (Refrão)

EVANGELHO – Jo 9, 1-41

Eu fui, lavei-me e comecei a ver

Jesus, que no domingo anterior Se revelou como Aquele que dá a água da vida, revela-Se hoje como a luz que ilumina o homem. O cego de nascença é figura de toda a humanidade, que tacteia, neste mundo, como que às apalpadelas, a caminho da vida, caminho que só Deus lhe pode desvendar. O Baptismo é o banho que ilumina, porque nos faz mergulhar em Cristo que é a luz. Os antigos chamavam justamente ao Baptismo a “iluminação”.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
“Naquele tempo, Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença. Os discípulos perguntaram-Lhe: «Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?». Jesus respondeu-lhes: «Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus. É preciso trabalhar, enquanto é dia, nas obras d’Aquele que Me enviou. Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo». Dito isto, cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego. Depois disse-lhe: «Vai lavar-te à piscina de Siloé»; Siloé quer dizer «Enviado». Ele foi, lavou-se e ficou a ver. Entretanto, perguntavam os vizinhos e os que antes o viam a mendigar: «Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?». Uns diziam: «É ele». Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele». Mas ele próprio dizia: «Sou eu». Perguntaram-lhe então: «Como foi que se abriram os teus olhos?». Ele respondeu: «Esse homem, que se chama Jesus, fez um pouco de lodo, ungiu-me os olhos e disse-me: ‘Vai lavar-te à piscina de Siloé’. Eu fui, lavei-me e comecei a ver». Perguntaram-lhe ainda: «Onde está Ele?». O homem respondeu: «Não sei». Levaram aos fariseus o que tinha sido cego. Era sábado esse dia em que Jesus fizera lodo e lhe tinha aberto os olhos. Por isso, os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista. Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos; depois fui lavar-me e agora vejo». Diziam alguns dos fariseus: «Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado». Outros observavam: «Como pode um pecador fazer tais milagres?». E havia desacordo entre eles. Perguntaram então novamente ao cego: «Tu que dizes d’Aquele que te deu a vista?». O homem respondeu: «É um profeta». Os judeus não quiseram acreditar que ele tinha sido cego e começara a ver. Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes: «É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego? Como é que ele agora vê?». Os pais responderam: «Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego; mas não sabemos como é que ele agora vê, nem sabemos quem lhe abriu os olhos. Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós». Foi por medo que eles deram esta resposta, porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagoga quem reconhecesse que Jesus era o Messias. Por isso é que disseram: «Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós». Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido cego e disseram-lhe: «Dá glória a Deus. Nós sabemos que esse homem é pecador». Ele respondeu: «Se é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora vejo». Perguntaram-lhe então: «Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?». O homem replicou: «Já vos disse e não destes ouvidos. Porque desejais ouvi-lo novamente? Também quereis fazer-vos seus discípulos?». Então insultaram-no e disseram-lhe: «Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés. Nós sabemos que Deus falou a Moisés; mas este, nem sabemos de onde é». O homem respondeu-lhes: «Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é, mas a verdade é que Ele me deu a vista. Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade. Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer». Replicaram-lhe então eles: «Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?». E expulsaram-no. Jesus soube que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: «Tu acreditas no Filho do homem?». Ele respondeu-Lhe: «Quem é, Senhor, para que eu acredite n'Ele?». Disse-lhe Jesus: «Já O viste: é quem está a falar contigo». O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou: «Eu creio, Senhor». Então Jesus disse: «Eu vim a este mundo para exercer um juízo: os que não vêem ficarão a ver; os que vêem ficarão cegos». Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto, perguntaram-Lhe: «Nós também somos cegos?». Respondeu-lhes Jesus: «Se fôsseis cegos, não teríeis pecado. Mas como agora dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece».”
Palavra da Salvação

ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Ao apresentarmos com alegria estes dons de vida eterna,
humildemente Vos pedimos, Senhor,
a graça de os celebrar com verdadeira fé
e de os oferecer dignamente pela salvação do mundo.
Por Nosso Senhor.

ANTÍFONA DA COMUNHÃO
Quando se lê o Evangelho do cego de nascença: (cf. Jo 9, 11)
O Senhor ungiu os meus olhos.
Eu fui lavar-me, comecei a ver e acreditei em Deus.
Quando se lê o Evangelho do filho pródigo: (Lc 15, 32)
Alegra-te, meu filho, porque o teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado.
Quando se lê o outro Evangelho: (Salmo 121, 3-4)
Jerusalém, cidade de Deus,
para ti sobem as tribos do Senhor,
para celebrar o seu santo nome.

ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Senhor nosso Deus,
luz de todo o homem que vem a este mundo,
iluminai os nossos corações com o esplendor da vossa graça,
para que pensemos sempre no que Vos é agradável
e Vos amemos de todo o coração.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.



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