A formação da Sagrada Escritura foi lenta e muito complicada. A maior parte
dos seus livros são obra de muitas mãos e a composição de alguns deles durou
séculos. Assim, o Pentateuco, marcado pelo cunho de Moisés, só conheceu a forma
definitiva muitos séculos depois da sua morte (séc. V a.C.); a literatura
profética, iniciada com Amós e Oseias (séc. VIII a.C.), terminou com Joel e
Zacarias (séc. IV a.C.); os livros históricos, embora contendo tradições do
séc. XIII a.C., foram escritos aproximadamente entre os séc. V e I a.C.; e a
literatura sapiencial, iniciada com Salomão (séc. X a.C.), só a partir do séc.
V a.C. recebeu a sua forma definitiva e alguns livros são do limiar do Novo
Testamento.
Portanto, a ordem dos livros que a Bíblia apresenta não é histórica, mas
lógica; e a atribuição do Pentateuco a Moisés, dos Salmos a David, dos livros
sapienciais a Salomão e dos 66 capítulos do Livro de Isaías a este profeta não
corresponde à realidade, mas é uma simplificação da História. Se quisermos
captar o verdadeiro sentido dos textos, não podemos contentar-nos com esta
simplificação, pois cada um deles tem o seu contexto vivo, do qual não pode ser
separado. Por isso, antes de passarmos a outros problemas, vamos tentar resumir
a história da formação dos livros sagrados.
A revelação de Deus à humanidade transmitiu-se, durante muitos séculos,
através da tradição oral. A Escritura só começa a ganhar corpo a partir de
David. Já antes de David existiam documentos orais ou escritos, como o Código
da Aliança (Ex 20,22-23,33), o Decálogo (Ex 20,2-17; Dt 5,6-21), o poema de
Débora (Jz 5,1-31), o cântico de Moisés (Ex 15,1-18).
É também a partir do reinado de David-Salomão que se escreve uma das quatro
“fontes” que se integrou no Pentateuco (a Javista), se inicia o Saltério por
meio de David e a literatura sapiencial recebe o seu primeiro impulso.
Com a morte de Salomão, o reino divide-se em Israel, ou Reino do Norte, e
Judá, ou Reino do Sul. A história destes dois reinos encontra-se nos livros dos
Reis. Em Israel aparecem os profetas Elias e Eliseu, defensores do culto a
Javé; no tempo de Jeroboão II (783-743 a.C.), Amós e Oseias e a tradição
“Eloísta” do Pentateuco. Em Judá, pouco depois de Amós e Oseias, surgem Isaías
e Miqueias (ao profeta Isaías pertence só a primeira parte do Livro de Isaías:
cap.1-39).
Em 722 a.C., o Reino do Norte cai sob o poder da Assíria e muitos habitantes
fogem para Judá, levando consigo escritos e tradições sagradas; deste modo,
unem-se duas das tradições do Pentateuco: a Javista e a Eloísta (Jeovista).
No tempo do rei Josias (640-609 a.C.), restaura-se o templo e procede-se a
uma reforma religiosa: o Reino do Norte tinha desaparecido e o do Sul estava a
ser castigado, porque tinham sido infiéis a Javé. É neste período e com esta
perspectiva que aparecem os livros dos Juízes, Samuel e Reis.
Em 587 a.C., Nabucodonosor avança sobre Jerusalém, toma a cidade e leva
para Babilónia, como reféns, muitos dos seus habitantes. É um momento
importante na História do povo de Deus. Os sacerdotes, longe do templo, voltam
às tradições antigas, dando-lhes um cunho litúrgico e cultual. São ainda eles
que, depois do Deuteronómio, dão ao Pentateuco a sua forma definitiva.
Os judeus que tinham ficado na Palestina vêm chorar sobre as ruínas do
templo e assim nascem as Lamentações, que a Vulgata, indevidamente, atribuiu a
Jeremias. Ao mesmo tempo, um profeta anónimo, discípulo de Isaías (Segundo
Isaías), conforta os desterrados na Babilónia (Is 40-55). Depois do regresso da
Babilónia, são compostos os capítulos 56-66 de Isaías (Terceiro Isaías) e, no
séc. V a.C., completa-se a obra com os capítulos 24-27 e 34-35 (Apocalipse de
Isaías).
Em 538 a.C., de novo em Jerusalém, o Deuteronómio separa-se dos livros
históricos e une-se ao Pentateuco; aparece Rute e os profetas Ageu e Zacarias.
É também neste século que floresce a literatura sapiencial, editando-se o livro
dos Provérbios e, pouco depois, o Livro de Job. Com a reconstrução do templo,
nascem novos salmos e adaptam-se os antigos à nova liturgia.
No séc. IV a.C., já deveria estar completo o Saltério; nasce o Cântico dos
Cânticos; escreve-se Jonas, que canta a providência e a salvação universal de
Deus, e Tobias, que exalta a providência de cada dia. A historiografia deste
século está representada por 4 livros: 1 e 2 das Crónicas (ou Paralipómenos),
Esdras e Neemias, que são obra de um só autor, chamado Cronista.
No ano 333 a.C., com a conquista da Palestina por Alexandre Magno, começa,
na literatura bíblica, o período helenista. Como reacção, nasce um novo género
literário tipicamente hebreu: o midrache bíblico. Pertencem a este período o
Eclesiastes (ou Qohélet) e Ben Sira (ou Eclesiástico).
Em 175 a.C., Antíoco IV obriga todos os seus súbditos a adoptar a vida e a
religião dos gregos. Esta medida provoca a revolta dos Macabeus. É neste
ambiente que Daniel publica um livro apocalíptico, para animar os seus
compatriotas na luta. Anos depois (100 a.C.), aparece o livro de Ester, 1.° e
2.° dos Macabeus e o livro de Judite.
Enquanto os judeus da Palestina resistiam à helenização, alguns judeus de
Alexandria procuraram assimilar o pensamento grego, sem sacrificar os seus valores
próprios. Esta atitude exprime-se no livro da Sabedoria.
O Antigo Testamento é a parte mais longa da Bíblia. Constitui a lista
oficial ou cânon de livros aceites como inspirados e referentes ao tempo da
religião hebraica anterior ao cristianismo. Mas esta lista ou Cânon da Sagrada
Escritura conheceu algumas divergências, já desde os tempos antigos. Tais
divergências nascem das próprias vicissitudes da formação da Bíblia entre os
antigos hebreus.
A Bíblia que tem a lista mais longa de livros, chamada dos Setenta, é, na
verdade, a mais antiga e provém do judaísmo de Alexandria. Apresenta uma
tradução dos textos bíblicos para o grego, feita nos três séculos imediatamente
anteriores ao cristianismo.
Curiosamente, a lista mais recente é aquela que nos propõe apenas o texto
original hebraico; a lista final dos livros desta Bíblia Hebraica foi fixada
por uma assembleia de rabinos em Jâmnia, só pelos finais do séc. I a.C., e os
critérios aí seguidos levaram a diminuir a lista de livros até então
reconhecidos como pertencendo à Bíblia. Ficaram assim de fora, no todo ou em
parte, alguns livros incluídos há séculos na Bíblia do judaísmo de Alexandria.
Por várias circunstâncias, nomeadamente pelo facto de estar na língua grega
de uso internacional no Mediterrâneo oriental, depressa o cristianismo fez sua
a Bíblia Grega da Tradução dos Setenta (LXX) e sempre aceitou sem grandes
dificuldades o cânon do Antigo Testamento por ela apresentado. Entre os
cristãos, a posição a tomar diante destes dois cânones só foi discutida mais
significativamente depois da Reforma Protestante. Hoje em dia, as confissões
protestantes em geral só aceitam os livros que pertencem ao cânon hebraico, o
chamado “cânon curto”.
Os livros que se encontram a mais na lista grega judaica e cristã antiga
são chamados deuterocanónicos (“apócrifos”, entre os protestantes) ou
pertencentes ao “segundo cânon”, chamado “cânon longo”. Convencionou-se dar o
nome de “primeiro cânon” à lista de livros que são coincidentes tanto na Bíblia
Hebraica como na Bíblia Grega livros chamados protocanónicos.
Nesta Bíblia adoptamos diferentes termos para os diferentes nomes de Deus
no AT hebraico.
NOMES DE DEUS
Javé (Yhwh): Senhor (só no texto)
Adonay: Senhor
El: Deus
Elohim: Deus
Eliôn: altíssimo
El Eliôn: Deus altíssimo
… Sebaot: … do universo
Shadday: supremo
El Shadday: Deus Supremo
Adonay Yhwh: Senhor Deus
|
A actual lista de livros do Antigo Testamento foi, ao longo da sua história
e tradição, organizada segundo princípios diferentes, daí resultando
classificações que não são coincidentes.
As duas principais classificações representam, ainda hoje, as duas
tradições da Bíblia Hebraica e da Bíblia Grega, no judaísmo antigo. A primeira
divide o Antigo Testamento em Torá (Lei), Nebiîm (Profetas) e Ketubîm
(Escritos); a segunda divide-o em Pentateuco, Históricos, Sapienciais e
Proféticos.
Apesar de as modernas traduções tenderem a utilizar sobretudo o texto
hebraico da Bíblia, para estas divisões e para o ordenamento dos livros dentro
do Antigo Testamento, é muito mais frequente seguirem o esquema da segunda, ou
dos Setenta. É a que seguimos nesta edição, fazendo anteceder cada uma destas
secções de uma Introdução própria.
Pentateuco
Livro
do Génesis
Livro
do Êxodo
Livro
do Levítico
Livro
dos Números
Livro
do Deuteronómio
|
Livros Históricos
Josué
Juízes
Rute
1º de
Samuel
2º de
Samuel
1º
dos Reis
2º
dos Reis
1º
das Crónicas
2º
das Crónicas
Esdras
Neemias
Tobite
Judite
Ester
1º dos
Macabeus
2º
dos Macabeus
|
Livros Sapienciais
Job
Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cântico
dos Cânticos
Sabedoria
Ben
Sira
|
Livros Proféticos
Isaías
Jeremias
Lamentações
Baruc
Ezequiel
Daniel
Oseias
Joel
Amós
Abdias
Jonas
Miqueias
Naum
Habacuc
Sofonias
Ageu
Zacarias
Malaquias
|
(Fonte)
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