Êxodo
O ÊXODO é o segundo livro da Bíblia e do Pentateuco. Na Bíblia
Hebraica recebe o título de Shemôt, isto é, “Nomes”, de acordo com o hábito
judaico de intitular os livros a partir das suas palavras iniciais: “We’elleh
shemôt” (= «E estes são os nomes dos filhos de Israel que vieram para o
Egipto»: 1,1). O título de ÊXODO provém da versão grega dos Setenta, que
procura dar a cada livro um título de acordo com o seu conteúdo. Neste caso,
privilegia os 15 primeiros capítulos, pois é aí que propriamente se descreve o
“Êxodo”, isto é, a “saída” dos israelitas do Egipto.
Este léxico tem a ver prevalentemente com os grupos recalcitrantes
que Moisés “fez sair” do Egipto pela “estrada do deserto”; mas, dada a
importância determinante de Moisés, dos seus grupos e das suas experiências
para a constituição de Israel e a formação da Bíblia, o seu léxico torna-se
património comum, podendo expressar também as “libertações” de outros grupos da
“opressão” do domínio egípcio.
CONTEÚDO E DIVISÃO
Pode dividir-se o seu conteúdo do seguinte modo:
I. “Opressão” e “Libertação” dos
filhos de Israel no Egipto. Este é o tema fundamental de
1,1-15,21. Nesta secção, merecem especial relevo as peripécias no Egipto
(1,1-7,8), como um povo que nasce no sofrimento. Seguem-se as pragas
(7,8-12,32), como meio violento de libertação.
II. Caminhada pelo deserto (15,22-18,27)
do povo, agora livre do Egipto.
III. Aliança do Sinai (19,1-24,18). Esta aliança é o
encontro criacional ou fundacional de Javé com os “israelitas”, em que o Senhor
se dá a si mesmo ao homem e restitui cada homem a si mesmo, e em que o homem
aceita a dádiva pessoal de Deus e se aceita a si mesmo como dom de Deus com
tudo o mais que lhe é dado: a natureza, a razão, a Lei, a História, o mundo.
Por sua vez, a dádiva e a sua aceitação também reclamam dádiva mútua e,
portanto, responsabilidade. O pecado surge como possibilidade da liberdade
humana; mas Deus pode sempre recomeçar tudo de novo.
IV. Código sacerdotal, com especial relevo para a
construção do santuário (25,1-31,18). A execução do mesmo vai ser revelada em
35,1-40,33, com a correspondente organização do culto. Esta narrativa está
encerrada numa inclusão significativa: 40,34-38 descreve a descida do Senhor
sobre o santuário com as mesmas características (nuvem, glória, fogo) com que
24,12-15a descreveu a descida do Senhor sobre o Sinai, mostrando, assim, que o
santuário assumiu o papel do Sinai como lugar da manifestação de Deus. É a
presença da ideologia sacerdotal (conhecida por fonte P), que projecta
retrospectivamente no Sinai a imagem do segundo templo, do seu sacerdócio e do
seu culto – em suma, o ideal da comunidade judaica pós-exílica (ver VI).
V. Renovação da Aliança do Sinai, relatada em
32,1-34,35.
VI. Código sacerdotal (35,1-40,38): execução das obras
relativas ao santuário (ver IV).
O texto normativo do livro do ÊXODO é sobretudo um entrançado de
peças narrativas e legislativas. Nestas últimas, destacam-se o “Decálogo”
propriamente dito (20,1-17) e os chamados “Código da aliança” (20,22-23,19) e
“Decálogo ritual” (34,12-26). São a Lei dada por Deus, mas formulada pelo homem
a partir da razão e da experiência.
AUTOR
A antiga tradição judaica, tal como a antiga tradição cristã,
atribuíam a Moisés a autoria de todo o Pentateuco e, por isso, também do livro
do ÊXODO. Este modo de pensar está hoje claramente ultrapassado. Contudo,
talvez hoje se avalie também, com mais clareza do que nunca, a eventual acção
determinante de Moisés na constituição de Israel e do corpo bíblico do
Pentateuco e do ÊXODO.
GÉNERO
LITERÁRIO
O tecido literário deste livro resulta em parte da acostagem
horizontal de temáticas por via redaccional (“teoria fragmentária”), mas fundamentalmente
da complexidade dinâmica da vida de múltiplos grupos cujas experiências no
terreno vão sendo recolhidas e integradas em contextos ideológicos mais amplos.
É ainda a questão da “teoria documentária”, embora redimensionada,
nas suas componentes Javista (J), Eloista (E), Deuteronómico-Deuteronomista
(D-Dtr) e Sacerdotal (P); das múltiplas “fichas” que recolhem e da ideologia e
intenção das redacções; sem esquecer, também, a redacção final.
LEITURA
CRISTÃ E TEOLOGIA
O acontecimento do Êxodo relata a libertação de Israel do Egipto
pelo Senhor, que faz com esse povo uma Aliança. Tal acontecimento fundador foi
objecto de várias releituras, já dentro da própria Bíblia, pois toda a teologia
e espiritualidade do povo de Israel ficaram profundamente marcadas por ela.
Assim, o Segundo e Terceiro Isaías vêem a libertação de Judá do domínio da
Babilónia como um novo Êxodo.
Os primeiros discípulos de Jesus e as primeiras comunidades
cristãs, que eram de origem judaica, viram na doutrina de Jesus um “êxodo” novo
e definitivo (Lc 4,16-21); e, na sua pessoa, o verdadeiro libertador, à vista
do qual o próprio Moisés era simples figura, e a Lei do Sinai mero pedagogo
para conduzir o povo até ao verdadeiro Mestre, que é Cristo (Gl 3,24). O Novo
Testamento apresenta Moisés como muito inferior a Jesus, que veio trazer a nova
Lei (Mt 5,17-48). A Carta aos Hebreus chega mesmo a dizer que Moisés já
considerava os opróbrios por Cristo superiores aos tesouros do Egipto, seguindo
em frente com firmeza, «como se contemplasse o Invisível» (Heb 11,27).
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