Levítico
A Bíblia Hebraica intitulava o terceiro livro do
Pentateuco: Wayyiqra (“E chamou”). No entanto, a tradução grega do hebraico
(Setenta) chamou-lhe LEVÍTICO, certamente pela importância da função litúrgica
nele atribuída aos levitas. Levi era um dos filhos de Jacob (Ex 1,2), cuja
tribo deveria situar-se no sul da Palestina e foi escolhida para o serviço
religioso e sacerdotal do templo (Dt 10,8-9). Este seria, pois, o livro do
culto do povo da aliança.
CONTEÚDO E DIVISÃO
Os acontecimentos narrados pelo LEVÍTICO situam-se durante
a grande viagem desde o Egipto até à terra de Israel, no ambiente geográfico e
sobretudo teológico da aliança do Sinai e em estreita ligação com o Êxodo e os
Números. Os últimos capítulos do Êxodo (25-40) são litúrgicos e fazem uma
ligação perfeita com o LEVÍTICO, que é totalmente litúrgico, e a numerosa legislação
deste relaciona-se intimamente com o Êxodo (Ex 25,1-29; 31; 35-40).
Apenas algumas tradições antigas devem pertencer ao tempo
histórico da travessia do Sinai, pois toda a estrutura do culto aqui
regulamentada supõe um povo sedentarizado e o culto do templo bem organizado.
Trata-se, talvez, de uma recolha feita pelos sacerdotes de Jerusalém, já depois
do Exílio (séc.VI).
O trágico acontecimento do Exílio diz bem da importância
que o culto tinha para este povo. Sem as seguranças que lhe vinham do rei, a
Israel restava a Lei (proclamada agora talvez nas primeiras sinagogas) e o
sacerdócio que mantinha o culto do templo, onde o povo se reunia para as
grandes festas, que faziam reviver a sua consciência de povo de Deus.
O autor, ao situar todo este enorme conjunto de leis
cultuais num único local e antes da partida do Sinai, com a qual começa o livro
dos Números, pretende atingir vários objectivos: primeiro, dizer que todas as
leis devem ter o seu fundamento na aliança do Sinai, graciosamente oferecida por
Deus ao seu povo, e que o culto deve ser uma resposta a essa aliança; depois,
atribuir toda esta legislação à mediação de Moisés, que foi o primeiro
organizador do povo de Deus. No entanto, quando estas leis cultuais foram
codificadas aqui, já eram praticadas no culto do templo. Isso não obsta a que
algumas delas sejam tão antigas que se percam no tempo.
Mas o culto do povo da aliança não pode limitar-se apenas
aos ritos litúrgicos. Daí a inserção, neste livro, de um “Código de Santidade”,
que pertencia também ao ambiente dos sacerdotes-catequistas do templo. O
conteúdo do LEVÍTICO pode alinhar-se, então, em seis grandes secções,
constituindo, as quatro primeiras, um “Código sacerdotal”. Teríamos, portanto,
a seguinte divisão:
I. Código Sacerdotal (1,1-16,34): inclui as seguintes secções:
1. Ritual dos Sacrifícios (1,1-7,38): holocausto (1), oblações (2), sacrifício de
comunhão (3), sacrifício de expiação (4,1-5,13), sacrifício de reparação
(5,14-26), deveres e direitos dos sacerdotes (6-7).
2. Consagração dos sacerdotes e inauguração do culto (8,1-10,20): Ritual da consagração de Aarão e seus filhos
(8), primeiros sacrifícios dos novos sacerdotes (9), irregularidades e normas
sobre os sacerdotes (10).
3. Código da pureza ritual (11,1-15,33): animais puros e impuros (11), purificação
da mulher que dá à luz (12), purificação da lepra (13-14), impureza sexual
(15).
4. Dia da grande expiação (16,1-34).
II. Código de Santidade (17,1-26,46): é um conjunto de leis introduzidas pela fórmula
“Sede santos porque Eu sou santo”, que inclui leis sobre a imolação de animais
e leis do sangue (17), leis em matéria sexual (18), deveres para com o próximo
(19), penas pelos pecados sexuais (20), santidade dos sacerdotes (21-22),
calendário das festas (23), luzes do santuário e pães da oferenda ou da
proposição (24,1-9), Ano Sabático e Jubileu (25), bênçãos e maldições (26).
Como se torna evidente, neste grande conjunto de leis cultuais, quase metade do
livro é constituída pelo “Código de Santidade” (17-26).
III. Apêndice (27,1-34):
os votos.
ESPÉCIES DE SACRIFÍCIOS
Para uma boa compreensão do LEVÍTICO, é necessário
conhecer o essencial acerca das diferentes espécies de sacrifícios:
Holocausto:
vem do hebraico ‘olah, que significa “subir” e indica o fumo da vítima que sobe
para Deus. A sua característica essencial era a vítima ser totalmente queimada,
não ficando para o sacerdote mais do que a pele. Antes do sacrifício, o
oferente colocava as mãos sobre a vítima, em sinal de que lhe pertencia,
reclamando, assim, os benefícios do seu sacrifício. Depois, ele próprio
degolava a vítima, e o sacerdote queimava-a sobre o altar. Este sacrifício
pretendia reconhecer o direito absoluto de Deus sobre todas as coisas (1,1-17;
6,1-6).
Sacrifício de comunhão (ou pacífico: zebah shelamîm): procurava a comunhão com Deus,
dando-lhe graças. Como o holocausto, incluía a imposição das mãos, a imolação
da vítima e o derramamento do seu sangue no altar (3,1-17). A parte mais gorda,
considerada a melhor, pertencia a Deus e era queimada; as outras duas partes
eram distribuídas entre o sacerdote e o oferente; este comia-a num banquete
sagrado, para significar a comunhão com a divindade.
Oferta vegetal (minhah,
“oferta”): era a oferta de produtos do campo, sobretudo de farinha misturada
com azeite. Este sacrifício estava ligado à oferta da primeira farinha na festa
do Pentecostes, mas tornou-se muito corrente, sendo feito juntamente com os
sacrifícios de imolação de animais (ver 2,1-17).
Sacrifício pelo pecado (hata’t): consistia em oferecer uma vítima por um qualquer
pecado. Variava conforme a gravidade do pecado e a importância da pessoa que
pecava; para os pobres, podia comutar-se pelos animais mais baratos: um par de
rolas ou de pombas (5,7; 12,6-8; Lc 2,24). Este sacrifício distinguia-se dos
demais pela aspersão do sangue, «pois o sangue é que faz expiação porque é
vida» (17,10-11). Assumia especial importância na festa da Expiação.
Sacrifício de reparação da ofensa (‘asham): era um sacrifício semelhante ao anterior
(5,14-26; 7,7).
Pães da oferenda (ou
da proposição, lit., “pães da face”): eram doze pães, colocados sobre uma mesa
que estava diante do Santo dos Santos. Simbolizavam a presença das doze tribos,
cada semana, diante do Deus da aliança. Eram renovados cada sábado e só os
sacerdotes os podiam comer (24,5-9).
Ofertas de incenso: o
incenso era considerado o perfume mais excelente e, por isso, oferecia-se a
Deus como sinal de adoração e da oração que sobe até Ele. No chamado altar do
incenso, que estava diante do Santo dos Santos, o incenso ardia todos os dias,
de manhã e de tarde, em honra do Senhor (2,1.15; 6,8; Ex 30,34-38; Mt 2,11; Lc
1,9).
TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ O LEVÍTICO
Representa a resposta cultual do povo de Israel ao Deus da
aliança. Os ritos descritos neste livro são a forma humana cultual possível,
nesse tempo, do povo a Deus.
Jesus Cristo não destruiu este culto (Mt 5,17-20); ele
mesmo seguiu várias normas cultuais, presentes no LEVÍTICO. No entanto, fez uma
interpretação mais espiritual, apontando para um culto que nasça do coração do
crente e esteja sempre comprometido com a sua vida concreta e a do mundo que o
rodeia (Mt 5,21-48; Mc 7,1-23; Jo 4,20-21; Rm 12,1). Hoje, continuamos a ler
este livro para encontrar as raízes do culto cristão e para nos alimentarmos
com os seus temas teológicos, presentes em muitos textos do Novo Testamento. A
Carta aos Hebreus é o livro do Novo Testamento que mais explicitamente faz uma
leitura cristã do Levítico.
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