Deuteronómio
Das cinco narrativas históricas que integram o Pentateuco,
o DEUTERONÓMIO constitui a unidade literária mais heterogénea e diferenciada.
Com razão, os exegetas falam de uma nova tradição ou fonte documental, que se
distingue das outras fontes do Pentateuco por motivos de estilo e de teologia e
se prolonga até ao fim do 2.° Livro dos Reis, formando a “Fonte ou História
Deuteronomista”.
NOME
“Deuteronómio” quer dizer “segunda Lei”. Foi o nome dado a
este livro nas traduções grega e latina, porque se apresenta como a reedição ou
síntese dos textos legislativos anteriores, enquadrada por um estilo diferente.
Na tradição hebraica, chama-se apenas “Debarim” (Palavras), pelo modo como o
texto começa: «Estas são as Palavras». Mas a designação greco-latina sintetiza
bem o conteúdo deste livro, o qual, mais do que um final do Pentateuco, parece
representar sobretudo o começo de uma nova maneira de escrever a História do
Povo Eleito.
TEXTO E CONTEXTO
O texto deste livro teve uma história complicada. A sua
origem é geralmente colocada no Reino do Norte, antes da conquista da Samaria,
em 722, aquando da invasão dos assírios. Na bagagem dos levitas do Norte terá
vindo uma primeira redacção do DEUTERONÓMIO, que teria como esquema base uma
celebração litúrgica da Aliança (ver a aliança de Siquém: Js 24). Curiosamente,
um século mais tarde, foi encontrado no templo de Jerusalém o «Livro da Lei do
Senhor» ou «Livro da Aliança» (2 Rs 22,8.11; 23,2.21). O rei Josias começou
imediatamente a pôr esta Lei em prática, fazendo uma reforma do culto (2 Rs
23,3-20). A relação entre esta reforma e o DEUTERONÓMIO encontra-se na
insistência da centralização do culto em Jerusalém e na destruição dos cultos
idolátricos.
Mas a Lei encontrada no templo poderá ter sido uma
redacção posterior ao “esquema da aliança” que veio do Norte, onde a temática
da Palavra, do profeta, da Aliança e do Sinai-Horeb se sobrepunham à temática
do culto e do sacerdócio, que prevaleciam – como era natural – em Jerusalém. No
Sul, deve ter sido feita uma primeira redacção elaborada depois da falhada
reforma de Ezequias, ou seja, a meados do séc. VII a.C.. A última redacção deve
ter acontecido aquando da redacção final do Pentateuco: séc. V-IV a.C.. Tudo
isto denota um contexto posterior e uma finalidade catequética.
É no contexto destas diferentes etapas da redacção do
DEUTERONÓMIO que deve entender-se o constante vaivém do tu e do vós no discurso
de Moisés, quando se dirige ao povo de Israel (ver 6,1-3). Apesar desse tu e vós
parecer por vezes ilógico, na nossa tradução preferimos respeitar o estilo do
texto original hebraico.
DIVISÃO
Em três grandes discursos atribuídos a Moisés. Com estilo
directo, num tom exortativo e profético, usando temas e frases estereotipadas e
repetitivas, o redactor final sintetiza o programa ou projecto que torna
possível fazer de Israel uma nova sociedade, segundo os ideais dos tempos puros
da caminhada pelo deserto, num “hoje” de eterno presente. Assim, temos:
I. Primeiro Discurso (1,6-4,43): de forma historicizante, recapitula o passado, desde
a planície desértica da Arabá até à entrada na Terra Prometida de Canaã.
II. Segundo Discurso (4,44-28,68): Moisés apresenta os fundamentos da Aliança e as
determinações da Lei.
Código Deuteronómico: 11,29-26,15.
III. Terceiro Discurso (28,69-30,20): últimas instruções de Moisés.
IV. Apêndice (31,1-34,12):
narra os últimos dias de Moisés, com cânticos e bênçãos, bem como a sua morte.
Os exegetas apresentam ainda uma outra divisão, atendendo
à estrutura da Aliança que percorre o DEUTERONÓMIO do princípio ao fim:
Introdução: 1,1-5
1. Recordação do passado e exortação a servir o Senhor:
1,6-11,28
2. Proclamação da Lei da Aliança: 11,29-26,15
3. Compromisso mútuo entre Deus e Israel: 26,16-19
4. Bênçãos e maldições: 27,1-30,18
5. Testemunhas da Aliança: 30,19-20.
Este esquema vem confirmar que estamos perante o livro da
Aliança por excelência.
TEOLOGIA
O DEUTERONÓMIO é, sem dúvida, um livro de grande riqueza
doutrinal, sempre preocupado em inculcar a fidelidade de Israel a Deus, que é
chamado Pai (1,31), e a estabelecer entre os membros do povo escolhido uma
verdadeira fraternidade.
Defende a centralização do culto, dentro do princípio da
aliança, que os profetas evidenciaram. Mesmo insistindo na observância das
leis, não deixa de salientar a responsabilidade da consciência individual e o
compromisso pessoal, que a fé no Deus único exige.
Apesar da visão profundamente religiosa e das preocupações
teológicas mais voltadas para os problemas institucionais e nacionais, não
deixa de reclamar o amor fraterno e a justiça social, apresentando leis
verdadeiramente humanitárias.
Pela sua intenção de recapitular a Lei e repropor o
conceito de aliança, e pela influência que teve na reflexão sobre a História de
Israel, o livro do DEUTERONÓMIO ocupa um lugar central dentro da Bíblia. E é,
por conseguinte, de primeira importância para qualquer tentativa de
sistematização de uma teologia bíblica.
Sem comentários:
Enviar um comentário